quarta-feira, 13 de abril de 2016

O DESCONHECIDO - Conto erótico/Última parte






Kendra empalideceu e manteve apenas a cabeça fora d’água. O que ele pretendia? Por que a encarava daquela maneira tão insistente? Kendra se sentiu envergonhada, afinal estava nua frente a um total desconhecido. Se Eimé soubesse, bateria nela. Mas a mãe jamais saberia que aquela cena estava se desenrolando. Aquele homem em breve iria embora. Talvez quisesse apenas matar alguma curiosidade. Então, sem nunca tirar os olhos dela, ele também começou a tirar a roupa, sem pressa.

O coração da garota acelerou. Kendra pensou em recuar, nadar para mais longe ou gritar. Aquilo, no entanto, de nada adiantaria. Ela se encontrava sozinha ali, longe da proteção da mãe e à mercê de um homem que nunca vira antes. Antes, na hospedaria, havia imaginado o quanto seria delicioso estar em seus braços. Agora já não tinha tanta certeza assim.

De repente ele estava nu. Kendra engoliu em seco. Já havia visto um homem sem roupa, mais de um até. Certa vez deitara com um hóspede bem mais velho em troca de algumas moedas. Contudo, aquele homem era diferente. O membro se destacava entre as pernas fortes. Kendra sentiu um arrepio. Podia tentar fugir. Na verdade, mesmo com todos os riscos, seu desejo era ficar.

Ele entrou na água e Kendra recuou alguns passos. A respiração estava cada vez mais ofegante, não exatamente por medo. Quando o homem estava a poucos passos de Kendra, ela ficou em pé, cobrindo os seios. Perguntou, desafiadora:

— O que você quer? Saia daqui!

Ele avançou rapidamente e em um gesto somente, pegou-a pelos cabelos, imobilizando-a. Kendra tentou gritar, mas sua foi boca foi devorada pela dele. A jovem nunca havia sido beijada daquele jeito e tentou se debater. As mãos do homem a agarraram fortemente pelos quadris, machucando-a.

Kendra já estava sem ar quando a língua dele desceu rápida para a pele alva do seu pescoço, mordiscando cada pedacinho dele. Ela tentou afastá-lo, com medo de toda aquela impetuosidade. O membro duro e grosso a cutucava forte no meio das suas pernas toda vez que ele a puxava contra si.

Do pescoço, a boca do homem foi para os seios fartos de Kendra. Ela gemeu alto ao sentir os dentes dele morderem e sugarem os biquinhos. Kendra segurou fortemente a cabeça dele, ao mesmo tempo em que um dos dedos do homem vasculhava o traseiro dela.

Assustada, ela tentou recuar. O que era aquilo? A sua experiência com homens era pouca, nunca havia visto nada igual. Ainda assim aquilo era bom. Porém, quando o dedo dele entrou fundo no seu corpo, as pernas lhe faltaram. Ela foi mantida firme pela cintura antes que afundasse, ainda com os seios cobertos pela boca do desconhecido.

Kendra gemeu a cada metida do dedo dele no seu traseiro. Aquilo doía ao mesmo tempo em que uma onda de prazer começou a tomar forma. Kendra cravou as unhas nas costas do homem quando sentiu o gozo explodir de uma maneira que nunca tinha experimentado na vida.

Ainda não tinha acabado. Com o membro, ele forçou as pernas de Kendra a abrirem. Ela quase pediu para ele parar. Não seria capaz de aguentar aquilo tudo.

A entrada não foi tão suave assim, nada comparado com suas experiências pífias. Ele foi lhe rasgando sem dó, em um movimento de vai e vem contínuo que fez Kendra gritar. O homem a segurava fortemente pelos quadris a cada metida violenta, impedindo que ela se soltasse.

Depois de algum tempo ele gozou, praticamente urrando no ouvido dela. A jovem sentiu um jorro quente dentro do corpo e as pernas mais fracas ainda. Apoiada no peito dele, de olhos fechados, Kendra desejou que ele a levasse embora dali. Imóveis, colados um ao outro, o homem levou alguns minutos para se recuperar. Não demorou muito, no entanto, ele se endireitou. Kendra se surpreendeu quando o desconhecido se afastou um pouco dela e a encarou com aqueles olhos negros e gelados. Ainda assim, ela ofereceu os lábios para um beijo. Ele recusou.

Kendra não entendeu aquela atitude e não teve coragem de perguntar. Não sabia bem o que fazer ou o que falar até ele esticar a mão e segurar os dedos trêmulos dela. Lentamente, os dois atravessaram a lagoa, o sol queimando os seus corpos nus. Kendra ficou mais feliz. Ele podia tê-la abandonado no meio da lagoa, como uma mulher qualquer. Deixou-se levar até a beira, ansiosa pelo que ainda estava por vir.

Porém, por aquela Kendra não esperava. Mal pôs os pés na terra firme e foi jogada violentamente no chão. Ela caiu sentada, com as pernas abertas. Constrangida, tentou cobrir o corpo com as mãos. Kendra se perguntou se não era hora de fugir enquanto olhava apavorada para ele. Quando fez menção de levantar, o desconhecido foi mais rápido, jogando-se sobre Kendra. De repente ela mal podia respirar, com o corpo pesado e quente cobrindo-a toda. Não que a sensação fosse ruim. Mas... o que esperar de um homem como aquele?

Subitamente, Kendra foi posta de barriga para baixo sem delicadeza nenhuma. Ela soltou um gemido abafado e fez menção de fugir. Contudo, presa debaixo dele era impossível. Para surpresa dela, suas pernas foram abertas bruscamente e Kendra temeu o que viria em seguida.

