domingo, 5 de janeiro de 2025

NOITES ENCANTADAS - CAPÍTULO 8




Serena encarava o piloto da moto sentada em uma cadeira de rodas, esperando a mãe e Keila chegarem ao hospital e a levarem para casa.

一 Então você não tem a menor ideia de quem seja? ー ela mal podia conter a ansiedade.

Ele suspirou. Serena já tinha feito aquela pergunta mais de uma vez.

一 Não. Eu vi a caminhonete se aproximando e fiz sinal para ele parar.

一 Então ele tem uma caminhonete?

Ela se inclinou para frente, a ponto do homem, com um curativo na testa, temer que ela caísse.

一 Uma caminhonete cor prata. ー ele olhou para Serena, curioso. 一 Você o conhece?

一 Eu? Não. Quer dizer, talvez. ー a mente de Serena funcionava rapidamente. 一 Você… acha que ele é turista?

一 Turista? Creio que não. Acho que ele mora em Monte Noel. Ou está passando uma temporada por aqui.

一 Ótimo. ー os olhos de Serena brilhavam. 一 E o nome? Ele não disse? Tem certeza disso? 

Sueli e Keila apontaram na porta, ambas sérias. Mas ao verem Serena sentada e acenando para elas, logo uma fisionomia de alívio surgiu em seus semblantes.

一 Minha filha! ー Sueli foi ao encontro de Serena e a abraçou. 一 Achei que tivesse sido mais grave.

一 Foi só um susto, mãe.

一 Você se machucou?

一 Estou só um pouco dolorida. 

O piloto da moto, ansioso para ir embora, se levantou, despediu-se de Serena e foi embora mancando. Keila comentou:

一 Puxa, este acidente foi ocorrer justo agora que você irá começar a trabalhar na floricultura.

一 Não se preocupem. ー Serena olhou para os lados e conferiu se estavam sozinhas. Como não havia nenhuma enfermeira por perto, se levantou da cadeira de rodas sem dificuldade. 一 Amanhã eu irei trabalhar normalmente. Nada que uma boa noite de sono não dê jeito.

Sem querer o apoio da mãe ou da amiga, Serena saiu do hospital ladeada pelas duas. Keila perguntou:

一 Tem certeza que você está bem?

一 Claro. ー Serena sorriu, lembrando de quem a socorrera. 一 Sabe quem me juntou do chão?

Sueli e Keila se entreolharam sem entender.

一 Quem? ー Sueli perguntou, curiosa.

一 Ele.

一 Ele quem?

一 O desconhecido pelo qual me apaixonei.

O sorriso bobo que tomava conta do rosto de Serena aborreceu Sueli.

一 Serena, de quem você está falando? Não acredito que ainda está sonhando com o cara que ninguém nunca viu.

Em poucas palavras, Serena narrou o que acontecera. No final, enquanto aguardavam um táxi, suspirou:

一 O motoqueiro contou que ele me carregou nos braços com todo cuidado. Uma pena eu estar inconsciente.

一 Uau! ー exclamou Keila. 一 Ele ainda está pela cidade.

一 Sim, pode ser que ele não seja turista. ー Serena olhou para elas, ansiosa. 一 Isso significa que tenho chances de revê-lo. Ou algo mais. Quem sabe, agradecer pessoalmente.

一 Será que ele lembrou de você, amiga?

Sueli interrompeu:

一 Keila, é óbvio que não. Esta loucura toda é só da parte da Serena.

一 Mãe, você não vai estragar minha alegria.

一 Cale a boca e entra no táxi, Serena. ー o automóvel parou frente a elas. 一 Você já vem me dando muito trabalho nos últimos dias.

Um pouco dolorida, Serena fez o que a mãe mandava, enquanto aspirava a própria roupa para ver se havia algum resquício do perfume que o agora não tão desconhecido poderia estar usando naquela noite.

Sentiu-se uma boba.

Mas uma boba feliz.


Nota da Autora: como informado anteriormente, este é o último capítulo de Noites Encantadas postado neste Blog. A versão integral está disponível na Amazon através do link abaixo:


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sábado, 28 de dezembro de 2024

NOITES ENCANTADAS - CAPÍTULO 7


 

A bordo de sua caminhonete, Caetano seguia pelas ruas simpáticas de Monte Noel, ainda impactado pelas más notícias dadas pelo pai. Um velho amigo dos tempos da adolescência convidara-o para um happy hour e Caetano achou que seria uma ótima maneira de desopilar.

