domingo, 24 de dezembro de 2023

UM CONTO DE MISTÉRIO - PARTE 8


 

Naquela mesma tarde Valentina levou Lourdes e Angelina para comprar roupas de academia numa loja no centro da cidade. Angelina mal se continha de tanta animação. Já Lourdes deixou a sobrinha escolher as peças sem sequer ver o que a garota pegava por conta própria. Porém, quando foi experimentar as roupas em casa, se assustou com as cores e o quanto que as peças se ajustavam em seu corpo.

 

― Valentina, pelo amor de Deus – Lourdes deu uma voltinha na frente do espelho. ― Parece que eu vou sair em uma escola de samba. E está muito justa!

 

Angelina estava por ali também experimentando suas roupas novas de academia.

 

― Então, gurias... Acho que fiquei bem, não é?

 

Lourdes olhou para a amiga e torceu o nariz.

 

― Você está muito indecente, isso sim.

― Amiga – Angelina se mostrava muito satisfeita com seu novo visual ― eu tenho 51 anos. O que eu tenho a perder? Olhem só – ela apontou para a parte de trás do corpo ― vou precisar caprichar no glúteo. Minha bunda está meio caidinha ou é impressão?

 

― Viu, tia? Se inspire na Angelina. Vocês vão bombar na academia. Não vejo a hora de chegarmos lá!

― Uhu! – vibrou Angelina.

― Socorro, Deus – gemeu Lourdes.

 

*

 

As três novas alunas da academia chegaram ao final da tarde. Angelina e Valentina eram pura animação. Lourdes, murcha, tentava se esconder atrás das duas. O trio foi recebido pela recepcionista animada.

 

― Uau, quantas gatas lindas! Bem-vindas, meninas! Prontas para ficarem mais gostosas?

― Ô... – fez Lourdes revirando os olhos, entediada. Prontamente levou uma cotovelada de Valentina bem no meio das costelas.

― Me sigam, meninas! Vamos até o andar de cima, para a sala de musculação. É onde a magia acontece.

 

Meu Deus, pensou Lourdes, irritada com a empolgação forçada da recepcionista. Será que ela era sempre tão feliz assim?

 

Lourdes entrou em um grande salão com muitos aparelhos de musculação e várias pessoas treinando. Ela pensou seriamente em dar meia volta e sair correndo.

 

― Vou deixar vocês nas mãos do Fabinho. Ele é o dono da academia e um excelente personal. Vocês estarão em ótimas mãos. Ei, Fabinho!

 

Lou voltou os olhos para a direita. Um cara na faixa dos trinta anos, músculos à vista, bronzeado de sol e olhos verdes vistos à distância, sorriu para elas. De longe, Lourdes percebeu os dentes bem branquinhos. Então este seria o personal delas?

 

Fabinho se aproximou sempre sorrindo causando sensações diferentes em Angelina, Lourdes e Valentina. Lourdes precisou lembrar a si mesma que estava viúva há poucos dias e não poderia demonstrar nenhum sinal de excitação para não pegar mal.

 

― Fabinho, estas são nossas novas alunas. Bom treino!

 

A moça foi embora e deixou as três frente a Fabinho. Além de gostoso, ele também era fofo e cheiroso.

 

― Gurias, que prazer recebê-las aqui em minha academia. Vou orientar vocês a partir de agora, tudo bem?

― Tudo ótimo – Angelina respondeu, alvoroçada.

― Estou ansiosa – declarou Valentina.

 

Fabinho olhou, então, para Lourdes, esperando alguma manifestação.

 

― Ah... eu também.

― Perfeito. Vamos lá.

 

O trio ficou cerca de uma hora na academia. Angelina ria de todas as gracinhas que Fabinho dizia. Lourdes, em dado momento, já nem escutava suas orientações. Não conseguia afastar os olhos do volume da bermuda dele. De que jeito o treino dela iria render com aquela visão... incrível? A única que parecia levar a coisa a sério era Valentina. Na saída da academia, já na rua, a jovem reclamou:

 

― Acho que vocês deveriam ter se focado mais no treino. Não sei como o Fabinho não percebeu os olhares libidinosos de vocês duas. Que vergonha.

 

 Lourdes se ofendeu.

 

― De jeito nenhum eu olhei para aquele homem de outra maneira que não fosse a relação professor-aluno. Aliás, é um excelente professor. Amanhã estou de volta.

― Também o tratei normalmente – salientou Angelina. ― Mas não tenho culpa que ele usa uma bermuda colada. E não sou cega.