Ela soltou um grito de dor, medo e prazer quando o membro do homem invadiu seu traseiro em uma arremetida só. Uma das mãos tapou-lhe a boca para que os gritos não fossem ouvidos. Kendra não imaginava que tal coisa existisse. Não podia ser normal. Além do mais, aquilo era bizarro! Mesmo sem querer, ela não conseguia se controlar. Kendra empinou o traseiro para tê-lo inteiro dentro de si. Queria que ele parasse. Não, ele podia continuar pelo tempo que quisesse. Ela gozou mais uma vez com o rosto colado à grama ao mesmo tempo se perguntando quando iria viver aquilo outra vez.

De repente ele parou e desabou ao seu lado. Kendra permaneceu atirada no chão, imóvel e dolorida. Teria que retornar à hospedaria e disfarçar os hematomas que em breve apareceriam pelo corpo. O homem, enfim, levantou. Foi até a água, lavou-se e refrescou-se, sob os olhares atentos de Kendra. Em seguida começou a se vestir, sem pressa. O sol a ofuscava quando ele a encarou pela última vez.

— Qual o seu nome? ─ perguntou ela, curiosa.

Silêncio. Ele sorriu levemente. Calçou os sapatos e remexeu em um dos bolsos do casaco. Algumas moedas, mais do que Kendra já vira durante um mês de trabalho, brilharam na grama ao seu lado. O homem deu meia volta e foi embora.

Kendra segurou uma pequena vontade de chorar enquanto juntava as moedas e as apertava fortemente entre os dedos. Em pé, sentindo algum desconforto, vestiu a roupa e calçou as sandálias. Guardou o dinheiro com cuidado para que a mãe não visse e fizesse perguntas indiscretas. Voltou para casa devagar tentando pensar em alguma desculpa para dar à Eimé pela demora. A esta altura o desconhecido já havia montado no seu cavalo e partido para o seu destino. Em pouco tempo o homem já não lembraria mais dela.

E Kendra jamais saberia seu nome.



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terça-feira, 12 de abril de 2016

O DESCONHECIDO - Conto erótico/Parte 1




A hospedaria ficava em uma curva na beira da estrada. Um jardim bem cuidado na frente tornava o lugar aconchegante. Do lado de fora era possível sentir o aroma delicioso da carne feita nas grandes panelas da cozinha da hospedaria. Eimé, a dona do local, dava conta das deliciosas comidas preparadas junto com a cozinheira, Maria, que a acompanhava há muito tempo. Kendra, a filha de 19 anos, ajudava a servir os visitantes e hóspedes.

O trabalho de Kendra, assim como das duas outras mulheres, era pesado. Acordavam-se antes de o sol raiar e imediatamente começavam os preparativos para o desjejum e, em seguida, para o almoço. Entre um intervalo e outro, Kendra limpava a hospedaria e os seis quartos que a compunham. Assim era o dia todo, as horas passavam rápidas demais. Quando Kendra repousava a cabeça no travesseiro antes das oito horas da noite, seu corpo já estava cansado demais para pensar em qualquer coisa. Ela só queria dormir.

Aquele dia quente de sol não foi diferente. Kendra levantou ainda de madrugada, como de costume, pôs seu vestido simples de trabalho e prendeu os cabelos loiros e cacheados debaixo de um lenço florido. Os olhos azuis brilhavam intensamente quando desceu as escadas e logo começou a trabalhar.

Na cozinha as panelas fumegavam, enquanto o aroma delicioso da comida dava água na boca dos visitantes que lentamente começaram a chegar para o almoço. Kendra se movimentava de um lado para o outro para dar conta de tudo e logo um fiozinho de suor começou a escorrer pelas costas. Em meio às atividades frenéticas lembrou que poderia ir à lagoa mais tarde, se sobrasse um tempo. Depois que limpasse a cozinha não faria mal nenhum se desse uma escapulida, desde que Eimé não visse. A mãe sempre tirava um cochilo depois que os afazeres do almoço terminavam.

Kendra servia uma travessa de carne e especiarias a um visitante, alheia ao burburinho de vozes masculinas a sua volta. Sabia ser o alvo de muitos olhares, mas nenhum daqueles homens a interessava. Pesados, barbudos e fedidos, isto o que eles eram. Já tinha 19 anos e nenhuma perspectiva de encontrar um amor. Não por aquelas bandas, pelo menos.

O ruído de vozes subitamente cessou. A princípio, Kendra não se deu conta. Continuou servindo a comida como se nada estivesse acontecendo. Sem querer, seus olhos se voltaram para Eimé. A mãe segurava um pano de prato, olhando fixamente em direção à porta. Ela estava diferente, parecia surpresa com alguém que recém chegara. Curiosa, Kendra resolveu fazer o mesmo e conferir quem era.

Um homem alto, pele morena e cabelos escuros estava parado à porta, perscrutando o salão procurando um lugar para se acomodar, juntamente com seu cocheiro. Eimé, recuperando-se do seu torpor, adiantou-se para receber o ilustre freguês.

O coração de Kendra acelerou, a ponto de ela fazer transbordar vinho da taça de um hóspede, precisando secar tudo em seguida, embaraçada. Com o canto dos olhos, percebeu o belo homem já acomodado em uma mesa mais ao canto. Eimé se aproximou da filha e a puxou para a cozinha. A mãe estava visivelmente encantada.

— Temos um hóspede célebre hoje. Sirva o conde direitinho e se mantenha calada.

Eimé colocou uma travessa de carne nas mãos da filha.

— Leve de uma vez. Ele e o cocheiro estão com fome.

Kendra pegou o recipiente quente e se dirigiu até a mesa. Os olhos do conde se cruzaram com os dela e Kendra se sentiu envergonhada. Pelo que se lembrava, era a primeira vez que um homem daquele porte aparecia na hospedaria, o que justificava o comportamento da mãe. E dela própria. Tensa, Kendra colocou a travessa sobre a mesa e relanceou os olhos rapidamente para o conde.