Vinha distraído em seus pensamentos quando uma imagem na esquina da rua em que trafegava despertou sua atenção. Uma motocicleta e uma bicicleta estavam caídas bem no meio da pista. Ao se aproximar, Caetano percebeu um homem tentando socorrer, desesperado, uma mulher caída no chão, aparentemente, inconsciente.

O piloto da moto, ao ver a caminhonete se aproximando, começou a fazer gestos com os braços para Caetano parar.

一 Senhor, por favor, me ajude. ー o homem sangrava em uma das mãos e tinha um corte na cabeça. 一 A moça dobrou a esquina de repente e nos chocamos.

一 Tenha calma ー Caetano se agachou ao lado da jovem, desacordada. Os cabelos vermelhos dela se espalharam pelo piso de pedra.

一 Acho que ela bateu a cabeça ー o piloto retorcia as mãos, quase em pânico.

一 Vou levar vocês dois ao hospital.

Imediatamente, Caetano juntou a jovem do chão, reclinou o banco dianteiro da caminhonete e a colocou ali com o máximo cuidado. Com apenas um telefonema providenciou o resgate da moto e da bicicleta. Já com o veículo em movimento, Caetano olhou através do espelho retrovisor para o homem, muito pálido, que estava no banco de trás, 

一 Não se preocupe. Acho que não é nada grave. 

Na verdade, Caetano não tinha a menor ideia do estado da moça. Aliás, tinha a impressão de que já a vira em algum lugar. Os cabelos vermelhos dela, tão peculiares, chamaram-lhe a atenção. Mas de onde a conhecia não tinha a menor ideia. E tampouco aquilo era importante naquele momento. Em menos de dez minutos, a caminhonete entrou na área hospitalar e freou, sonoramente. Logo, enfermeiros e médicos se aproximaram correndo com macas para socorrer os feridos.

    Uma mistura de vozes altas e urgentes começou a despertar Serena da sua inconsciência. Ela entreabriu os olhos temendo o que iria encontrar. Porém, as luzes dos corredores do hospital a cegaram, momentaneamente. A imagem da motocicleta com o farol forte sobre ela trouxe a lembrança que um acidente de trânsito acontecera.

一 Ela acordou!

A voz forte de um homem a deixou mais desperta. Ainda um pouco aturdida e tentando se localizar, Serena voltou os olhos na direção dos seus pés. Um homem de barba cerrada e expressão preocupada, a fitava, atento. Vestindo uma camiseta negra, certamente ele não fazia parte da equipe do hospital.

Ela levou um susto e tentou sentar, sendo contida por uma das enfermeiras. Era ele, o cara desconhecido! Mas o que estaria fazendo no hospital, junto a ela? Serena bem que tentou articular alguma palavra, mas a maca foi conduzida para uma sala de exames onde somente pessoas autorizadas podiam entrar.

O olhar dele a seguiu até a porta se fechar.



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Aqui no Blog postarei até o 8º capítulo.

quinta-feira, 26 de dezembro de 2024

NOITES ENCANTADAS - CAPÍTULO 6

 

Exatamente uma semana depois da demissão, Sueli conseguiu uma colocação para Serena em uma floricultura recém-inaugurada de uma amiga, bem no centro de Monte Noel. Era final de tarde de um dia ensolarado quando recebeu a boa notícia, embora um ar friozinho teimasse soprar. 

O novo emprego merecia uma comemoração. Para tanto, Serena decidiu pegar a bicicleta e dar uma volta pela cidade.

Quem sabe encontrasse o bonito desconhecido em algum lugar? 

Depois daquela noite nunca mais o vira. Apesar de não ter mais esperanças de encontrá-lo, Serena acabou por desenvolver uma espécie de obsessão, a ponto de sonhar com ele todas as noites. Sim, Serena tinha consciência ser tudo aquilo uma loucura, mas como explicar que sentia ter criado uma espécie de vínculo com o cara? Era como se conhecessem de outras vidas. Quando tentou explicar à Keila seus sentimentos, a amiga teve um acesso de riso e ainda a chamou de lunática. Depois disso, Serena decidiu se calar.

Ela vestiu um casaquinho e montou na bicicleta. Pegou as ruas floridas e tranquilas de Monte Noel, nunca se cansando de admirar a beleza da cidade. As casas possuíam amplos jardins e a decoração natalina estava presente o ano inteiro. Tudo era tão bonito e acolhedor que Serena respirou fundo, sentindo o aroma das flores invadir suas narinas. Feliz, percorreu algumas quadras próximas da sua casa, sempre de olho nos poucos carros que passavam. Vai que o desconhecido fosse um dos motoristas que cruzavam seu caminho?

