quarta-feira, 8 de agosto de 2012

TRAIÇÃO (CAP. 3 DE 3)


Em silêncio a moça fez o que Adele pediu e saiu rapidamente. Pousando os olhos no envelope, Adele contou até três para criar coragem e abrir. Talvez fosse um bilhete dele pedindo perdão. Com alguma esperança, ela rasgou o envelope. Realmente lá dentro tinha um bilhete. Lacônico. “Tirei tudo que era meu lá de dentro. Devolvo-lhe a chave do seu apartamento”.

A chave caiu em cima da mesa e Adele desmoronou finalmente. Trancou-se na sua sala e chorou por uns vinte minutos sem parar. Quando o celular tocou ela deu um pulo. Era Zuleica.
− Oi, Zuleica...
A voz abatida de Adele assustou a prima.
− O que houve, Adele? Você está doente?
− De certa forma. Botei Luciano para fora de casa.
− Como assim? Do que você está falando?
− Ele tinha mesmo uma amante – Adele sentiu o sangue ferver – Acabei descobrindo depois da festa bisbilhotando o celular do cretino. Confrontei-o. E ele não teve como negar.
− Querida, que situação terrível... Será que você não se precipitou? Talvez fosse um casinho sem importância e…
− Não era. Ele foi embora muito fácil. Não contestou, não pediu perdão, não alegou que foi uma fraqueza momentânea.
− Afinal, quem é essa mulher? – Zuleica estava abismada.
− Uma tal de Paula. Vinte anos mais nova que eu.
Até mesmo ao proferir a última frase fez com que o coração de Adele quase explodisse de dor.
− Esqueça esse lance da idade, Adele.
− Impossível, Zuleica. Eu sempre tive medo que isso acontecesse. Achei que poderia ficar mais um tempo com ele antes de ser trocada. Ou que ocorresse com mais dignidade. Me enganei.
− Você está no escritório?
− Sim.
− Vai almoçar?
− Não sei quando terei fome novamente.
− Adele, vou passar aí às seis horas da tarde e vamos fazer um happy hour, entendeu? Não vou deixar você ir para sua casa sozinha, no estado em que está.  Você não quer dormir no meu apartamento?
− De jeito nenhum. Vou enfrentar o monstro hoje. E amanhã já estarei bem melhor.
− De qualquer forma vamos sair essa noite. Você precisa desabafar.
− Está bem – suspirou Adele,  secando as lágrimas – Preciso mesmo conversar com alguém.
− Então está combinado. Cuide-se. Se precisar me ligar antes, faça isso.
− Ok. Obrigada, querida.

Adele desligou o telefone sentindo-se um pouco menos pior. A fome não veio e a tarde passou rapidamente para desgosto dela. Às seis horas em ponto Zuleica surgiu linda e elegante no escritório, contrastando com o abatimento de Adele. As duas saíram de braços dados e cada qual em seu carro, foram parar um barzinho não muito longe dali. Entre alguns goles de suco e petiscos, Adele conseguiu se alimentar. Zuleica não parava de lhe alertar que vários homens estavam flertando com ela, mas Adele não acreditou. E mesmo que fosse verdade, até menos de 24 horas atrás Adele tinha um relacionamento. Não podia simplesmente trocar de homem de uma hora para outra.

Por volta das nove horas da noite Adele sentiu que não podia mais adiar. Pegou sua bolsa e anunciou:
− Está na hora, Zuleica. Quanto mais eu evitar esse momento, pior para mim.
− Tudo bem. Eu vou com você.
− Não precisa, eu aguento. Rodolfo deve estar sentindo sua falta.
− Ora, e também pode estar com outra – riu Zuleica, tentando descontrair – Eu vou junto. Quando eu achar que você está apta a segurar as pontas eu vou embora.

As duas tomaram o rumo do apartamento de Adele. Com o coração aos saltos dentro do elevador, Adele suspirou profundamente.
− Sabe qual a impressão que tenho? Que ele morreu.
− De certa forma não deixa de ser. Mas… sabe, tenho um palpite.
− Qual?
− Em menos de dois meses ele vai voltar para os seus braços.

Adele riu amargurada:
− Pois eu duvido. Esse é o fim. O triste fim... Bem, o negócio é me concentrar no trabalho e procurar outros desafios.

O elevador parou no andar de Adele e as duas primas se encaminharam para a porta. Assim que colocou os pés no apartamento, ela pode sentir que o perfume de Luciano ainda estava no ar. Ferida, ela comentou:
− Parece que o desgraçado deixou o perfume de propósito.
− Ou não. Talvez já saiba a cagada que fez.