— Traga-nos vinho ─ disse ele encarando Kendra sem disfarçar um certo interesse.

A moça chegou a estremecer. A voz dele era forte. Forte e fria. O tom arrogante aumentou um pouco o calor que sentia percorrer seu corpo. Tímida, Kendra respondeu, quase sem olhar para o rosto dele:

— Sim, senhor.
— Agora.
— Sim, senhor.

Quase sem ar, Kendra deu meia volta e foi até a cozinha buscar a jarra de vinho. Eimé estava à frente das panelas e percebeu que a filha parecia um pouco estranha.

— Tudo bem no salão?

Kendra não encarou a mãe. Sabia a que ela se referia. Segurando a garrafa e os cálices, a jovem respondeu:

— Ele quer vinho.
— Leve de uma vez. Não deixe o conde esperando ─ ordenou Eimé rispidamente, secando o suor com um lenço.

Kendra retornou ao salão. O lugar estava cheio, havia vozes por todos os lados. Porém, ela não via mais ninguém. A beleza e virilidade do conde tomavam conta do ambiente. As pernas estavam trêmulas quando Kendra parou frente à mesa. Serviu os cálices tentando não tremer demais, ciente do quanto era observada por ele. De repente, sentiu um leve empurrão. Era Eimé. Sorridente e não parecendo sentir um pingo de vergonha ante aquela visita ilustre, ela disse para a filha, sem tirar os olhos do homem:

— Volte para a cozinha. Maria precisa de você lá.

Era a primeira vez que Eimé se dirigia a ela daquele jeito, pedante e seco. Sentindo-se magoada, Kendra foi até a cozinha. Maria cortava um pedaço de pão e as panelas cozinhavam carne.

— Mamãe disse que você precisa de ajuda.

Maria a olhou sem entender.

— Aqui está tudo sob controle, Kendra ─ ela olhou pelas frestas da janela. — Veja, chegou mais uma carruagem! Ajude a arrumar uma mesa para o próximo visitante.

Kendra voltou para o salão e ajudou a servir as demais pessoas. Eimé circulava pelo lugar com uma postura diferente, os ombros para trás e com os longos cabelos castanhos descendo pelas costas. Nunca Eimé tirava o lenço da cabeça, mas por causa do homem ela abrira uma exceção. Kendra se sentiu enciumada. Era nítido que ela queria chamar a atenção do homem bonito. Pelo visto, no entanto, as tentativas de Eimé resultavam frustradas. O conde não tirava os olhos de Kendra.
Cada vez mais o desejo tomava conta de Kendra. Se no início estava tímida, depois de um tempo já não se sentia tão envergonhada em sustentar os olhares calorosos que o conde lhe enderaçava. Em dado momento, chegou a esboçar um sorriso leve, para depois quase se arrepender. Nossa, não queria que o desconhecido a achasse uma oferecida. De qualquer forma, era muito bom sentir-se desejada. Ah, seria maravilhoso que ele passasse apenas uma noite que fosse na hospedaria!

A mão calejada de Eimé a segurou fortemente pelo cotovelo. Kendra deu um gemido baixinho ao mesmo tempo em que enfrentava os olhos furiosos da mãe.

— Venha comigo já.

Kendra não teve coragem de olhar para os lados, mas teve certeza que muita gente viu sua vergonha ao ser conduzida como uma criança para a cozinha. Lá dentro, Eimé, furiosa, quase bateu na filha única com um pano de prato sujo.

— Não saia desta cozinha, entendeu? Pensa que não vi seu olho comprido para cima do conde? Não se comporte como uma rameira.

A moça não disse nada. Era lógico que Eimé estava morrendo de ciúmes. E era óbvio também que o conde não teria interesse nenhum pela mãe, jovem, porém com o corpo disforme. Inconformada, Kendra se sentou em um banco da cozinha. Maria foi levada ao salão para ajudar a servir os visitantes.

O calor na cozinha era insuportável e a raiva de Kendra também. Sem se importar com o trabalho ou com o castigo que levaria da mãe mais tarde, a jovem abandonou a cozinha e suas panelas, fugindo pela parte de trás da hospedaria. Caminhou lentamente até a lagoa, aproveitando os odores do bosque e o ar puro. Precisava de um mergulho para afastar o calor que a consumia. Sabia que quando voltasse, o conde estaria longe. Mas seria melhor assim. Nunca mais o veria mesmo.

Kendra tirou o vestido lentamente e agachou-se à beira da lagoa para sentir a temperatura da água. Estava perfeita. Animada, Kendra entrou com cuidado e mergulhou em seguida, adorando aquele momento. Precisava de um descanso. Fazia alguns dias que não tinha tempo para si mesma.

Ela perdeu a conta do tempo em que ficou por ali, esquecida dos seus afazeres. Talvez sua mãe não precisasse tanto dela, já que a despachara da hospedaria daquela forma tão rude. Kendra decidiu permanecer mais um pouco na lagoa, imaginando se o homem bonito já teria partido. Esperava, com todas as suas forças, que ele voltasse um dia.


Um ruído de passos sobre alguns galhos partidos afastaram Kendra dos seus devaneios. Ela se assustou. Não estava sozinha! Nervosa, chegou a afundar, engolindo água. Quando voltou desajeitada à superfície, deparou-se com o homem a observando da beira da lagoa.


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domingo, 10 de abril de 2016

A NOIVA MORTA - Final


Uma forte tempestade começou a se armar, mas a ameaça das nuvens grossas não abalaram a vontade de Getúlio em ir ao encontro de Mariana. Estonteado e com a visão um pouco turva, ele reuniu suas forças para caminhar até o cemitério. Não havia ninguém na rua. Todos estavam recolhidos em suas casas esperando a chuva cair. Um pouco antes de chegar à praça, a tempestade desabou com força. O homem tremeu. Estava com pouca roupa e ela quase não lhe esquentava contra o frio. Ainda faltava um bom pedaço para chegar ao seu destino e uma dúvida se instalou na sua mente. Teria condições de vencer o trajeto, bêbado e entorpecido pelo frio?