Após meia hora de pedalada, Serena resolveu ir para a parte mais abastada da cidade, um local onde só havia mansões com muros altos. Ela pouco ia para aqueles lados. Pela roupa bem alinhada que o desconhecido vestia naquele dia, e não sendo ele um turista, era possível que morasse ou estivesse hospedado por lá.

O ânimo aumentou. Serena pedalou com mais força na direção do bairro rico. As vias do lugar eram ainda mais agradáveis. Atrás daqueles muros altos, se escondiam casas lindas. Algumas pessoas passeavam pela calçada com seus animais de estimação. Cada rua tinha nome de flor e o próprio aroma delas pairava no ar. Era uma sensação tão boa que Serena só foi se dar conta que a noite estava chegando quando olhou para o céu e viu uma estrela solitária.

No fim de uma rua florida e arborizada, Serena dobrou à esquerda, temendo não encontrar o caminho de volta. Aquele local ainda lhe era um tanto desconhecido. Pedalando mais rápido, Serena dobrou outra esquina. E não teve tempo sequer de gritar.

A luz forte do farol de uma motocicleta lhe cegou completamente e ela não conseguiu desviar. O choque foi forte, levando o piloto da moto e Serena ao chão. 

De repente, tudo ficou escuro. E não era a noite que chegava.


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                    Neste Blog vou postar até o capítulo 8.

sábado, 21 de dezembro de 2024

NOITES ENCANTADAS - CAPÍTULO 5




Tomar o desjejum no terraço da casa era um dos prazeres que Caetano MontSerrat havia esquecido depois de seis anos vivendo no Canadá. A sua frente se descortinava o lindíssimo Vale da Neve, um cenário incrível e inspirador. Ícaro, o pai, um homem de cerca de 70 anos, vistoso e imponente, observava o filho com atenção.

一 No Canadá não há paisagens assim?

一 Nada se compara a isso ー confessou Caetano besuntando uma fatia de torrada com uma generosa porção de requeijão. 一 É bom ver que nada mudou.

一 Fico feliz de ter aceitado passar o Natal comigo.

一 Decidi chegar antes para curtir a cidade, embora a quantidade de turistas me deixe um pouco incomodado.

一 É graças a eles que Monte Noel está, a cada ano, se destacando no turismo nacional. Para mim é ótimo. Meus lucros triplicam nesta época.

Caetano reparou as duas fatias grossas de mortadela que o pai colocou no meio de um pedaço de pão.

一 Pai, ー ele foi cauteloso 一 esta mortadela cheia de gordura não é nada saudável.

Desde que chegara do exterior, há uma semana, Caetano reparara que Ícaro estava pálido e mais magro.

一 Foi bom você ter tocado neste assunto, Cae. ー o homem deu uma grande mordida no pão. 一 Um dos motivos que pedi que viesse ao Brasil tem relação mais com minha saúde do que com o Natal.

一 Saúde? ー Caetano chegou a sentir uma pressão no peito. 一 O que você tem?

一 Alguns problemas.

Doralice, a empregada de anos da família, se aproximou e pôs sobre a mesa uma garrafa grande de refrigerante. Caetano observou, em silêncio, o pai se servir de Coca-Cola numa grande caneca de café.

一 Você podia ao menos ter escolhido a versão sem açúcar ー repreendeu. 一 Sua glicose vai explodir.

Ícaro deu um grande gole e voltou seus olhos escuros para o filho.

一 Estou com os dias contados. Então, pouco me importo.

Caetano fitou o pai, em silêncio, por alguns segundos. 

一 Certo. O que você quer dizer com “dias contados”? ー ele colocou a xícara de café sobre a mesa e cruzou os braços. O apetite e a satisfação por ter todo o Vale da Neve a sua frente se desfez feito fumaça. 一 Afinal, o que você tem?

一 Alguns tumores nos dois pulmões. Nem toda a fortuna que tenho foi capaz de curar. Me conformei, mas ainda não posso partir. ー Ícaro pôs a mão gelada sobre a do filho. 一 Agora é a sua vez.

一 Vez do quê?

一 De assumir meu lugar no conglomerado que criei.

Caetano emudeceu, chocado, tentando assimilar aquela informação. Tinha certeza que este dia chegaria. Só não esperava que fosse tão cedo. E em plena época festiva.

一 Sinto muito, pai. ー Caetano apertou a mão de Ícaro. Apesar da expressão cansada, Ícaro MontSerrat se mostrava firme. 

