terça-feira, 21 de fevereiro de 2017

O HOMEM DO JARDIM (Capítulo 4)



O dia passou calmamente. Francesca se distraiu com Dona Laura em leituras, bordados e até um animado jogo de cartas. A tão esperada saída para os jardins teve que ser adiada depois que uma chuvarada caiu na cidade no final da tarde. Francesca não conseguiu disfarçar sua decepção, mesmo achando que encontrar novamente o homem misterioso seria difícil.

— Estas tempestades caem com frequência esta época – disse Dona Laura ao ver Francesca um pouco inquieta. Eram oito horas da noite e ambas aguardavam que Sofia trouxesse o jantar. — Geralmente o outro dia amanhece com um belo sol.
— A senhora deve estar sentindo falta do seu passeio no jardim, não é?
— Ora, um pouco. Antes de você chegar eu não tinha ninguém para me levar lá fora. Então estou acostumada a passar sem ele.
— Podemos tomar café no jardim amanhã. O que a senhora acha?

Dona Laura bateu palmas, animada.

— Acho uma excelente ideia! Já vou avisar Sofia para arrumar uma mesa amanhã logo cedo. Isto é, caso não esteja desabando um toró.

Sofia apareceu pouco depois trazendo os pratos do jantar. Mais tarde, enquanto saboreava uma taça de arroz de leite, Francesca comentou:

— Preciso me controlar para não perder a linha. Este doce está bom demais!
— Sofia é a nossa doceira. Ela tem uma mão maravilhosa para estes quitutes. É impressão minha ou parou de chover?
De tão absorta saboreando a sobremesa, Francesca não havia se dado conta que a chuva tinha parado. Ela colocou a taça sobre a mesa e foi até a janela.

— Sim, parou mesmo de chover, Dona Laura! – a moça olhou para o céu. A lua teimava em aparecer entre as nuvens pesadas. — Talvez nosso desjejum ao ar livre esteja garantido!
— Não vejo a hora! Você teve uma excelente ideia!

Dona Laura falou alguma coisa mais, contudo Francesca não estava prestando atenção. Ele estava lá, parado perto de um arbusto, quase sem se mexer. Não, não era uma pessoa. Espere, era alguém sim! Um vento mais forte soprou, balançando os galhos de uma árvore e Francesca chegou a dar um pulo para trás. Era ou não uma pessoa? De repente, os faróis do carro de Magda iluminaram o caminho e o jardim, obrigando Francesca a ajustar os olhos. Não havia ninguém, somente sua imaginação agindo.

— O que houve, Francesca? – perguntou Dona Laura, achando o silêncio da moça um tanto estranho.
— Nada. É que... acho que Dona Magda está chegando.

Será que… ela também teria visto alguma coisa?

Menos de cinco minutos depois Magda entrou na sala com aparência cansada e com os cabelos em desalinho. Deu um rápido beijo na mãe e cumprimentou Francesca com um aceno.

— Você não vai jantar, minha filha? Sua aparência não é das melhores – perguntou Dona Laura.
— Não preciso de comida, quero é um banho. Como se não bastasse todas as complicações desta cidade, eu peguei uma tempestade pelo caminho.

Francesca teve vontade de perguntar se ela não havia visto ninguém do lado de fora, mas não teve coragem para tanto.

— Vou pedir para Sofia levar um prato de sopa para você – retrucou Dona Laura, carinhosamente. — Você precisa se alimentar.
— Sim, sim, mãe – Magda já estava subindo as escadas, sem muita vontade de conversar. — Até amanhã!

Magda desapareceu escadas acima e os olhos de Dona Laura pousaram nos de Francesca.

— Ela é assim, sabe? Desde pequena parece que tem bicho carpinteiro espalhado pelo corpo.
— Dona Magda tem uma vida muito corrida.

A senhora fez um sinal como se fosse melhor deixar aquele assunto de lado.

— Problema é dela. Vamos subir? Talvez eu tenha tempo ainda de assistir a novela.
*
Francesca estava no jardim passeando sozinha. Era uma manhã de sol com nenhuma nuvem no céu. Tudo era silêncio. Ela escutou alguém vindo atrás de si, mas continuou caminhando. Sabia quem era. Não precisava apressar ou diminuir o passo.

Ela foi até uma árvore e ali ficou encostada. A pessoa que a seguia se aproximou e a envolveu por trás em um doce abraço. Francesca respirou fundo. O perfume das flores parecia emanar dos cabelos dele. Ela se virou e encarou os olhos do seu amante. Os cabelos escuros dele balançavam com a brisa suave.

— Eu sempre soube que encontraria você aqui...

O homem moreno aproximou seu rosto do dela e lhe segurou os cabelos vermelhos dela. Francesca ansiava por aquele beijo mais que tudo na sua vida. Os lábios estavam muito perto de se encontrarem quando um trovão ensurdecedor despertou Francesca.

De repente, a moça se viu sentada na cama, com os olhos arregalados, tentando saber onde estava. Depois de poucos segundos lembrou da sua nova morada e saltou da cama para ver como estava Dona Laura. A chuva batia forte na janela. Eram somente duas horas da manhã.

Dona Laura dormia quieta e serena. O som da tempestade e o trovão não haviam afetado seu sono. Aliviada, Francesca retornou para seu quarto e sentou na cama. O lindo sonho a deixara abalada.

Quem era aquele homem que a visitara no sonho? Ela tinha a impressão que era o mesmo que aparecia no jardim. As sensações que assaltavam seu corpo a deixaram tensa e excitada. Nem mesmo com o ex-noivo sentira algo parecido. Sem querer admitir, Francesca voltou para cama e deitou-se, encantada. Talvez aquela mansão possuísse algum tipo de feitiço. Fazia dois dias que tinha chegado e sua vida já havia dado uma reviravolta. O único problema é que a jovem não sabia mais discernir o que era real e o que era fantasia da sua cabeça.

*

Como Dona Laura havia dito, o sol brilhava no dia seguinte. A mesa já estava posta quando ambas desceram para o café da manhã. Quando sentaram, Francesca percebeu que havia algo escondido na mão da Dona Laura.

— Tenho uma coisa para mostrar a você.

Francesca olhou para a senhora, curiosa.

— O que é? Estou com brotoejas!

Dona Laura estendeu-lhe uma foto antiga.

— Veja. Adivinhe quem é.

Francesca segurou a foto e a olhou em seguida. E quase soltou um grito.


Nenhum comentário:

Postar um comentário