 

Valentina preferiu não esticar a conversa por conta dos músculos doloridos. Mais tarde, já em casa, Lourdes se atirou no sofá e esticou as pernas, gemendo. E comentou:

 

― Valen, você não achou o Fabinho parecido com alguém? Ele me lembra uma pessoa. Só não sei quem é.

― Então... agora que você falou... Me parece que sim. Quem será, tia?

― Não faço a menor ideia. A única coisa que posso afirmar é que amanhã eu serei a primeira a chegar.

 

... continua

 

 

 

 


quinta-feira, 21 de dezembro de 2023

UM CONTO DE MISTÉRIO - PARTE 7

 


Não teve mais notícias do bonitão?

 

Angelina, encostada na bancada da pia da cozinha, olhava para Lourdes, na expectativa. Os olhos azuis da amiga pareciam saltar das órbitas tamanho seu excitamento.

 

― Espera aí – Lourdes enxugava a louça do almoço. ― Você está falando do Régis?

― Este mesmo. Cadê ele?

― Sei lá, Angelina. Eu não faço a menor ideia.

 

E não fazia mesmo. Desde o episódio do princípio de incêndio, Lourdes nunca mais o vira. Perdera as contas de quantas vezes fora até o quintal pendurar roupas, varrer o chão, aparar a grama ou fazer simplesmente nada para ver se via o cara.

 

Mas ele nunca mais tinha aparecido por ali.

 

― Como você está?

 

Lourdes secou uma panela com mais força.

 

― Estou ótima. Só passando raiva.

 

Valentina, que escutava a conversa sentada próxima à tia, comentou:

 

― Eu já disse para ela que a melhor coisa para sair do luto é manter a mente ocupada.

 

Lourdes parou o trabalho e retrucou:

 

― Não estou de luto. Estou com ódio. É bem diferente.

― Lou – Angelina começou a falar com muito tato ― lembra uma época que você fazia docinhos para fora? Você começou sem pretensões e fez o maior sucesso. Por que não faz isto de novo? Nem sei por que parou.

  Quer saber o motivo? – Lourdes pegou um pano de prato e sacudiu-o pelo ar, enfurecida. ― O filho da puta do Juarez disse para eu parar com aquilo porque eu não precisava de dinheiro. Ele ganhava o suficiente por nós dois.

― Por três, na verdade, não é? – Angelina fez o comentário e se arrependeu imediatamente de ter aberto a boca. ― Não foi exatamente isto que eu quis dizer.

 

Antes que uma grande discussão acontecesse, Valentina deu um pulo do banquinho.

 

― Tia, acabei de ter uma ideia genial. Hoje é meu primeiro dia de academia. Lembra que eu descobri que abriu uma baita academia a duas quadras daqui? Vamos juntas! É isto! Você vai se distrair horrores.

 

Lourdes fechou os olhos, aborrecida.

 

― Valen, você sabe que eu odeio academia. Nem tenho roupa para isso.

― Acho que sua sobrinha teve uma ótima ideia. Vá malhar o corpo. Ficar gostosa. Tem tanto garotão bonito malhando por aí. Será que eu posso ir com vocês? Adoraria...

― Não. De jeito nenhum. Não vou. E assunto encerrado.

 

... continua


quinta-feira, 14 de dezembro de 2023

UM CONTO DE MISTÉRIO - PARTE 6

 



― Tudo bem, meninas?

 

O vizinho bonito olhou para as mulheres. Todas pareciam encantadas com aquela sua atitude nobre de salvá-las de um incêndio. Lourdes chegou a sentir uma comichão no meio das pernas.

 

― Muito obrigada – Lourdes se adiantou antes que Angelina e as outras vizinhas lhe tomassem a frente. ― Nem sei como lhe agradecer.

 

O homem a olhou e sorriu. Lourdes sorriu junto. De repente, o finado não importava mais. Estava morto de verdade. E suas cinzas iriam parar num lixão em breve.

 

― Não se preocupe com isto. Só fiz minha obrigação.

 

Uma salva de palmas interrompeu o início da conversa. Angelina, como sempre, era a mais animada.

 

― O senhor é um herói! – disse ela com os olhos brilhantes. ― A casa poderia ter pegado fogo e matado nossa amiga Lourdes.

 

Ele olhou para Lourdes. A barba por fazer lhe dava um ar ainda mais sedutor.

― Ah, seu nome é Lourdes? Eu sou Régis, estou passando uma temporada aqui na cidade.

