quinta-feira, 23 de fevereiro de 2017

O HOMEM DO JARDIM (Capítulo 5)




Dona Laura a olhou sem entender o motivo do susto e, lentamente, pegou a foto de volta. Comentou, tentando fazer graça:
— Sempre achei Gregório um homem bonito.
O homem da foto, com seus cabelos negros e olhar forte, era igual ao homem com quem Francesca sonhara e, por sua vez, lembrava a aparição do jardim. Envergonhada, tentou se explicar:
— Oh, me desculpe, Dona Laura. Eu…
— Não se preocupe, minha jovem. Só achei estranho o seu susto.
Francesca pegou um copo de suco de laranja e o tomou quase de um gole só.
— Preciso contar uma coisa para senhora.
— Nossa, você está muito séria. O que está havendo?
— Esta noite eu tive um sonho – Francesca tomou mais um gole, fez uma pausa, respirou fundo e prosseguiu. — Com o homem da foto.
Dona Laura colocou as mãos na boca, surpresa.
—Gregório?
A jovem ficou mais envergonhada ainda devido o teor do sonho
— Tenho, sim – Francesca pegou a foto outra vez para analisar melhor. — Era ele, Dona Laura. Eu juro, nunca vi nenhuma foto deste homem na minha vida!
— Ah, ele não gostava de tirar fotos e naquela época não era muito comum – Dona Laura suspirou. — E aí? Ele disse alguma coisa?
— Como?
— O que ele disse para você no sonho?
“Gregório tentou me beijar”.
— Nada. Só lembro de estarmos em um jardim. Só isto.
Francesca rezou para não ficar vermelha.
— Querida! Ele está tentando se comunicar!
— Ai, meu Deus! E agora? – Francesca sentiu as mãos tremerem.
Dona Laura se aproximou dela como se fosse contar um segredo:
— Escute o que ele tem a dizer. Deve ser importante.
Sofia trouxe uma cestinha com pães e Dona Laura se viu distraída enquanto a mente de Francesca fervilhava. Então estava vendo pessoas mortas? O homem do jardim estava… morto? Oh, isto era terrível!
— Francesca, você está bem?
— Sim – ela pegou um pedaço de pão e mastigou, nervosa. — Dona Laura, será que seu marido está morto?
Uma sombra passou ante os olhos dela.
— Talvez sim. Bem, se ele estivesse vivo todos estes anos já teria vindo me procurar.
— Mas por que ele procurou por mim?
— Não sei, minha filha. Vai ver que é por isto que você veio parar aqui, em um lugar tão longe da sua casa.
Francesca estava impressionada com aqueles acontecimentos. Enquanto saboreava o desjejum, olhava de soslaio para o jardim procurando por ele, Gregório. Bem, pelo menos agora o homem tinha um nome. Percebendo seu desassossego, Dona Laura comentou:
— Vejo que você ficou nervosa, Francesca.
— Tenho outra coisa para revelar... Eu também já vi seu esposo no jardim.
                                                                                *
Francesca estava no banho quando Magda chegou da prefeitura, à noite. Antes que subisse as escadas apressadas como sempre, Dona Laura a chamou:
— Magda, posso falar com você um instante?
A mulher tentou disfarçar o quanto aquela interrupção lhe aborrecia. Tinha centenas de coisas para fazer!
— Claro, mamãe – ela consultou o relógio caro que trazia no pulso. — Tenho uns dez minutinhos.
Magda reparou que a mãe estava animada.
— Sabe com quem Francesca sonhou hoje?
Ela não tinha o menor interesse em saber.
— Não faço a menor ideia.
— Com seu pai.
Magda empalideceu e resolveu sentar no confortável sofá.
— O quê?
— Hoje pela manhã mostrei a foto do Gregório para ela. Francesca tomou um susto enorme! E me contou que tinha sonhado com ele. Incrível, não?
— Você tem certeza que…
— Claro! – Dona Laura se empolgou ainda mais.
— Mãe, Francesca certamente viu alguma foto do papai em algum lugar desta casa e ficou com a imagem no subconsciente. Você não para de falar nele. Ela só poderia ter sonhado!
— Onde tem foto do seu pai nesta casa? São poucas e eu guardo dentro de um baú. Com certeza Francesca nunca viu nenhum retrato dele – Dona Laura fez uma pausa. — Acho que ele está tentando se comunicar.
— Isto não existe, mãe!
— Como você sabe? Talvez Gregório queira me dizer onde esteve este tempo todo!
Magda se levantou, claramente exasperada com aquele assunto.
— Você sabe o quanto sou cética com estas coisas. Francesca deve estar brincando com você. Aliás, esta é uma brincadeira muito sem graça.
— Não sabia que este assunto lhe deixaria tão nervosa.
— Tenho mil coisas para me preocupar! De repente você vem falar de gente morta há um tempão! Isto me tira do sério!
— Mas é do seu pai que estamos falando!
— Ele morreu, mãe! – Magda fez um gesto como se aquele assunto devesse ser encerrado para sempre. — Vamos deixá-lo onde está.
Sem ação, Dona Laura observou Magda desaparecer escada acima. Não fazia ideia que aquele assunto a irritaria tanto.
*
Dona Laura estava dormindo a sono solto. Francesca, no quarto ao lado, já se preparava para fazer o mesmo quando escutou uma batida leve na porta. A princípio, pensou que fosse impressão sua. Mas quando os toques ficaram mais fortes, Francesca sentiu os pelinhos do braço se arrepiar. Ela levou um tempo até sair da cama; precisava firmar as pernas. O silêncio predominava e mal se ouviam seus passos sobre o tapete peludo. Tudo o que escutava naquele momento era o coração ricocheteando dentro do peito. Aproximou-se da porta, tensa, e os dedos tocaram a maçaneta fria. Provavelmente não havia ninguém do outro lado e tudo era fruto da sua imaginação. Abriu a porta devagar. Era melhor acabar com tudo de uma vez para poder ir dormir logo.
Magda a encarava com a fisionomia séria e os cabelos presos para trás. Francesca chegou a recuar. Será que havia feito alguma coisa errada?