Mesmo assim ele foi em frente. Olhou para os lados procurando Mariana. Talvez ela estivesse por ali. Não foi naquele lugar que Josué a vira pela primeira vez ?Mas não havia nenhum sinal dela. As costas começaram a doer e Getúlio espirrou. Tinha os pulmões fracos. Não podia se dar ao luxo em se expor daquela forma ao frio. Um trovão forte o assustou e Getúlio, na sua bebedeira, quase perdeu o equilíbrio. Um vulto branco surgiu do outro lado da praça.

— Mariana… ─ gemeu ele, emocionado.

Getúlio deu mais dois passos e caiu de joelhos no piso molhado. Além das costas, o peito começou a doer também. Sentindo-se doente, ele se arrastou até o gramado da praça onde permaneceu deitado, respirando com dificuldade. As pernas amoleceram e ele finalmente se deu conta que não teria condições nenhuma de ir até o cemitério encontrar Mariana, ou seja lá onde ela estivesse. Talvez estivesse ele próprio morrendo.

Resignado, Getúlio permaneceu de olhos fechados. Nunca imaginou que iria morrer daquele jeito, abandonado na chuva, em plena praça da cidade. No dia seguinte, quando o sol nascesse e a cidade acordasse, alguém encontraria seu corpo duro e frio. As pessoas lamentariam sua má sorte e a vida sem alegrias, seguindo suas vidas. As lágrimas de Getúlio misturaram-se com a da chuva.

Um movimento ao seu lado fez com que ele abrisse os olhos, devagar. Logo depois sentiu uma mão quente encostar em sua testa. Um doce perfume o envolveu. Ele sabia de quem era.

— Mariana, meu amor... Você voltou.
— Fique quietinho ─ retrucou uma voz sussurrada. — Vou tirar você daqui.

Getúlio, apesar de todo o seu intenso mal-estar, sentiu uma alegria infinita. Mariana, a mulher da sua vida, viera do mundo dos espíritos para lhe salvar. Ou levá-lo junto com ela. A partir dali ele não viu mais nada. Relaxou tão profundamente que o cansaço, as emoções e um sono pesado o levaram para um mundo sem sonhos, onde ninguém poderia lhe alcançar.

*

Getúlio acordou em um lugar que parecia ser um hospital. Ao seu lado, havia mais duas camas ocupadas por pessoas que dormiam profundamente. Do lado esquerdo, uma porta e ao longe ele podia escutar murmúrio de vozes. Por alguns instantes, Getúlio se perguntou se havia morrido. Será? Então por que Mariana não viera ainda lhe amparar? Porém, quando tossiu e sentiu o peito doer se deu conta que, infelizmente, estava vivo. E bem vivo. Pelo menos todos os desconfortos físicos que sentira naquela noite terrível em que tentara ir atrás da noiva haviam desaparecido quase pela metade. Mas como fora parar lá?

Aos poucos sua memória foi lhe trazendo algumas lembranças. Estremeceu ao relembrar a sensação do corpo molhado pela forte chuva e a dor que lhe varava o corpo. Lembrou também que alguém surgira do nada e certamente havia sido esta pessoa que lhe ajudara. Era Mariana, ele tinha certeza. Então ela não morrera? Ou ele próprio estava morto? Sua cabeça doeu com tanta confusão.

Um toque no seu braço fez com que Getúlio abrisse os olhos de repente. Havia cochilado e não se dera conta. Ao seu lado, uma mulher vestida de branco o encarava firmemente.

— Bom dia, Getúlio. Finalmente você acordou.

Ele piscou algumas vezes. Nunca tinha visto aquela pessoa na sua vida.

— Onde estou? Quem é você?
— Sou a enfermeira-chefe do hospital Santa Fátima. Encontrei você delirando na praça debaixo daquela tempestade horrorosa.

Então não tinha sido Mariana? Porém, Getúlio não ficou triste em descobrir aquilo.

— Há quanto tempo estou aqui?
— Há três dias. Meu nome é Soraia. Trabalho aqui há dois meses.

Um pouco embaraçado, Getúlio respondeu:

— Deve ser por isto que não havíamos nos conhecido ainda.

Ela sorriu levemente.

— Como você se sente?
— Meu peito dói um pouco ─ queixou-se ele.  — Mas estou bem melhor que… quando você me encontrou ─ Getúlio fez uma pausa. — Muito obrigado por me salvar.

Soraia sorriu levemente.

— Você me deu um susto e tanto. A chuva me pegou logo que saí do mercadinho. Confesso que quando lhe vi deitado no chão, acreditei que estivesse morto. Sorte sua que cheguei a tempo de providenciar socorro.

Getúlio se sentiu envergonhado. Imaginou a trabalheira que havia dado naquela noite inóspita por  causa da sua loucura e bebedeira.

— Devo meus agradecimentos e minhas desculpas também ─ murmurou ele, em voz baixa.
— Nem pense nisto ─ Soraia tinha um sorriso muito bonito. Suas feições eram suaves. — O importante é que você está bem agora. Receio lhe dizer, no entanto, que você terá que ficar mais alguns dias conosco no hospital. Você não está suficientemente forte para se cuidar sozinho.

Aquilo não pareceu tão ruim para ele. Soraia perguntou:

— Fiquei sabendo que você mora sozinho na cidade e seus parentes vivem longe. Gostaria de avisar alguém?
— Não, por favor ─ retrucou Getúlio. Seus pais já eram velhinhos e sofrido muito com as desventuras da vida do filho mais velho. Era melhor poupá-los. — Vou ficar bem, com certeza.
— Está bem, você quem sabe. Vou pedir para lhe trazerem uma sopa bem quentinha. Só comidas leves por enquanto, está bem?