 

Régis estendeu a mão para ela. Era uma mão morena, grande e cheia de promessas. Lourdes o cumprimentou apertando sua mão, algo que durou um pouco mais de tempo que o necessário. Quem interrompeu aquele início de flerte foi Angelina que se adiantou para agradecer também.

 

As vizinhas de Lourdes, claramente encantadas com Régis, pediram para Valentina tirar uma foto com ele, deslumbradas com aquele ato heroico. Lourdes a tudo assistiu com uma expressão de desprezo. Que bando de mulheres desesperadas por homem. Não podiam ver um que já estavam quase levantando o vestido. Angelina, simplesmente, não se dava ao respeito, chegando a convidar Régis para um chá na casa dela. Felizmente, para Lourdes, ele recusou, gentil. Bem feito.

 

Depois de fotos tiradas e devidamente postadas nas redes sociais, Régis se despediu de todas elas e foi embora, sem precisar pular a cerca. Lourdes o levou até a porta, onde se despediram amigavelmente. Quando Lourdes entrou na casa encontrou as amigas num falatório incessante. Valentina, num canto, não parava de rir.

 

― Acabou o show. Eu e Valentina estamos muito bem. Obrigada pela preocupação. Podem ir.

 

Lourdes escancarou a porta da frente e convidou:

 

― Tchau, gurias.

 

Angelina estava corada de excitação.

 

― Tem certeza que está tudo bem?

― Sim, principalmente depois que queimei todas as roupas do traste. Boa tarde para vocês.

 

Uma a uma as vizinhas foram saindo. Quando Lourdes fechou a porta fazendo uma careta, Valentina comentou:

 

― Acho que você ganhou um fã.

― Não creio. Tenho a impressão que ele só foi simpático.

― Será? Tenho minhas dúvidas.

 

Lourdes pegou um copo de água e bebeu, devagar.

 

― Não seria de todo ruim ter um vizinho deste nível aqui do lado de casa.

― Tia – Valentina riu ainda mais, adorando aquela situação. ― O tio Ju nem fez a passagem direito ainda.

― Eu quero mais que ele queime no fogo do inferno. E juro para você, Valentina, que agora vou viver os melhores anos da minha vida. Quem viver, verá.

 

... continua

domingo, 10 de dezembro de 2023

UM CONTO DE MISTÉRIO - PARTE 5

 


Um dia depois do enterro de Juarez, Lorena voltou para casa e Valentina, a sobrinha, ficou com Lourdes para lhe fazer companhia por um tempo, o tempo que precisasse. Sentada no banquinho da cozinha, magoada e traída, Lourdes observava Valen preparar, animada, bolinhos de arroz.

 

― Sabe o que eu vou fazer? – Lourdes rugiu. ― Vou desinfetar esta cozinha. Foi aqui que o encosto morreu.

 

Valentina deu uma risada.

 

― Tia, relaxa. Ele tá morto mesmo.

― Morreu de pau duro. Devia estar pensando na outra.

― Bem, só o tempo para aliviar sua mágoa. Mas pense positivo. Agora todo mundo sabe que o tio Juarez era sem-vergonha. Eu, pessoalmente, achava ele um santo.

― Santo. Santo do pau oco, aquele cretino.

 

Inquieta, Lourdes levantou e foi até o quarto em que dormiu, feliz, por 15 anos com Juarez. De forma violenta, abriu a porta do guarda-roupa e pôs para baixo todas as roupas do falecido. Depois, pegou vários sacos de lixo e jogou dentro, obstinada. Valentina fritava os bolinhos quando viu a tia passar arrastando vários daqueles sacos pretos em direção ao quintal.

 

― Tia, que merda é esta? O que você está fazendo?

― Vou tacar fogo nas roupas do traidor.

― Por que você não doa para alguma instituição de caridade? – a jovem desligou o fogo e foi atrás de Lourdes.  ― Tem tanta gente precisando...

 

Mas Lourdes não queria saber de mais nada. Sem olhar para a sobrinha, juntou alguns pedaços de madeira que estavam no fundo do quintal e os reuniu no meio do pátio. Valentina percebeu um olhar frio de psicopata vindo de Lourdes.

 

― Tia, a senhora está bem?

― Nunca estive tão bem na minha vida.

 

A fogueira foi facilmente acesa. As labaredas subiram rápidas e Valentina recuou.


― Cuidado para não se queimar, tia.