terça-feira, 21 de fevereiro de 2017

O HOMEM DO JARDIM (Capítulo 4)



O dia passou calmamente. Francesca se distraiu com Dona Laura em leituras, bordados e até um animado jogo de cartas. A tão esperada saída para os jardins teve que ser adiada depois que uma chuvarada caiu na cidade no final da tarde. Francesca não conseguiu disfarçar sua decepção, mesmo achando que encontrar novamente o homem misterioso seria difícil.

— Estas tempestades caem com frequência esta época – disse Dona Laura ao ver Francesca um pouco inquieta. Eram oito horas da noite e ambas aguardavam que Sofia trouxesse o jantar. — Geralmente o outro dia amanhece com um belo sol.
— A senhora deve estar sentindo falta do seu passeio no jardim, não é?
— Ora, um pouco. Antes de você chegar eu não tinha ninguém para me levar lá fora. Então estou acostumada a passar sem ele.
— Podemos tomar café no jardim amanhã. O que a senhora acha?

Dona Laura bateu palmas, animada.

— Acho uma excelente ideia! Já vou avisar Sofia para arrumar uma mesa amanhã logo cedo. Isto é, caso não esteja desabando um toró.

Sofia apareceu pouco depois trazendo os pratos do jantar. Mais tarde, enquanto saboreava uma taça de arroz de leite, Francesca comentou:

— Preciso me controlar para não perder a linha. Este doce está bom demais!
— Sofia é a nossa doceira. Ela tem uma mão maravilhosa para estes quitutes. É impressão minha ou parou de chover?
De tão absorta saboreando a sobremesa, Francesca não havia se dado conta que a chuva tinha parado. Ela colocou a taça sobre a mesa e foi até a janela.

— Sim, parou mesmo de chover, Dona Laura! – a moça olhou para o céu. A lua teimava em aparecer entre as nuvens pesadas. — Talvez nosso desjejum ao ar livre esteja garantido!
— Não vejo a hora! Você teve uma excelente ideia!

Dona Laura falou alguma coisa mais, contudo Francesca não estava prestando atenção. Ele estava lá, parado perto de um arbusto, quase sem se mexer. Não, não era uma pessoa. Espere, era alguém sim! Um vento mais forte soprou, balançando os galhos de uma árvore e Francesca chegou a dar um pulo para trás. Era ou não uma pessoa? De repente, os faróis do carro de Magda iluminaram o caminho e o jardim, obrigando Francesca a ajustar os olhos. Não havia ninguém, somente sua imaginação agindo.