Ao dizer isto, Soraia saiu do quarto. A sopa veio em seguida e Getúlio a saboreou lentamente. Não conseguiu mais tirar Soraia da cabeça.

*

Soraia costumava passar uma ou duas vezes por dia para ver como estava Getúlio. Ela mesma media sua pressão, auscultava o coração, verificava se tinha febre. Sempre lhe deixava uma palavra doce ou de esperança para ele, enchendo um pouco mais de alegria o coração solitário de Getúlio. Aquela rotina durou uma semana. Certo dia, em uma manhã, o médico que tratava dele apareceu no quarto e lhe deu alta. Getúlio ficou surpreso. Alta? Claro, era maravilhoso estar curado e sair do hospital. Só não esperava que fosse tão de repente. Enquanto se arrumava, Getúlio esperou a visita de Soraia. Um pouco antes de ir embora, não se conteve e perguntou por ela na recepção. Foi informado que ela tivera que fazer uma viagem inesperada e voltaria em dois dias.

Sentindo-se desamparado, Getúlio voltou para casa, acompanhado do ex-sogro, pai de Mariana. Quando chegou em casa, a mãe de Mariana havia deixado tudo arrumadinho para que Getúlio, ainda um pouco fraco, não tivesse que fazer força para nada. O casal foi embora, prometendo voltar mais tarde para ver como estavam as coisas. Então o homem sentou no sofá, ligou a TV e não assistiu programa nenhum. Sentia falta de Soraia. Não sabia nada sobre ela, se era casada, tinha filhos ou onde morava. Ela lhe dera atenção e cuidado quando mais ele precisara. Salvara sua vida também. Gostaria de vê-la mais vezes, porém não sabia como lhe dizer isto. Soraia havia sido profissional aquele tempo todo, exercendo com esmero sua profissão. Tímido, Getúlio não queria se precipitar. Estava frágil fisicamente e emocionalmente para levar uma negativa. Não via a hora de voltar à farmácia e se envolver completamente com suas funções. Talvez assim conseguisse tirar Soraia da cabeça.

O dia passou lentamente para Getúlio. Almoçou sem muita vontade e se deitou para cochilar. Tentou ler um livro, mas pegou no sono antes. Acordou perto das quatro horas da tarde e foi regar o jardim. As pequenas atividades em casa aliviaram um pouco a tristeza que sentia no coração. À noite, um pouco antes de começar a jantar, o telefone tocou. Devia ser um dos amigos querendo saber como ele estava. Já havia recebido várias ligações naquele dia, abrandando um pouco a solidão. Em breve, quando estivesse menos cansado, poderia receber visitas. Quem sabe até fazer um churrasco para suas amizades.

— Alô?
— Boa noite, Getúlio!

A voz cristalina de Soraia amoleceu as pernas de Getúlio. Ele precisou puxar um banquinho para sentar.

— Ei, Getúlio? Você está aí? ─ perguntou Soraia, com a voz preocupada.
— Sim, estou ─ respondeu ele, disfarçando que estava ofegante. — Puxa, que surpresa.
— Não pude estar presente por ocasião da sua alta ─ explicou ela. — Precisei fazer uma viagem repentina. Como você está?
— Ah, bem. Quer dizer, quase bem. Um pouco cansado.
— Não se esforce e nem volte a trabalhar ainda. Você precisa de repouso. Está fazendo isto?

Getúlio ficou faceiro com aquela preocupação toda.

— Mais ou menos.
— Pois lhe recomendo que faça repouso. É importante para sua completa recuperação.
— Estou fazendo o possível ─ ele respirou fundo e disse — Soraia, mais uma vez obrigado por tudo.
— Não precisa agradecer. Fico feliz que está bem.
— Você… você volta quando?
— Depois de amanhã. Preciso resolver coisas que ficaram pendentes antes de eu me mudar para aí.
— Isto é bom. Eu… que tal combinarmos de jantar? Meu ex-sogro me disse que abriu um restaurante novo na cidade.
— Oh, eu adoraria. Ligo para você quando voltar.

Getúlio exultou com aquela possibilidade.

— A propósito... Como você descobriu o número do meu telefone?
— Ah, Getúlio... Quando eu quero uma coisa, eu luto até conseguir. Até a volta!

Soraia encerrou a ligação e Getúlio se pegou sorrindo. De repente o mundo lhe pareceu um lugar melhor de se viver.


sábado, 9 de abril de 2016

A NOIVA MORTA - 7ª parte




Getúlio chegou meio bêbado um pouco depois das onze horas da noite. Achou estranho não encontrar Josué, mas também não se importou. Tomou um banho e foi para a cama onde teve um sono pesado e, felizmente, sem nenhum pesadelo. O relógio despertou às 06h15min da manhã e o que sobrou da bebedeira do dia anterior foi uma dolorida enxaqueca. Sem tempo para pensar muita coisa, preparou um café preto bem forte como sua primeira refeição do dia. Enquanto bebia, lembrou-se de Josué. Não o ouviu chegar de madrugada. Lentamente, Getúlio se encaminhou até o quarto do primo e bateu suavemente na porta:

— Josué? Fiz um café bem preto como você gosta. Quer? ─Getúlio imaginou que o primo estivesse de ressaca também.

Somente o silêncio. Getúlio deu uma risadinha. A noite havia sido muito boa para Josué! Curioso, abriu a porta. A cama continuava arrumada, sem sinal nenhum que o outro tivesse retornado. Apesar de o primo ser um homem feito, Getúlio voltou para a cozinha preocupado. Ora, talvez ele tivesse preferido dormir na casa de alguma mulher como fizera outras vezes. A diferença é que Josué sempre procurava avisar, ao contrário desta vez. Getúlio se serviu de mais café e tentou se tranquilizar. Certamente estava tão feliz que nem atinara de ligar para dizer que chegaria bem mais tarde.

