quarta-feira, 21 de abril de 2021

MELHORES AMIGAS

 


Não que eu me importasse muito.

Ok, eu me importava sim. Na verdade, aquilo estava me consumindo por dentro. Ela era amiga de todo mundo. Menos de mim.

Quando Giovana entrou na escola quase na metade do ano letivo, ela logo chamou atenção dos meus colegas. Pudera. Giovana era linda. Pele bronzeada, cabelos muito louros. Simpática, comunicativa. No início, algumas meninas ficaram com inveja. Não demorou muito. Logo Gio conquistou a todos com seu carisma. Eu fiquei de fora. Eu, a excluída. Giovana não se dava nem ao trabalho de olhar para a minha cara. Credo, eu nem era tão feia assim. Só um pouco... estranha.

Mas, logo que ela entrou para a escola, eu, muito tolinha, achei que ela seria minha amiga. Minha melhor amiga. Havia um lugar vago ao meu lado (ninguém queria sentar comigo) e Giovana sentou ali. Tentei puxar conversa com ela, ansiosa em agradar. Naquele primeiro dia, meio perdida ainda, Giovana até me deu atenção. Me senti o máximo quando fomos à cantina juntas, no intervalo. Bem, não me importei muito quando percebi que tudo o que eu falava Giovana parecia não escutar. Tudo bem. Ela estava comigo e meus outros colegas estavam vendo que Giovana era minha amiga. Apesar de ela não parecer tão à vontade andando ao meu lado, pensei que fosse por ser seu primeiro dia. Voltei para casa contente. Fiz até um bolo de cenoura com cobertura de chocolate para presenteá-la no dia seguinte.

O dia seguinte chegou e com ele todas as decepções possíveis. Giovana rapidamente fez novas amizades e foi sentar do outro lado da sala. Comi a fatia do bolo no intervalo, sentada num canto do pátio. Engoli o bolo e minha frustração. Eu já devia esperar que aquilo fosse acontecer.

Os dias e as semanas passaram. Giovana nunca mais olhou para minha cara. Nem para me cumprimentar. Da mágoa, eu passei para a raiva e o rancor. Por que ela não podia ser minha amiga? O que ela tinha a mais que eu? Beleza? Simpatia? A vontade que eu tinha era de atirar uma pedra bem no meio daquele rosto de boneca e deixá-la tão feia quanto uma bruxa. Nossa, se minha mãe soubesse nas maldades que me vinham à mente, certo que iria me levar a um psiquiatra.

A gota d’água aconteceu durante a aula de Educação Física. Sempre odiei. A professora inventou um jogo de vôlei e cheguei a sentir um frio na barriga. Eu era péssima em esportes. Não queria jogar. Os times começaram a ser escolhidos e... adivinhem. Ninguém me queria. A professora me colocou, na marra, no time da Giovana. Ela era a capitã e fez cara feia quando me viu na sua equipe. Aquilo me doeu. Depois da dor, veio a raiva. Tentei me controlar. Ia ficar chato se eu perdesse a razão.

Só sei que dei azar e errei três bolas seguidas. Que fiasco. Na quarta vez quando me preparei, desajeitada, para receber a bola com uma manchete, levei um empurrão da Giovana e caí sentada na quadra, ralando as mãos no chão. O jogo continuou. Ninguém se importou comigo e nem devem ter se dado conta quando levantei, possuída pelo capeta.

Toda a fúria que eu acumulei durante aqueles meses subiu pelo meu peito, incontrolável. Bem, talvez eu não estivesse a fim de me controlar. Me aproximei a passos firmes da Giovana. Alguém a alertou e quando a cretina se voltou encontrou minha mão cerrada bem no meio daquele nariz perfeito.

Peguei sete dias de suspensão e um convite para procurar outra escola. Meus pais ficaram loucos. Eu vibrei. Soube, mais tarde, que o nariz de Giovana ficou levemente torto. Parece que um ou dois dentes ficaram prejudicados também.

Eu só queria que ela fosse minha amiga.




segunda-feira, 19 de abril de 2021

MELÂNIA NÃO ERA DO TIPO QUE DESISTIA


Ele sempre passava no mesmo horário. Cinco horas da tarde. Todos os dias, Melânia colocava seu melhor vestido, prendia o cabelo vermelho de um jeito diferente, passava perfume. Quinze minutos antes de ele apontar na esquina, a jovem de 16 anos se postava na janela, esperançosa, sorridente, altiva. 

Mas quem era "ele"? Domênico. Alto, magro, barba bem feita, elegante. Advogado recém formado, 25 anos. Um bom partido, como já dissera o pai de Melânia. As menininhas da cidade ficavam faceiras e se cutucando quando Domênico surgia na calçada. Com Melânia não era diferente. Sonhava com ele todas as noites e de dia também. Não contara a nenhuma das suas amigas o quanto desejava Domênico. Afinal, parecia que Domênico habitava o coração de todas elas. E mais: o bonitão também chamava atenção das mulheres mais velhas.

E naquela tarde de sol, Domênico dobrou a esquina com seu passo firme, a expressão do rosto suave e tranquila. Cumprimentou os passantes que faziam questão de lhe dar uma palavrinha. Melânia se aprumou na janela, ensaiou o melhor sorriso, Domênico já vinha chegando. Ah, se ele a olhasse nem que fosse uma vez... Não que se contentasse com pouco, mas poderia ser o início de um grande amor, uma linda história.

Melânia ficou com o sorriso congelado no rosto bonito quando Domênico passou sob sua janela sem sequer se dar ao trabalho de olhar para o lado. O coração da moça se quebrou, mas ela não podia se dar ao luxo de mostrar sua decepção. Na calçada da frente, Dona Chica, a florista, observava-a com atenção. Ah, não, pensou Melânia, preocupada. Esta velha fofoqueira não pode perceber o tamanho do meu desencanto. 

Então, Melânia forçou mais ainda o sorriso e abanou freneticamente para Dona Chica. Sim, tudo estava bem naquela tarde ensolarada de outono. Domênico já ia longe, despreocupado, sem jamais saber que para trás deixara uma menina apaixonada com lágrimas aprisionadas. 

Mas Melânia não era do tipo que desistia. 

Um dia de cada vez.