Como se adivinhasse os pensamentos do filho, Ícaro ressaltou:

一 Embora eu não esteja apresentando sinais aparentes da doença, ela está em mim. Já a sinto agir no meu corpo. Em breve… em breve não terei condições sequer de lhe passar o bastão. Por isso, tenho pressa.

Caetano era herdeiro de um conglomerado de construtoras. Mas seus interesses eram outros. Formado em Direito, adorava advogar. Era sócio de uma firma de advocacia em Toronto, com uma carteira grande de clientes. Os olhos do pai quase imploravam uma resposta positiva. Caetano não esperava receber aqueles dois baques de uma só vez: deixar para trás sua vida confortável em Toronto e enfrentar a morte próxima de Ícaro.

一 Conte comigo. ー Caetano esboçou um sorriso, tentando disfarçar a tensão e a tristeza que sentia. 一 Vou estar sempre ao seu lado.

Ícaro se serviu de mais refrigerante.

一 Pare de me olhar deste jeito. Prometo morrer dignamente. E obrigado por não me abandonar. ー ele fez uma pausa. 一 Como a sua mãe fez.

A fisionomia de Caetano endureceu.

一 Não precisamos falar sobre ela.

一 Se ela não tivesse me abandonado para ficar com aquele vagabundo, estaria vivendo bem ao nosso lado.

一 Escolhas são escolhas, pai. E ela sofreu todas as consequências das merdas que fez na vida.

一 Nós todos sofremos. ー Ícaro comeu mais uma fatia de mortadela e levantou, espreguiçando-se. 一 Espero encontrá-la no inferno.



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quarta-feira, 18 de dezembro de 2024

NOITES ENCANTADAS - CAPÍTULO 4

 


Keila, sem muita paciência, encarou Serena e revirou os olhos pela décima vez. 

一 Nossa, Keila. Já pedi desculpas. O que você quer que eu faça mais?

As duas jovens estavam sentadas em um dos bancos da praça principal de Monte Noel, um lugar aprazível e um dos mais requisitados pontos turísticos da cidade. Era meio-dia, horário do intervalo de Keila.

一 A vontade que tenho ー Serena prosseguiu 一 é entrar no labirinto e me perder lá dentro.

O Labirinto dos Sonhos, atração turística de Monte Noel, estava a poucos metros delas, e Serena, em todas as vezes que entrou, precisou de ajuda para sair.

一 Deixe de ser dramática. Sinto muito o que aconteceu. Mas você mereceu.

Serena bocejou. Sua noite não havia sido das melhores. Era hora do almoço e Keila comia um picolé de sobremesa. 

一 Você bem que podia não ter chamado a Tânia. ー Serena se referia à ex-chefe. 一 Dava para segurar sozinha por um tempo.

一 Basta, Serena. ー Keila se viu obrigada a levantar a voz. 一 Você simplesmente saiu atrás de um cara que nunca tinha visto na vida e me deixou no estande com uma porção de clientes chegando. E tem mais: não chamei a Tânia. Para seu azar, ela apareceu por conta.

一 Por que não mentiu que fui ao banheiro?

一 Porque estou cansada de abraçar suas irresponsabilidades. Na verdade, eu nem sabia o que tinha se passado. Você só me contou agora.

一 No final das contas, deu tudo errado. Não o encontrei, fui demitida e minha mãe quer comer meu fígado. Acredita que ela me comparou ao meu pai?

一 Bem feito.

一 Keila!

一 Espero que você tome jeito a partir de agora. Graças a você, estou sozinha no estande em plena alta temporada. Até Tânia contratar uma substituta pode levar algum tempo.

Ambas ficaram em silêncio.

一 Quem é ele, afinal? ー Keila olhou para Serena, impaciente.

一 Sei lá. Nunca o vi por aqui.

一 Deve ser turista. Talvez até já tenha partido de Monte Noel.

一 Nem diga isto. ー Serena, então, confessou. 一 O pouco que dormi, sonhei com ele.

一 Então a situação é pior do que eu imaginava. Você nem sabe se ele presta!

一 Não me importo.

一 Deveria. E se ele for do tipo que bate em mulher? E se for gay?

一 Quer parar de atrair negatividade sobre mim?

Keila se calou. Serena olhou para ela e a abraçou.

一 Vamos procurá-lo?

一 Hein?

一 Acho que ele ainda está circulando pela cidade. Quero muito revê-lo.

Keila levantou, livrando-se do abraço da amiga.

一 Sem chance. Preciso trabalhar. Vá você atrás dele já que agora tem todo o tempo livre. Até outra hora.