Depois de tomar três xícaras de café e se sentir um pouco mais disposto, Getúlio começou a se arrumar para enfrentar mais um dia na farmácia. Lembrou-se da moça na praça e a imagem de Mariana veio a sua mente. Getúlio sacudiu a cabeça freneticamente tentando afastá-la dos seus pensamentos. Aquilo o perturbava demais. Se realmente o espírito de Mariana estivesse vagando por aí, sinal que ela não encontrara a paz eterna. Getúlio pensou em ir à igreja ao meio dia acender algumas velas em intenção à falecida.

Batidas fortes na porta da frente o tiraram dos seus devaneios. Pensando ser Josué, Getúlio se apressou em abri-la. Ficou surpreso ao se deparar com Benedito, o dono do bar onde costumava beber com o primo.

— Ué, cara! Que pressa é esta?
— Corre para o cemitério, Getúlio! ─ o homem segurou o braço do amigo, puxando-o com força para fora de casa. — Seu primo Josué foi encontrado lá.

Getúlio levou um susto. Mal teve tempo de pegar a chave. Ainda meio descomposto, encaixou os pés no chinelo e foi acompanhado de Benedito até o cemitério. Durante o trajeto, tentou arrancar alguma informação do amigo, mas este parecia muito assustado. Cemitério! Getúlio já estava suando frio. Que ressaca forte a do primo! Tanto lugar para ir, tinha que ser justo naquele lugar maldito? Sombrio, Getúlio levantou a hipótese de que Josué havia parado lá por causa da moça de branco.

Trêmulo, Getúlio chegou ao cemitério pensando somente em levar o primo para casa e passar-lhe um bom sermão. Ao aproximar-se distinguiu o delegado de polícia, o médico da cidade e o zelador do cemitério em torno de um corpo no chão.

— Não sei como ele conseguiu entrar aqui, senhor Getúlio ─ tentou se explicar o zelador, inconformado. — Eu fecho os portões às seis horas da tarde!

As pernas de Getúlio se tornaram mais fracas ainda quando o delegado o encarou, parecendo constrangido. Josué estava deitado no piso duro, sem se mexer. Os homens abriram passagem para Getúlio chegar de vez ao lado do primo.

Nas mãos dele, a foto roubada de Mariana.

— Ele… ele está morto? ─ balbuciou Getúlio ao ver a expressão de dor estampada no rosto de Josué.
— Sim ─ confirmou o médico, segurando um lençol para cobrir o defunto. — Provavelmente teve um ataque do coração. Desconhecemos é o motivo de ele ter vindo aqui.

Mas Getúlio sabia. Antes que o corpo fosse coberto, abaixou-se e resgatou a foto da esposa. Feito isto, deu as costas e foi embora, caminhando pesadamente ao lado do Benedito. Mais uma tragédia na sua vida. A desgraça era ainda maior por Josué ter escolhido morrer justo ao lado do túmulo de Mariana. Getúlio não sabia se odiava ou não o primo por aquilo.

*

O enterro de Josué foi na cidade onde ele nasceu e Getúlio achou melhor não comparecer. Mesmo triste, sentia-se traído pelo primo. Josué, além de entrar no seu quarto sem permissão, roubara também a foto de Mariana. Não havia desculpas. Pior de tudo era ter morrido praticamente ao lado de onde o corpo da mulher estava enterrado. Bem, dizia Getúlio a si mesmo, pelo menos o corpo de Mariana ele sabia onde estava. Já o seu espírito vagava sem rumo. Ou talvez agora tivesse a companhia de Josué.

Ele não foi trabalhar por uns três dias, período em que ficou em casa se lamuriando e enchendo a cara. Quem o tirou daquele estado foi o pai de Mariana, dono da farmácia, preocupado com a sua situação.

Os dias então começaram a se arrastar para Getúlio. A ausência de Josué lhe trouxe novamente o luto para seu coração. Pensou, algumas vezes, em ir até a praça à noite tentar ver, ao menos de longe, a moça de branco. Contudo, tinha receio encontrar Josué junto a ela e aquilo não teria condições de suportar. Os amigos lhe chamavam para ir ao bar beber um pouco, mas Getúlio preferia fazer isto em casa. Esvaziava duas garradas de cerveja todas as noites para conseguir dormir. No dia seguinte se levantava de mau humor para ir trabalhar. Os clientes cochichavam entre si que Getúlio não era mais o mesmo de antes. Deixara de ser atencioso e gentil com as pessoas que lhe procuravam. Ele parecia não se importar nem um pouco com isto.

Noite de sexta-feira. Nuvens pesadas de frio tomaram conta da cidade e Getúlio resolveu fechar a farmácia mais cedo. Antes de ir para casa, passou no bar para levar mais cerveja, juntando-se as que já estocava em casa. Decidiu que passaria o final de semana bebendo para esquecer a porcaria que era sua vida. Abriu a primeira garrafa na rua mesmo e quando entrou em casa, já havia sorvido todo o seu conteúdo. Tomou um banho rápido, colocou o pijama e sentou no sofá. Olhou ao redor e sentiu uma solidão terrível. Talvez fosse sua sina viver sozinho o resto da vida. Perdera a primeira esposa durante um parto complicado e o filho se fora junto. Depois conheceu a adorável Mariana e a felicidade até que durou um bom tempo. Quando Mariana se foi, veio Josué com sua alegria para tirá-lo do buraco sem fim que encontrava. Todos partiram. Só restara ele, Getúlio, perdido na sua própria solidão, sem data para ter um fim.

Getúlio não se deu conta quando dormiu. Acordou de repente ao escutar uma voz sussurrada no seu ouvido:

— Meu amor...