— O que houve, Francesca? – perguntou Dona Laura, achando o silêncio da moça um tanto estranho.
— Nada. É que... acho que Dona Magda está chegando.

Será que… ela também teria visto alguma coisa?

Menos de cinco minutos depois Magda entrou na sala com aparência cansada e com os cabelos em desalinho. Deu um rápido beijo na mãe e cumprimentou Francesca com um aceno.

— Você não vai jantar, minha filha? Sua aparência não é das melhores – perguntou Dona Laura.
— Não preciso de comida, quero é um banho. Como se não bastasse todas as complicações desta cidade, eu peguei uma tempestade pelo caminho.

Francesca teve vontade de perguntar se ela não havia visto ninguém do lado de fora, mas não teve coragem para tanto.

— Vou pedir para Sofia levar um prato de sopa para você – retrucou Dona Laura, carinhosamente. — Você precisa se alimentar.
— Sim, sim, mãe – Magda já estava subindo as escadas, sem muita vontade de conversar. — Até amanhã!

Magda desapareceu escadas acima e os olhos de Dona Laura pousaram nos de Francesca.

— Ela é assim, sabe? Desde pequena parece que tem bicho carpinteiro espalhado pelo corpo.
— Dona Magda tem uma vida muito corrida.

A senhora fez um sinal como se fosse melhor deixar aquele assunto de lado.

— Problema é dela. Vamos subir? Talvez eu tenha tempo ainda de assistir a novela.
*
Francesca estava no jardim passeando sozinha. Era uma manhã de sol com nenhuma nuvem no céu. Tudo era silêncio. Ela escutou alguém vindo atrás de si, mas continuou caminhando. Sabia quem era. Não precisava apressar ou diminuir o passo.

Ela foi até uma árvore e ali ficou encostada. A pessoa que a seguia se aproximou e a envolveu por trás em um doce abraço. Francesca respirou fundo. O perfume das flores parecia emanar dos cabelos dele. Ela se virou e encarou os olhos do seu amante. Os cabelos escuros dele balançavam com a brisa suave.

— Eu sempre soube que encontraria você aqui...

O homem moreno aproximou seu rosto do dela e lhe segurou os cabelos vermelhos dela. Francesca ansiava por aquele beijo mais que tudo na sua vida. Os lábios estavam muito perto de se encontrarem quando um trovão ensurdecedor despertou Francesca.

De repente, a moça se viu sentada na cama, com os olhos arregalados, tentando saber onde estava. Depois de poucos segundos lembrou da sua nova morada e saltou da cama para ver como estava Dona Laura. A chuva batia forte na janela. Eram somente duas horas da manhã.

Dona Laura dormia quieta e serena. O som da tempestade e o trovão não haviam afetado seu sono. Aliviada, Francesca retornou para seu quarto e sentou na cama. O lindo sonho a deixara abalada.

Quem era aquele homem que a visitara no sonho? Ela tinha a impressão que era o mesmo que aparecia no jardim. As sensações que assaltavam seu corpo a deixaram tensa e excitada. Nem mesmo com o ex-noivo sentira algo parecido. Sem querer admitir, Francesca voltou para cama e deitou-se, encantada. Talvez aquela mansão possuísse algum tipo de feitiço. Fazia dois dias que tinha chegado e sua vida já havia dado uma reviravolta. O único problema é que a jovem não sabia mais discernir o que era real e o que era fantasia da sua cabeça.

*

Como Dona Laura havia dito, o sol brilhava no dia seguinte. A mesa já estava posta quando ambas desceram para o café da manhã. Quando sentaram, Francesca percebeu que havia algo escondido na mão da Dona Laura.

— Tenho uma coisa para mostrar a você.

Francesca olhou para a senhora, curiosa.

— O que é? Estou com brotoejas!

Dona Laura estendeu-lhe uma foto antiga.

— Veja. Adivinhe quem é.