Adele não respondeu. Foi direto ao seu quarto, seguida da prima, e escancarou todas as portas. Murmurou:
− Bem, ele levou tudo. Até o frasco do perfume.
− Foi o combinado, não é mesmo?
− Sim − Adele fechou as portas, triste. Comentou – Achei que me sentiria pior não vendo as roupas dele aqui. Mas eu prefiro isso a viver uma relação de mentiras.
− Posso ficar com você esta noite.
− Não, não precisa, amiga – agradeceu Adele, abraçando Zuleica – A pior noite será essa. As outras serão mais fáceis de suportar. Eu tenho que enfrentar a dor e a solidão de uma vez. Assim elas irão embora mais cedo.
− Mas…
− Estou bem, Zuleica. Eu juro.

A contragosto, Zuleica pegou a bolsa e despediu-se, pedindo que Adele lhe avisasse caso precisasse de algum consolo. Mal a prima saiu, ela acendeu todas as luzes da casa, pôs uma música e ligou a televisão. O apartamento se tornou uma babel de sons que nem por um momento importunaram Adele. Ela precisava escutar vozes para não se sentir tão sozinha e abandonada. No quarto só entrou para pegar o travesseiro e o lençol. Naquela primeira noite se recusou a dormir sozinha. Acordou no outro dia com o sol entrando pela janela. A noite até que não tinha sido tão ruim. Dormiu direto, sem sonhos e sem choros. Ao se dirigir para o escritório, vibrou por não estar com enxaqueca ou enjoada.

Adele só voltou a dormir no seu quarto duas semanas depois, quando se sentiu mais forte. Já não precisava mais de ficar com o som do CD ou da televisão ligados ao mesmo tempo. Um só aparelho ligado bastava. A falta que sentia de conversar com alguém era o que mais lhe doía. Luciano sempre fora um ouvinte atento, com opiniões formadas, sempre ao alcance dela. Era difícil não ter com quem falar. No final de um mês comprou um cachorrinho, daqueles que pouco crescem. Branquinho e mimoso, encheu a vida de Adele de alegria e outras preocupações. A rotina mudou. Passeios pela quadra e no parque se tornaram frequentes. As idas ao veterinário a tiravam do escritório no horário do expediente. De Luciano não teve mais nenhum sinal ou notícia. E também procurava não saber. Não lhe interessava mesmo. Apenas tinha medo de encontra-lo em algum lugar com a outra. Como iria reagir? Ela não sabia.

Ao mesmo tempo sua vida começou a tomar outro rumo. Luciano deixou de ter importância quando conheceu outra pessoa nas suas visitas ao parque com o cachorrinho. Um simples cumprimento virou uma conversa animada na praça. Várias conversas, inclusive. Trocas de celular, convite para jantar. Luciano já era.

A primeira vez que viu Luciano depois do rompimento foi quase cinco meses depois. Adele estava muito bem acompanhada em um passeio no shopping. Encontraram-se na fila do cinema, cada um com seu respectivo par.

Paula. Nem era isso tudo. Cabelos vermelhos, desgrenhados. Se vestia despojada demais para o gosto de Adele. Não combinava com o estilo de Luciano. Para sua total satisfação, percebeu que Luciano não disfarçou a contrariedade ao vê-la com alguém. E o melhor de tudo: o coração se portou muito bem.

Talvez tenha sido pelo encontro da noite anterior que no outro dia pela manhã Adele recebeu um telefonema do seu ex. Ao ver o nome de Luciano no visor do seu celular não chegou a se surpreender.
− Olá, Luciano. Tudo bem?
− Oi, Adele – respondeu ele, um pouco inseguro – Como você está?
− Muito bem.
− Sim, ontem eu vi que você está muito bem mesmo.
− Você quer alguma coisa? Deixou algum pertence seu na minha casa?
− Não, eu levei tudo o que eu tinha de lá. Bem, só liguei para ver como você estava.
− Não estou entendendo você. Acha que eu estaria chorando por sua causa até hoje?
− Não quis dizer isso.
− Mas deve ter pensado.
− Fico feliz de saber que você está legal. Sério.
− E você? Está tão satisfeito com a sua vida como eu estou com a minha?
− Claro – Luciano não mostrou convicção nenhuma na sua resposta – Está tudo ótimo.
− Certamente que você achou que eu não teria mais homem nenhum depois de você, não é mesmo? Ou que eu ficaria de luto por uns bons vinte anos.
− Jamais pensei uma coisa dessas, Adele – retrucou ele ofendido – Gostei de ver você ontem, mesmo estando acompanhada de um velho. Ou melhor, de um homem mais maduro.

O sangue de Adele ferveu.

− Quando estávamos juntos você era mais elegante e educado. Sinto muito que sua companhia não o esteja ajudando a evoluir como pessoa.
− A Paula é uma pessoa incrível.
− Acredito que seja. Deve ser por isso que você está com tanta dor de cotovelo ao me ver com outro homem muito melhor do que você em todos os sentidos. Passar bem, Luciano.

Adele desligou o telefone exasperada. Nunca imaginou que Luciano pudesse patrocinar uma cena de ciúmes como aquela. Ao mesmo tempo ficou feliz. Não estava perdendo para nenhuma menina de trinta anos.

Nenhum comentário:

Postar um comentário