Ele despertou totalmente, assustado. Olhou para os lados tentando saber de onde vinha aquela voz. A sala estava escura e ele não se lembrava de ter apagado as luzes. Um vulto na janela chamou sua atenção. Getúlio virou a cabeça naquela direção, temendo o que poderia enxergar.
Mariana o encarava do lado de fora com uma expressão de tristeza.

— Meu amor… ─ sussurrou ela, estendendo-lhe os dedos brancos. — Não me deixe tão sozinha...
Um pouco travado pelo álcool, Getúlio deu um salto do sofá e acabou se estatelando no chão. Outra vez olhou para a janela onde a cortina se agitava suavemente.

— Eu vou buscá-la, querida ─ gemeu ele. Mas a moça não estava mais ali. Desesperado, Getúlio gritou — Mariana! Mariana, volte!

Getúlio escancarou a porta de casa e se enroscou nos próprios pés. Rolou três degraus, machucando-se na queda. Mesmo assim, levantou o mais rápido que pôde e olhou para frente. Mariana, do outro lado da rua, olhava para ele com seus olhos tristes.

— Fique onde está ─ implorou Getúlio mais para si mesmo. A voz saiu entorpecida pela quantidade de álcool ingerida. — Já vou buscar você. Não, não vá, por favor ─ a imagem de Mariana se desvaneceu aos poucos até sumir completamente.

O homem ficou parado no mesmo lugar, respirando fundo para tentar se acalmar. O vento frio cortava-lhe a respiração e ele nem percebia. Quando tivesse a esposa novamente nos seus braços, todo o frio, tristeza e dor se acabariam em definitivo.


Ele esperou mais um pouco, esperando Mariana voltar, o que não ocorreu. Getúlio sugou todo o ar que podia, tentando criar coragem. Precisava ir até o cemitério. Era lá que encontraria o amor da sua vida.

quinta-feira, 7 de abril de 2016

A NOIVA MORTA - 6ª parte


Josué conseguiu conciliar o sono somente por volta das quatro horas da manhã. Quando levantou, às dez horas, Getúlio já tinha saído há um bom tempo. Com sono, ele vestiu a primeira roupa que viu pela frente, com a intenção de comer alguma coisa e voltar para a cama. Quando abriu a porta, levou um susto. Uma senhora, que ele nunca havia visto até então, varria o corredor da casa.

— Olá, bom dia! ─ cumprimentou ela, de bom humor. — Não nos conhecemos ainda. Sou a Vanda, faço a limpeza da casa do seu Getúlio uma vez a cada quinze dias.
— Ah… prazer, Vanda. Eu sou o…
—… Josué. Seu primo me disse. Acho que ele se esqueceu de avisar que eu viria hoje.
— Sim ─ o rapaz continuava embaraçado. — Mas tudo está bem. Não quero atrapalhar você.
— Fique à vontade ─ replicou ela, varrendo o chão com disposição.

Josué pegou um pedaço de pão e já estava voltando para dormir quando se deparou com a porta do quarto do primo aberta. O rapaz achou esquisito, pois Getúlio fazia questão de conservá-la sempre fechada. Naquela manhã, no entanto, Vanda precisara entrar lá para limpar. Curioso, Getúlio parou à porta. De imediato lhe chamou atenção um bonito baú de madeira encostado no canto do quarto.

— Seu Getúlio gosta de tudo limpinho ─ comentou a mulher em meio aos seus afazeres.
— Sim, ele é muito organizado ─ retrucou Josué sem tirar os olhos do baú.
— O primo do senhor gosta que a casa fique um brinco!

Josué não prestou atenção ao que a mulher dissera. Intrigado, ele apontou para o baú:

— O que tem dentro?

Vanda olhou na direção que Josué apontava e respondeu:

— É ali que seu Getúlio guarda as fotos da falecida.
— Da Mariana?
— Sim. É a relíquia dele. Um verdadeiro tesouro. Não deixa ninguém mexer ali. Nem eu! É o próprio seu Getúlio que limpa o baú.
— Que interessante...

Naquele momento alguém bateu no portão. Vanda colocou a vassoura de lado e anunciou:

— Deve ser o carteiro. O seu Getúlio está esperando uma encomenda.

A mulher passou rápida por Josué. Mal ela sumiu das suas vistas, Josué entrou no quarto e abriu o baú com o coração explodindo de curiosidade. Sabia que era uma besteira, mas... não custava dar uma olhadinha.

Um pedaço de cetim cor-de-rosa cobria as fotos. Cuidadosamente, mas com pressa, Josué afastou o tecido e pegou a primeira foto que lhe caiu nas mãos. Uma moça muito bonita fazia pose em meio às flores da praça da cidade, sorrindo abertamente para o fotógrafo. Josué sentiu o sangue sumir do rosto. Era ela! Mariana era a moça da praça! Atarantado, Josué enterrou a mão entre as tantas fotos que Getúlio guardava com carinho e pegou mais três. Em todas elas, Mariana sorria para a câmera, um sorriso doce, feliz e apaixonado. Bem diferente da alma angustiada que vagava agora pela cidade em busca sabe-se lá Deus o quê.

Josué escutou Vanda se despedindo no portão e prontamente fechou o baú. Dentro do bolso da calça escondeu uma das fotos de Mariana. Não acreditava que ela pudesse ter morrido. Talvez fosse algum engano, disse Josué para si mesmo indo para o quarto. O fato de ela tê-lo levado até os portões do cemitério poderia ter sido uma brincadeira de mau gosto. Pobre Getúlio. Mariana forjara sua própria morte para não casar com ele.

