segunda-feira, 29 de dezembro de 2014

UM CADÁVER NO MEU JARDIM (Cap. 5)

Cris chegou a se sentir tonto. Apagou a luz quase no mesmo instante que a acendeu e fechou a porta que separava a cozinha da sala com um estrondo. Pegando Poncho pela coleira, o garoto arrastou o cachorro até o jardim. Por nenhum momento o cão soltou o pé de Tereza que exalava um fedor pavoroso.

− Solta este troço, Poncho! – murmurou Cris sacudindo o bicho para que ele largasse o pé.

Mas não teve jeito. Poncho parecia estar gostando muito do pé de Tereza e mantinha os dentes cravados ali. A cova havia sido escavada pelo cão e Cris, apesar do escuro, pôde ver o cobertor cor-de-rosa de Amanda por entre a terra.

− Solta, Poncho! Puta que pariu, cachorro, solta esta merda!

Como o cão não havia jeito de largar o pé de Tereza, Cris pegou um balde, encheu de água e jogou sobre ele. O bicho latiu, incomodado, e o soltou. Mais que imediatamente, Cris chutou o pé para dentro da cova, empurrou com um cabo de vassoura bem para o fundo e pulou histérico sobre a terra até que esta ficasse lisa. Com a calça embarrada e um cão molhado sacudindo-se todo ao seu lado, Cris era a imagem do desamparo. Para não correr o risco de Poncho desenterrar o corpo inteiro, o garoto se viu obrigado a amarrá-lo junto à casinha. E que lá ficasse de castigo a noite toda.

Amanda observou a cena do seu quarto, no terceiro piso da casa. Um cachorro esfomeado, um irmão transtornado, um pé humano enfiado dentro de uma cova rasa, a empregada desaparecida.

Sua família era demais.

*

Cris passou reto pela sala, ignorando pais e irmão. Não passou despercebido a sujeira das calças do jovem e sua pressa em alcançar o andar de cima. Carlos murmurou:

− Acho que ele se desentendeu com o Poncho.

André sentiu o coração acelerar. Pressentindo que algo havia acontecido – e grave −, ele disfarçou e disse:

− Bem, se vocês me dão licença, estou achando este filme uma merda e vou dormir. Boa noite.
− Mas você não acabou de dizer que o filme era excelente? – perguntou Marília sem entender nada.

Aquela altura André já estava na metade das escadas, quase no encalço do irmão. Ela olhou para o marido e comentou:

− Estes dois garotos estão muito estranhos. Você não acha?

− E alguém é normal nesta família?

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