Francesca segurou a foto e a olhou em seguida. E quase soltou um grito.


sábado, 18 de fevereiro de 2017

O HOMEM DO JARDIM (Capítulo 3)






O quarto de Francesca ficava ao lado do de Dona Laura. A decoração era praticamente igual. Móveis pesados e de bom gosto, mas tudo bem aconchegante. O jantar foi no quarto da velha senhora. Algumas vezes, como naquela noite, ela optara por ficar mais resguardada. Magda já havia ligado para avisar que teria um jantar político e chegaria mais tarde.

— Nossos horários não são muito compatíveis – comentou Dona Laura comendo uma sopa cremosa e cheirosa. Minha filha tem uma vida muito agitada. Eu até já me acostumei.
— Agora estou aqui para fazer companhia para a senhora.
— Estou muito contente com sua presença – sorriu Dona Laura. — Só espero que você não fique aborrecida em cuidar de uma velha.
— Estou gostando de tudo, Dona Laura. De verdade – assegurou Francesca, lembrando-se do homem bonito no jardim. Bonito e misterioso.

Depois de assistirem um programa na TV, Dona Laura decidiu se recolher. Francesca a acomodou na cama e foi para seu próprio quarto. A janela dava para o jardim imenso. Curiosa, ela se aproximou da janela, afastando a cortina pesada. Não dava para ver muita coisa. Lá fora era escuro e o silêncio reinava. Quem seria ele? Poderia ser um empregado ou alguém de fora que estava realizando serviços na casa. Francesca esperava, sinceramente, vê-lo outra vez. Por enquanto, precisava conter sua curiosidade. Não conhecia nenhum outro empregado ainda para poder indagar quem seria, sem parecer uma intrometida.

*

Dona Laura gostava de acordar cedo. Por volta das sete horas ambas já estavam em pé. A primeira refeição ela gostava de tomar na sala e, de braços dados com Francesca, Dona Laura caminhou devagar pelo corredor até o elevador da casa. 

— Temos uma cozinheira que faz uns bolos deliciosos para mim – piscou ela para Francesca. — É a responsável pelos meus quilinhos a mais.

As duas entraram no elevador e Dona Laura suspirou. Foi um suspiro longo e profundo que assustou a jovem.

— A senhora está se sentindo bem?
— Sim, estou bem – deu um tapinha no braço de Francesca. — Estava lembrando do sonho que tive hoje – fez uma pausa e completou. — Com o Gregório.
— Foi um sonho bom?
— Ah, foi. Dificilmente eu tenho sonho ruins com meu marido. Sonhei que ele havia retornado para casa, como sempre. Às vezes penso que ele está preparando a minha ida para o outro lado.
— Não se impressione muito com estes sonhos, Dona Laura.
— Não, eu não me impressiono muito. Mas eu gosto de sonhar com ele. Nestes sonhos eu estou sempre jovem!

O elevador parou e ambas se encaminharam para a sala, onde uma das empregadas já havia distribuído os quitutes. Francesca chegou a suspirar ao ver a variedade de pães e bolos.

— Tudo isto é para nós?
— Magda recebe algumas pessoas de manhã aqui, para o café. Mas tenho a impressão que sobra comida, sabe? Magda é um pouco perdulária.

Magda apareceu mais tarde e realmente disse que algumas pessoas iriam aparecer pouco depois. Quando chegaram, Dona Laura ficou distraída conversando com os amigos da filha e Francesca aproveitou para ajudar Sofia, uma das empregadas, a levar a louça usada para a cozinha. Além de querer se integrar mais com as outras pessoas, Francesca queria saber quem era o tal homem misterioso do jardim.

— Francesca, muito obrigada. Pode deixar as coisas sobre a pia. Eu já irei lavar.

Ela fez o que Sofia pediu, mas não voltou para a sala. Pelas risadas que escutava, sabia que Dona Laura estava se divertindo com alguns dos convidados da filha.

— São muitos empregados nesta casa? Estou impressionada com o tamanho.

Sofia começou a lavar a louça enquanto explicava.

— Sim, somos um número razoável. Jardineiros temos dois.  Na cozinha somos três e temos duas arrumadeiras. Com você somos oito empregados para dar conta de tudo. Já pensou se a família fosse grande? Estaríamos perdidos!
Francesca riu ao mesmo tempo em que pegava um pano de prato para secar a louça já limpa.