Josué foi para o quarto, mas não conseguiu mais dormir. Era impossível para ele desgrudar os olhos da foto que furtara. Mariana era linda! Por isto Getúlio estava tão apaixonado. Decidiu que naquela noite iria sozinho até a praça procurá-la. Sairia antes mesmo de Getúlio chegar para não dar motivo para ele acompanhá-lo. E se Mariana não estivesse na praça, então Josué iria até o cemitério.

A ansiedade tomou conta de Josué o dia inteiro. Vanda preparou um almoço gostoso, mas ele mal tocou, alegando mal-estar. Fechou-se no quarto com uma xícara de chá de hortelã, única coisa que conseguiu ingerir. Um pouco antes das oito horas da noite, já estava pronto e perfumado, pronto para ir atrás de Mariana. Minutos antes Getúlio ligara para avisar que ficaria um pouco mais na farmácia. Ótimo, pensou ele, entre animado e nervoso.

A noite não estava tão bonita quanto as anteriores. Nuvens pesadas no céu anunciavam chuva para breve. Josué franziu a testa. Uma tempestade não estava nos seus planos. Enquanto caminhava apressado até a praça, colocou a mão no bolso. A foto de Mariana continuava ali, como que para encorajá-lo. Com passos firmes, focado no seu objetivo, Josué logo chegou à praça. Devido ao tempo ruim, ela estava completamente deserta.

O homem suspirou, um pouco desanimado. Não, ele não ficaria parado ali, esperando que Mariana aparecesse. “Vou até o cemitério”, disse para si mesmo. Porém, não precisou dar dois passos. No outro extremo da praça, distinguiu uma mulher caminhando tão suavemente que parecia deslizar. Ela olhou atentamente para Josué, como se de repente percebesse sua presença. Por alguns instantes, os olhos da jovem e do rapaz se encontraram. Então, ela deu meia volta e desapareceu.

— Mariana! ─ gritou Josué, acenando para ela. — Por favor, me espere.

A voz dele se perdeu na solidão da praça, quase fazendo eco. Josué apressou os passos. Em seguida, pôs-se a correr. Não podia deixar Mariana escapar-lhe daquele jeito. Tinha absoluta certeza que a moça tinha algo a lhe dizer.

Menos de dez minutos depois, Josué chegou tenso e exaurido nas proximidades do cemitério. Com as pernas fracas, sentou no cordão da calçada para recuperar o fôlego. Sentia-se quase envergonhado de si mesmo. Era jovem demais para ficar tão cansado daquele jeito. Precisava parar de beber e comer porcaria. No dia seguinte começaria a fazer exercícios e…

Quando Josué olhou para frente, deparou-se com Mariana às portas do cemitério. Era ela, não precisava sequer confirmar com a foto que trazia no bolso das calças. O tecido leve do vestido esvoaçava ao seu redor, tal qual os cabelos. Era uma visão lindíssima e Josué sentiu o ar lhe faltar novamente tamanha sua emoção.

— Mariana...

Ele ficou em pé prontamente. Mariana o olhou e depois entrou no cemitério. Josué caminhou  até lá com as pernas ainda pesadas da corrida. Por que Mariana fazia tanta questão de conversa com ele dentro daquele lugar tão triste? Josué não conseguia entender. Mas aquilo não importava. O que mais desejava naquele momento era ficar frente a frente com ela e descobrir porque havia fugido de Getúlio e enganado a todos.

Os portões do cemitério estavam trancados com um cadeado enorme. Josué sacudiu as grades freneticamente.

— Como ela conseguiu entrar? ─ perguntou Josué a si mesmo.

Sem se dar por vencido, o rapaz reparou que os muros que cercavam o lugar não eram tão altos. Tomando uma pedra como apoio, o rapaz escalou o paredão com alguma dificuldade, suando muito e praticamente estragando toda sua produção. Ligeiramente tonto, Josué caiu do outro lado, estatelando-se no chão. Quando pôde ficar em pé, ainda agarrando-se no muro, vislumbrou Mariana a poucos passos. Ela lhe sorriu, sentada em um túmulo. Josué devolveu o sorriso, encantado. Meio que tropeçando nas pedras e raízes das árvores, ele se aproximou de onde Mariana estava. Sentia-se cansado, mas finalmente valera a pena. Chegara o momento que tanto esperara. Ficaria frente a frente com ela e saberia de todos seus segredos.

Josué sentou ao lado de Mariana, respirando fundo. Ao olhar para ela, levou um susto. A moça havia desaparecido. Atarantado, Josué a chamou em voz baixa:

— Mariana? Mariana! Onde você está?

Um vento forte soprou, balançando os galhos das árvores. Josué se encolheu dentro do casaco e, subitamente, sentiu medo. Estava sozinho dentro do cemitério, cujos portões estavam trancados. E se não conseguisse pular os muros? Estava tão fatigado... Não, Josué não queria passar a noite naquele lugar.

— Mariana, volte, por favor!

Somente naquele momento Josué se deu conta que estava sentado sobre um túmulo. Enojado, ele ficou em pé, tremendo. Uma foto na lápide lhe chamou atenção.

Josué não precisou chegar muito perto para ver quem estava sepultado ali. A foto de uma moça sorridente e bela lhe encarava fixamente. Uma dor forte no peito fez com que Josué caísse de joelhos sobre a terra.

— Mariana! Não, não...

Josué desabou no chão, com o peito parecendo pegar fogo. Um dos seus últimos atos foi pegar a foto de Mariana que ainda estava no seu bolso. Encarou-a longamente, sentindo uma dor terrível cortar sua respiração. Josué se retorceu, mal acreditando que aquilo estava lhe acontecendo. Alguém tinha que aparecer para lhe salvar.


Mariana surgiu ao seu lado, mais bela do que nunca. Agachou-se ao lado dele e estendeu-lhe a mão. Josué segurou-a com força, tentou falar alguma coisa, mas engasgou. Um raio riscou o céu no exato momento que Josué respirou pela última vez.