segunda-feira, 17 de março de 2014

O BALANÇO COR-DE-ROSA (parte 2)

Renata lutou contra a vontade de contar ao marido sobre o episódio no balanço. Ele iria desdenhar novamente. Mas o cheirinho da filha não abandonou suas narinas mesmo depois do almoço, quando Maria foi posta no bercinho para dormir. Claudio precisou sair, deixando-a sozinha em casa. Para se distrair, Renata preparou o bolo de chocolate preferido de Carol e somente depois de pronto se lembrou de que a filha não estaria ali para saborear.

Lágrimas vieram aos olhos dela quando cortou com a faca uma pequena fatia. Não seria bom chorar naquele momento. Estava na hora de Maria tomar a mamadeira e não queria que o bebê se assustasse. Renata colocou o pedaço do doce em um pratinho e levou para a filha mais nova provar. Com as pernas pesadas, ela subiu as escadas lentamente, mas, antes de chegar ao quarto, escutou as risadas de Maria. Achou estranho. Não havia sequer uma televisão ligada. O que estaria distraindo tanto a pequena?

Ela abriu a porta sem se preocupar em fazer silêncio. Ao contrário das outras vezes, Maria sequer olhou para a mãe. Para espanto de Renata, a garotinha estava em pé no berço, olhando para frente. Os bracinhos estavam estendidos como se quisesse o colo de alguém. E ela ria. Dava gargalhadas. Parecia estar muito feliz.

Um arrepio percorreu a coluna de Renata. À frente de Maria havia apenas a parede amarelo-clara, repleta de quadrinhos coloridos, entretanto era nítido que a bebê enxergava algo.

Ou alguém.

Carol. Ela estava lá visitando a irmãzinha.

- Carol, a mamãe está aqui.

A voz de Renata saiu como um murmúrio. Trêmula, ela deu alguns passos para frente, sem tirar os olhos do local que prendia a atenção de Maria. E de repente tudo passou. A garotinha encarou a mãe de dentro do berço com uma expressão estranha, como se a culpasse por ter quebrado todo aquele encanto. Carol havia ido embora. Renata sentiu o coração apequenar até se tornar quase nada.


Claudio chegou somente no final da tarde e encontrou Renata tensa andando de um lado para outro na sala, com Maria no colo. Ao vê-la daquele jeito pressentiu que algo ocorrera. E não devia ser nada bom.

- Aconteceu… alguma coisa?

Renata colocou a filha no tapete e se aproximou dele com os olhos brilhando, apesar da ansiedade.

- Algo incrível se passou aqui hoje.
- O que foi? – ele perguntou desconfiado do que seria. Mais uma das loucuras da esposa.
- Maria enxergou Carol hoje à tarde.

Lentamente Claudio deixou suas coisas em cima da mesa e se voltou para Renata, escolhendo bem as palavras.

- Como você sabe o que Maria enxerga?
- Entrei no quarto e a bebê estava olhando para frente, os bracinhos estendidos e dando enormes gargalhadas – Renata torcia as mãos ao falar. – Lembra como Carol gostava de pegar Maria no colo e se divertiam? Foi como era antes… antes dela ficar doente.

Ele suspirou, sem muita paciência.

- Escute, Renata. Você sabe como são os bebês. Maria estava simplesmente se divertindo sozinha.
- Divertindo-se com a irmã. Você não acredita em mim?
- Entendo que a morte de Carol esteja mexendo ainda com você, mas…
- Não quero discutir sobre isto, Claudio – retrucou Renata magoada. – Eu sei que nossa filha quer manter contato conosco. Eu sei! Se você fosse mais sensível, poderia sentir a presença dela também.
- Está certo – Claudio decidiu contemporizar tendo em vista o nervosismo da esposa. – Prometo de agora em diante tentar ficar mais conectado com estes assuntos espirituais, está bem? Só preciso de um tempo.

Renata sorriu, mais aliviada. Era tudo o que queria escutar. Claudio a envolveu em um longo abraço, preocupado com a sanidade mental da esposa.

Até onde aquela loucura iria?


Com o suposto apoio do marido, Renata se sentiu melhor. Preparou um jantar saboroso, serviu o bolo de chocolate e conseguiu manter uma conversação com ele sem tocar nenhuma vez no nome da filha morta. A paz durou até ambos irem dormir. Renata pegou no sono assim que pôs a cabeça no travesseiro. Acordou duas horas depois com sons de passos pela casa.