— Acho que ontem vi um dos jardineiros.
— Provavelmente. Eles ficam circulando pelos jardins o dia inteiro. Eles já são meio velhos, sabe? Mas fazem o serviço muito bem.

Velhos? Francesca ficou em silêncio. O homem que tinha visto no dia anterior parecia ser jovem.

— Bem, então não foi nenhum deles que vi. Esta pessoa parecia mais nova, tipo uns trinta anos.
Sofia a olhou sem entender.
— Ué, que estranho. Não temos empregados homens tão jovens assim.

Francesca engoliu em seco.

— Talvez fosse alguém de fora fazendo reparos na casa.
— Não, não veio ninguém diferente aqui ontem. Dona Magda tem muitos amigos e eles adoram passear pelo jardim. Mas ontem ela passou o dia inteiro fora.
— Mesmo? – Francesca não tinha o que dizer.
— Acho que você viu coisas – Sofia riu.
Rindo também, mas um pouco intrigada, Francesca disse:
— Devo estar ficando doida. É muita coisa nova para minha cabeça!
— Se é! Aproveite um dia que Dona Laura tirar uma soneca à tarde e faça uma expedição por aí. Vai ser bem interessante, acredite.


Minutos depois Francesca retornou à sala, tentando controlar seu nervosismo. E se o homem bonito fosse um invasor, um bandido? A casa era resguardada, além de possuir um bom sistema de segurança. Não era qualquer pessoa que podia entrar lá. Sentando ao lado de Dona Laura, ela tentou se acalmar. Mais cedo ou mais tarde o homem iria aparecer de novo. E se ela tivesse mais sorte, tentaria falar com ele.

sexta-feira, 17 de fevereiro de 2017

O HOMEM DO JARDIM (Capítulo 2)





Dona Laura era uma simpática velhinha de cabelos brancos. Quando Magda abriu a porta do quarto espaçoso, a senhora abriu um sorriso.

— Finalmente minha companhia chegou.

Francesca simpatizou imediatamente com Dona Laura. Magda fez as apresentações:

— Mamãe, esta é a…
— Já sei, a Francesca. Não precisa me apresentar. Gostei dos seus cabelos.

A moça riu e pegou um cacho dos seus cabelos vermelhos.

— Ah, muito obrigada. Mas eles dão um pouco de trabalho para cuidar.
— Venha até aqui – Dona Laura bateu com a mão no assento de uma cadeira. — Sente aqui ao meu lado e vamos nos conhecer melhor.

Francesca percebeu um alívio na voz de Magda quando esta disse:

— Bem, meninas. Vejo que está tudo em ordem por aqui. Francesca, ela é toda sua. Bom dia para vocês.

Magda deu um rápido beijo na mãe e saiu do quarto, apressada. Dona Laura, sentada em uma cadeira próxima à janela, comentou:

— Ela estava louca para ir embora.
— Impressão sua, Dona Laura – retrucou Francesca, polidamente, sentando próximo a ela.
— Nada disto. Conheço minha filha muito bem. Então, conte-me sobre você – pediu a senhora com os olhos brilhantes. — Quero saber quem você é.
— Ah, não tenho muito que contar, não. Deixe-me ver... Sou formada em enfermagem, tenho 24 anos e esta é a primeira vez que fico longe de casa. Rompi um noivado de dois anos há pouco tempo... Acho que é isto.
— Você é uma moça muito bonita. Não vai se entediar aqui?
— Não, não vou mesmo! Eu precisava de algo diferente na minha vida. Estou muito feliz por estar aqui. De verdade.
— Que ótimo – Dona Laura parecia satisfeita. A porta se abriu naquele momento e entrou uma empregada trazendo um bule de chá, biscoitos e duas xícaras. — Veja, é para nós. Adoro um chazinho.

Francesca serviu chá a ambas. Dona Laura disse:

— Esta é uma casa grande. Você vai se surpreender com o tamanho.
— Dona Magda me contou que a senhora gosta muito de passear pelos jardins.
— Gosto muito – disse Dona Laura, mordiscando um biscoitinho. — Magda tentou me convencer a vender a casa várias vezes.
— A senhora deve gostar muito de viver aqui.
— Ah, sim! Nasci e cresci aqui. Morei com meu marido nesta casa por quinze anos.