 

Lourdes não se deu ao trabalho de responder, focada na missão de incendiar as roupas do Juarez. Peça por peça, sentindo um grande prazer naquela atividade, Lourdes foi atirando as roupas com vontade, algumas vezes soltando gargalhadas sinistras. Nem reparou que a sobrinha registrava a cena com o celular, enviando fotos para que Lorena visse a que ponto ela chegara.

 

Já no final, com as chamas bem vivas, Lourdes jogou a última peça de roupa. Era uma cueca boxer vermelha. Uma cueca que, inclusive, Lourdes adorava quando o marido tirava.

 

― Que cena incrível! – berrou ela, extasiada com as chamas altas.

 

Então, o provável aconteceu. Um vento começou a soprar do nada e uma fagulha pegou em uma roupa do varal de Lourdes.

 

― Tia, a camisola tá incendiando.

 

De repente, Lourdes pareceu cair na real. A camisola que tanto amava pegava fogo. Valentina correu para pegar um balde e encher de água.

 

― Valen, as outras roupas estão pegando fogo também!

 

Valentina olhou para trás e se desesperou ao ver a cena. A tia, apavorada, tentava salvar as outras peças do varal que começava a incendiar.

 

― Fogo! Fogo! – Valentina tentou gritar, mas o pânico era tanto que a voz saiu fraca.

― Valentina, chame os bombeiros!

 

Antes, contudo, que Valentina conseguisse se mexer, um homem de mais ou menos 50 anos apareceu do outro lado da cerca. Como um super-herói, ele saltou para o quintal de Lourdes e em pouco tempo conseguiu debelar o fogo, tanto da fogueira com as roupas já queimadas do Juarez, quanto do varal. Angelina e outras vizinhas apareceram já dentro da casa de Lourdes depois de terem arrombado a porta, imaginando que tia e sobrinha estivessem presas. A situação estava sob controle.

 

E Lourdes não conseguia afastar os olhos do vizinho bonitão.

 

Quem era aquele cara?

 

 


quarta-feira, 6 de dezembro de 2023

UM CONTO DE MISTÉRIO - PARTE 4

 



As palavras de Gina caíram como um tsunami na sala mortuária. Lourdes empalideceu e precisou se agarrar na cadeira para não cair. Angelina, pálida, olhou da amiga para a mulher e fez a pergunta que todos queriam fazer:

― De qual Juarez você está falando?

Gina, imperturbável, apontou com a cabeça para o defunto.

― Deste aqui.

Devagar, Lourdes se levantou. Ninguém respirava naquele lugar.

― Deve haver algum engano. Juarez era meu marido há mais de quinze anos.

― Meu também.

Houve um “oh” que ecoou entre os presentes. Lourdes pensou que fosse vomitar. Evitou olhar para o corpo do marido ao mesmo tempo em que algumas peças soltas começavam a se juntar na sua mente.

― Você deve lembrar, Lourdes – a voz de Gina era aveludada e sedutora. ― de algumas viagens que Juarez fazia. Para você ele dizia que era a serviço.

Lourdes lembrava muito bem. A última, inclusive, tinha sido na semana anterior. De fato, Lourdes implicava com as viagens frequentes, mas não teria porque duvidar da fidelidade do marido. E quando Juarez voltava, era com os braços cheios de presentes e mais amoroso do que nunca.

― Era para a minha casa que ele ia. Não moro muito distante desta cidade.

― Ah... – fez Lourdes pouco à vontade, sentindo os olhares dos familiares e amigos sobre ela. A impressão era que um par de chifres nascia, lentamente, em sua testa. ― E o que você quer aqui? Veio fazer jus a sua pensão por viuvez?

Mas Gina não demonstrava estar disposta a brigar. Sua expressão era de dor quando retrucou:

― Não quero nada. Juarez era a única coisa que eu queria. Ele prometeu que iria se separar de você para ficar comigo. Bem, nenhuma de nós duas ficou com ele. Boa tarde a todos.

Antes de sair, Gina se inclinou sobre o caixão e beijou os lábios do falecido. Depois, tão elegante quanto entrou, saiu da sala mortuária sem dizer mais nada.

Por uns trinta segundos o local permaneceu em silêncio. Lourdes, envergonhada, tentava processar tudo aquilo. Chegou mesmo a imaginar que fosse alguma brincadeira de mau gosto. Mas, à medida que os minutos passavam, mais fios soltos se uniam e Lourdes foi obrigada a admitir que estava sendo corna há muito tempo.

― Venha, tia, senta aqui com a gente.