Serena observou a amiga desaparecer em meio aos turistas. Permaneceu mais alguns instantes sentada no banco, aborrecida e entediada. Contudo, seus pensamentos iam a mil por hora.

Iria encontrar o cara misterioso nem que tivesse que revirar a cidade inteira para isso.

Ou não se chamaria Serena.


segunda-feira, 16 de dezembro de 2024

NOITES ENCANTADAS - CAPÍTULO 3



Sueli estava em seu horário de intervalo quando uma das colegas avisou que Serena lhe procurava. Encontrou a filha pálida e com o olhar desamparado, parada no meio da loja e agarrada na bolsa.

一 Filha. ー ela pegou as mãos frias de Serena. 一 Está passando mal?

一 Será que podemos conversar em um lugar mais tranquilo?


Assustada com o tom sussurrado da voz da moça, Sueli respondeu, pegando-a pelo braço:


一 Claro. Vamos até o vestiário.


Enquanto a mãe fechava a porta do local, Serena sentou num banco, imaginando que jeito iria contar o motivo da sua demissão. Sueli parou frente a ela.


一 O que houve? Algum homem se passou com você?

一 Mãe… perdi o emprego.


Pálida, Sueli sentiu as pernas faltarem e acabou por sentar ao lado da filha.


一 Como assim? Qual o motivo?

一 Eu fiz uma burrada.


Os olhos de Serena se encheram de lágrimas. Sueli endureceu um pouco a voz:


一 Que tipo de burrada, criatura?


Serena respirou fundo.


一 Abandonei o estande para ir atrás de um cara.

一 Mas que cara?

一 Não sei. Nunca o tinha visto até então.


Sueli bufou e colocou as mãos na cabeça.


一 O que você está me dizendo, Serena? Que sandice foi essa?

一 Eu… eu nem sei por onde começar.

一 Pelo começo é melhor ー retrucou Sueli, sem paciência. 一 Vai, desembucha.


Em poucas palavras, Serena descreveu o que se passara, desde o momento que se deparou com o belo desconhecido até retornar para o estande e ser demitida. A tudo Sueli escutou com uma expressão de desagrado, por vezes balançando a cabeça como se a filha única fosse um caso sem solução. Por fim, depois do relato choroso de Serena, Sueli pegou um copo de água e bebeu tudo de um gole só. Depois, encarou a garota e disparou:


一 Este seu comportamento irresponsável me lembra muito uma pessoa: seu pai.

一 Ai, mãe! Que horror!


O pai abandonara Sueli e Serena, que ainda era criança, e nunca mais dera notícias. Desde então, era mencionado como um modelo negativo na família. Ser comparada a ele era uma espécie de ofensa. E das graves.


一 Horror coisa nenhuma! Isto é jeito de agir, Serena? Largar seu emprego e deixar sua colega atendendo sozinha para ir atrás do primeiro cara que aparece?

一 Alto lá. Ele não é nenhum chinelão. 

一 Ah, é? E como você sabe? Falou com ele? Pediu uma certidão de bons antecedentes? Pelo que entendi, vocês se encararam por três segundos. Três segundos! E você se apaixonou! Ora, Serena, poupe-me! Você agiu igual ao cretino do seu pai. Que decepção.


Serena enxugou as lágrimas que ainda corriam pela face. Não esperava aquela reação forte da mãe.


一 Vamos ser práticas. Você tem muitas contas a pagar?

一 Bem… faltam cinco parcelas para pagar meu celular.

一 Então, vire-se para dar um jeito de pagar seus boletos. Minha ajuda não terá nenhuma. Francamente, criatura. Já é o terceiro emprego que mandam você para o olho da rua! Não tem vergonha, não?


Sim, Serena tinha. E muita. Naquele exato momento sentia que valia menos que nada, um zero à esquerda. O desconhecido tinha jeito de ser bem-nascido. Um cara daquele porte jamais iria querer algo com uma fracassada.


一 Desculpe, mãe.

一 Estou farta das suas desculpas, para depois você aprontar outra vez, outra vez e outra vez. Não desculpo. Passo ralando nesta chocolataria para termos o melhor dentro de casa e é assim que você retribui. Serena, pare de se comportar como se tivesse 12 anos. ー Sueli consultou as horas. 一 Meu intervalo acabou. Vá para casa e reflita sobre suas atitudes.


Serena se levantou, devastada com as palavras duras da mãe. Sem falar mais nada, saiu do vestiário ainda agarrada na bolsa, calada, envergonhada e sem nenhuma perspectiva na vida.

Mas quem era aquele cara?


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