No mesmo momento ela sentou na cama e no segundo seguinte calçava os chinelos. O coração estava a mil quando abriu a porta do quarto. Os passinhos de Carol ainda se faziam ouvir, desceram as escadas e ganharam o andar de baixo. Uma bola se formou no peito de Renata. Ela estava lá! Carol, sua filinha perdida voltara! Tropeçando nas próprias pernas, Renata se precipitou corredor afora e quando se deu conta já estava quase no jardim. Podia escutar o som do balanço indo de um lado para o outro lá fora. Tinha certeza de que dentro em breve se depararia com filha de cachos louros andando no brinquedo de lá para cá. Havia sido um pesadelo e Carol estava viva! Aquele terror estava no fim.

Renata escancarou a porta triunfantemente, com o nome de Carol na ponta da língua para ser chamado.


No jardim imperava a solidão. E o balanço permanecia imóvel.

domingo, 16 de março de 2014

O BALANÇO COR-DE-ROSA (parte 1)

Renata acordou de madrugada em meio a um sonho perturbador. Ao seu lado, o marido Claudio dormia tranquilamente, sem imaginar o tamanho das emoções que assaltavam a sua esposa. Fazia apenas um mês que a filha mais velha, Carol, havia morrido de leucemia.

No sonho Carol estava viva e feliz. E andava de balanço no jardim. Da janela, Renata observava a filha de cinco anos no brinquedo, balançando-se de um lado para o outro, rindo. A gargalhada era possível de ouvir da janela do primeiro andar. De repente a garotinha a encarou lá de baixo e sua risada se transformou em um sorriso de sangue, um esgar aterrador. Foi neste momento que Renata despertou apavorada, vendo-se sentada na cama, olhando para os lados procurando a filha morta.

Sim, ela sabia que era loucura, mas mesmo assim se levantou, jogando as cobertas para o lado. Saiu do quarto de mansinho para não acordar o marido e se dirigiu até a janela do escritório, tensa e com o coração acelerado. Precisava confirmar que havia sido somente um sonho. Mais um entre tantos.

Renata afastou as cortinas violentamente e abriu a vidraça. Lá fora o balanço de Carol ía de um lado para o outro, suavemente. Não havia vento nenhum naquela hora.

− O balanço da Carol estava se movendo ontem à noite.

Era hora do café e Claudio lia o jornal à mesa atentamente. Renata se perguntava como o marido conseguia levar uma vida aparentemente normal tendo enterrado a sua primogênita há tão pouco tempo.

− Devia estar ventando.
− Não tinha vento nenhum.

Claudio largou o jornal em cima da mesa. Renata dava papinha para Maria, a filha bebê. Definitivamente, a esposa não estava se recuperando bem da perda da filha. E o pior de tudo é que parecia não fazer questão de superar a morte da Carol.

− Você sonhou.
− Sim, eu tive um sonho horrível com Carol e o balanço. E quando me levantei para conferir, o brinquedo estava lá, indo de um lado para o outro.
− Renata, você está sugerindo o quê?
− Estou afirmando que nossa filha está por aqui.
− E eu sugiro que você procure um psicólogo.

Renata torceu o nariz. Não precisava de tratamento. Só precisava de Carol. Claudio insistiu:

− Hoje em dias os medicamentos estão cada vez mais modernos. E você se sentirá muito melhor. Por que você não volta ao trabalho? Retome seus projetos de arquitetura.
− Preciso me dedicar a minha filha que sobrou.
− Maria está muito bem – replicou Claudio, apontando para a filha que batia palmas e ria com a boca desdentada. – Você não.

A mulher ficou em silêncio. Não demorou muito Claudio se fechou no escritório, deixando Renata tentando se ocupar com os afazeres da casa. Mas a visão daquele balanço se movendo não saía da sua cabeça. Aproveitando que Claudio estava totalmente imerso no seu trabalho, ela deixou o bebê no tapete macio da sala e foi até o jardim.

A manhã estava fria e Renata apertou o casaco ao redor do corpo. O balanço rosa estava lá, imóvel, como se a aguardasse. Com passos incertos, ela se aproximou do brinquedo, hesitante. Um aroma a envolveu. Era o perfume de morango que Carol usava.


... continua ...

quarta-feira, 12 de março de 2014