Branca, Lourdes sentou entre a irmã e a sobrinha, sem conseguir articular uma palavra. Angelina estendeu a ela um copo com água e açúcar quando, na verdade, Lourdes queria parar no primeiro bar e encher a cara.

O clima ficou estranho na sala mortuária. As pessoas, chocadas, se afastaram do caixão, como em protesto, e também constrangidas pela situação. Aos poucos, uma forte raiva foi tomando conta de Lourdes. Fechou os olhos e contou até cinquenta, pois a vontade que tinha era de desferir uma voadora no caixão e fazer Juarez voar longe.

Depois daquele fato, o velório transcorreu de uma maneira atípica. Lourdes se recusou a chegar perto do caixão. Quando o enterro saiu e alguns amigos seguraram o caixão para levar ao crematório, Lourdes não se aguentou e berrou:

― Quantos de vocês sabiam que o desgraçado levava uma vida dupla?

Lorena pegou a irmã pelo braço, tensa.

― Calma, Lou.

― Estou muito calma. Se estivesse nervosa, já teria eu mesma incendiado o Juarez.

Ninguém tinha coragem de falar nada. As amigas de Lourdes se aproximaram e fizeram um círculo em torno dela como se quisessem protegê-la e evitar que tomasse alguma atitude mais extrema. Durante a cerimônia de despedida, Lourdes não falou nada. Amigos fizeram alguns discursos em homenagem ao morto, mas todos eles estavam desconfortáveis. Por fim, quando o caixão foi enviado para o crematório, Lourdes não se aguentou e disparou, ferina:

― Não vejo a hora de jogar as cinzas deste infeliz no lixão da cidade.

 

... continua.

 

 


domingo, 3 de dezembro de 2023

UM CONTO DE MISTÉRIO - PARTE 3

 


O velório do Juarez parou a pequena cidade de Nova Itália do Sul. Afinal, o falecido era gerente do único banco local e conhecia todo mundo. A comoção era geral. Lourdes, depois de passar chorando a noite inteira até ficar com o rosto inchado, deixou-se ficar, inerte, amparada pelos amigos, quase sem falar nada.  a irmã, Lorena, estava presente, acompanhada de Valentina, única sobrinha de Lourdes.

Angelina circulava em volta do caixão tentando ver se a piroca do Juarez continuava em pé. A vizinha que também presenciara a cena no dia anterior lhe dera vários cutucões para Angelina tomar jeito. Era preciso respeitar o morto e a viúva. Mesmo assim, Angelina não conseguia evitar voltar os olhos para o caixão tentando enxergar alguma coisa no meio daquele monte de flores. Pobre Juarez. Até que era bem galã. Uma pena.

Já estava combinado que Valentina ficaria um tempo fazendo companhia para a tia. A casa era grande e Lourdes não conseguia se imaginar vivendo em um lugar com tantas lembranças, completamente sozinha.

― Pode deixar, tia – prometeu Valentina que andava pela casa dos 20 anos. ― Nós vamos bombar.

― Valen, pelo amor de Deus – Lorena deu um cutucão na filha. ― Sua tia mal enviuvou.

― Ah, tá! E ela vai ficar chorando pelo resto da vida? De jeito nenhum.

Naquele momento Lourdes começou a chorar de novo, momento em que um grupo de amigas se aproximou para acolhê-la em um abraço. Para um velório, até que as coisas iam normais. Discursos de despedida, choro, homenagens, um grupo de homens discutindo futebol em um canto da sala mortuária.

Então algo aconteceu. Faltava meia hora para o enterro propriamente dito acontecer, quando uma mulher alta, aparentando uns 35 anos, apareceu. Bonita, vestida de preto e com os cabelos escuros caindo pelas costas, ela caminhou até o caixão, firme. Ante os olhares de todos que estavam ali, acariciou o rosto do Juarez.

Valentina olhou da mulher para a tia, da tia para a mulher e fez a pergunta que estava entalada na garganta de todos os presentes.

― Mas quem é esta daí?

 Lourdes prontamente se pôs em pé. O rosto era uma máscara de dor. Sem olhar para ninguém, se aproximou da mulher que continuava com a mão no rosto do morto, sem dar bola para ninguém.

― Quem você pensa que é para ficar passando a mão no meu marido?

 A voz aguda de Lourdes ecoou por todo o salão. Calmamente, a mulher voltou seus olhos para Lourdes e anunciou:

― Meu nome é Gina. E Juarez era meu marido também.


... CONTINUA...