A jovem percebeu um tom de tristeza na voz de Dona Laura. Arriscou-se a perguntar:

— Ele morreu jovem?
— Morreu? Não sei se ele morreu, Francesca. Ele simplesmente sumiu.
— Sumiu? – Francesca quase queimou a língua com o chá, subitamente interessada naquela história. — Como assim?
— Era nosso aniversário de casamento. Ele havia ido tratar de negócios em uma fazenda vizinha. Eu preparei um jantar bem caprichado para quando ele retornasse. Só que ele nunca mais voltou.
— Mas ninguém sabe o que houve?

Dona Laura balançou os ombros em sinal de dúvida.

— Ele chegou a visitar a outra fazenda. Depois que saiu de lá ninguém mais soube o que aconteceu. Fizemos buscas por dois meses. Nem um fio de cabelo foi encontrado. Nos primeiros anos chegavam pistas de que o teriam visto em algum lugar, mas nada nunca foi confirmado – ela suspirou. — Às vezes tenho a impressão de que ele entrará por aquela porta, jovem e altivo. Não o imagino um homem velho, da minha idade. Minha filha tinha apenas 13 anos na época. Acho que é por isto que ela sempre quis ir embora daqui.

Francesca comentou:

— Deve ter sido bem difícil para a senhora...
— Ainda é. Várias vezes eu o vejo ao pé da minha cama. Deve ser por que está morto né? Ou é minha cabeça de velha.
— Não diga isto, Dona Laura. Espero que ele esteja em um bom lugar.

Dona Laura bebeu duas xícaras de chá e então convidou:

— Vamos dar uma voltinha no jardim?

*

Dona Laura e Francesca passeavam pelo jardim ao final da tarde. Um ventinho frio obrigou ambas a vestirem um casaquinho. A primeira alertou:

— No final da tarde sempre esfria um pouco, mesmo no verão. Espero que você tenha trazido um casaquinho, Francesca.
— Eu trouxe roupas para todas as estações, Dona Laura – riu a jovem. — Não precisa se preocupar comigo. Eu que devo me preocupar com a senhora!

Dona Laura apontou para um balanço antigo mais a frente.

— Vamos parar ali. Quero ler um pouco do meu livro.

Francesca a conduziu com a cadeira de rodas até o local e Dona Laura comentou:

— Magda costumava se embalar neste balanço quando menininha. Depois que ela cresceu pouco foi usado.
— Será que eu posso experimentar, Dona Laura? Adoro balanços!
— Claro, distraia-se. Estou atrasada na minha leitura.

Sentada no balanço de madeira, Francesca fechou os olhos e respirou fundo. O ar puro e fresco era revigorante e a moça sentiu um grande bem-estar. Aproveitando que Dona Laura estava concentrada no livro, a jovem começou a prestar atenção ao seu redor. No lugar onde estavam havia dois bancos de madeira e mais adiante um chafariz. No balanço de madeira cabiam duas pessoas e era adornado por trepadeiras. Dona Laura havia mencionado que havia uma grande piscina do outro lado da casa e, quando esquentasse, Francesca poderia dar um mergulho, se quisesse. Em cada parte do jardim havia canteiros de flores diferentes. Francesca desejou ter trazido o celular no passeio para tirar algumas fotos.

Mais adiante um movimento chamou atenção de Francesca. Um homem de cabelos escuros encostado a uma árvore olhava fixamente para ela. A surpresa foi tanta que o balanço foi parando lentamente. Não podia distinguir direito suas feições, mas dava para perceber que era muito bonito. Quem seria?, perguntou-se ela, encantada. Dona Laura, concentrada na leitura, não percebeu nada. O homem continuou no mesmo lugar, imóvel. Talvez fosse algum empregado da casa, embora não estivesse vestido como se fosse um.

— Francesca...

Ela piscou assustada. Dona Laura a olhava com curiosidade.

— Tudo bem com você?
— Sim? Oh, sim, está tudo certo.
— Está um pouco frio. Vamos voltar?
— Claro! – Francesca deixou o balanço e se aproximou da cadeira de rodas. Olhou disfarçadamente para onde estaria o homem, mas ele não estava mais lá.