quarta-feira, 23 de março de 2022

LOUCA E VINGATIVA





Ele era o cara mais bonito que eu já tinha visto. Meu colega de trabalho. De repente, ele apareceu no meu setor para resolver um problema no sistema. Aí que eu me apaixonei. Na hora. Foi uma espécie de soco que me sacudiu e me acordou para o amor. Ou tesão. 

Seja lá o que for. Só sei que paralisei e disse para mim mesma que acabara de encontrar o amor de toda uma vida. Discreta, observei o cara arrumar a pane no computador de outro colega. Ele não olhou para meu lado. Tipo, eu era uma pessoa invisível. Depois que ele foi embora, aproximei-me do meu colega tentando catar alguma coisa.

- E então? Tudo resolvido?

- 100%. O Matheus é a fera da informática aqui na empresa.

- Ah é? Bom que tudo se resolveu.

Dei meia volta e retornei para minha mesa. Bingo. Matheus. Da área da informática. Minha caçada estava só começando.

                                                                                    *

- Dai, me apaixonei.

Daiane, minha colega e amiga íntima. Trocávamos confidências picantes. Eu adorava os conselhos dela. Alguns surreais, mas que sempre haviam dado certo.

- Opa, criatura. Por quem?

- Pelo Matheus.

- Quem é este ser?

Estávamos na copa, horário do cafezinho. Geralmente o lugar que falávamos só putaria.

- O cara da informática. Acredita que eu nunca tinha visto o gostoso aqui dentro?

- Para aí. Matheus? Ah, sim. Sei quem é. Um gato. E casado.

Meu mundo caiu. Cheguei a me engasgar. Fazia duas horas que eu conhecera o Matheus e já tinha casado e formado uma família com ele. Sim, eu era boa em criar expectativas altas e depois me ferrar bonito.

- Puta que pariu. Nem acredito.

- Deixa de ser besta, Nanda. Vai que ele não é feliz no casamento? Se houver uma brecha você entra.

- Dai, você está louca? Não vou destruir relacionamento nenhum. Não é do meu feitio.

Um movimento na porta chamou nossa atenção. Matheus nos olhava sorrindo com uma caneca vazia na mão. 

                                                                                  *

- Bom dia, garotas.

Pensei que fosse me mijar. Ai, o Matheus. Olhei o cara mais de perto. Músculos salientes, barba por fazer, olhos negros e misteriosos. Ou nem tão misteriosos assim. E simpático. Lindo e gostoso também.

Eu não consegui responder. Dai, mais descontraída, disse:

- Olá, Matheus. Vocês por estes lados? A quem devo a honra?

- Ah, é que faltou café lá em cima. Então vim pedir um pouco emprestado. Se vocês não se importarem...

- De forma alguma. Já conhece a Fernanda? Do Financeiro.

Matheus me olhou enquanto eu esboçava um sorriso. Rezei para não ficar vermelha e me trair feito uma adolescente de quinze anos. Aliás, as adolescentes de quinze anos são muito mais desinibidas que eu.

- Muito prazer.

Ele esticou a mão grande e morena na minha direção. Nem acreditei. Eu iria tocar nele. E toquei. Uma mão áspera, de macho. Gente, adorei aquela mão.

- Er... o prazer é meu.

- Colegas - Dai pegou o celular. - Alguém está me ligando. Matheus fique à vontade. A copa é sua.

Óbvio que era uma ligação imaginária. De repente me vi sozinha na copa com o Matheus. Sem assunto nenhum e com as pernas bambas. Observei-o se servir de café enquanto eu permanecia muda.

- Que café delicioso.

- Fui que fiz.

Mentira. Eu só sabia beber o café que os outros faziam. Nunca fiz café na minha vida. 

- Parabéns. Nunca bebi um café tão gostoso.

- Pode vir aqui sempre que quiser - tentei me desinibir sem parecer que estava me oferecendo. - Só me avisa e eu preparo um café para você. Especial. Meu ramal é o 233.

Falei tudo de uma vez só. Me senti a louca carente desesperada por homens. Me arrependi na hora. Que vergonha, Meu Deus.

Matheus bebeu um gole do café e me encarou. Acho que nem ele acreditou no que tinha ouvido.

- Claro, com certeza. 233? Eu ligo.

Ele se serviu de mais café  e eu não conseguia afastar meus olhos daquele corpo lindo. Imaginei-o pelado em cima de mim e me subiu um calorão. Eu precisava me controlar. Fazia 5 meses que eu não transava. Talvez isto explicasse a carência e a vontade de transar ali naquela copa mesmo.

- Bem, muito obrigado. Preciso voltar para meu setor.

- Claro. Quer meu contato no Whats? - ofereci, desesperada.

                                                                               *

Cinco minutos depois eu estava sentada ao lado de Dai. 

- Você nem sabe o que eu fiz.

- Um boquete no Matheus lá na copa?

- Passei meu Whats pra ele.

Dai se virou bruscamente na cadeira giratória e ficou de frente para mim.

- Hein? Repete.

- Trocamos nossos celulares - cochichei, exultante.

- Puxa vida, você é rápida! Mas vamos ser práticas. Qual é o próximo passo agora?

- Ora. Vou esperar ele entrar em contato comigo. Já que ele é casado fica ruim ligar para ele. Vai que a mulher esteja por perto...

- Certo. Só não crie grandes expectativas. Boa sorte, Nanda. Porque talvez você vá precisar.

Bem, eu já me sentia a pessoa mais sortuda do mundo. O cara que eu estava afim me dava bola. Que dia glorioso aquele.

                                                                           *

Esperei, em vão, por uma semana para que Matheus me ligasse. Nada. Nem tive coragem de contar para Dai o silêncio por parte dele. Cheguei a subir no setor de Informática para ver se ele estava por lá. Estava. De papo com a Priscila, a secretária gostosa do chefão. Ambos tomavam café e comiam biscoitinhos. Havia uma intimidade, um clima, sorrisos e olhares. Me senti os 3 "F": furiosa, frustrada e fudida. Não podia ser verdade. A Dai também percebeu e comentou o assunto. Tentei fazer que não me importei. Porém, em menos de uma semana, a empresa toda comentava, pelos cantos, do caso de amor entre os dois. Era demais para que eu pudesse suportar sem reagir. E então resolvi me vingar.

Certa manhã passei na farmácia e comprei um laxante. Quando cheguei na empresa esperei que a tia da copa fizesse o café e colocasse nas garrafas térmicas. Não demorou muito liguei para o ramal dele. O próprio atendeu.

- Informática, bom dia.

- Oi, Matheus. É a Fernanda, Financeiro.

- Ah, oi, Fernanda. Algum problema com seu computador?

- Não, meu computador está ótimo. É que eu fiz um cafezinho delícia e gostaria de saber se você está a fim de tomar uma caneca comigo.

A Dai escutou a conversa e se virou para mim com os olhos arregalados. Ela me conhecia muito bem e sabia que eu estava aprontando.

- Bem... pode ser. Eu... vou descer agora.

- Faça isto.

Desliguei o telefone me sentindo diabólica. 

- O que é isto, Nanda? - Dai não aguentava de tanta curiosidade.

- Nada, amiga. É só um café.

Levantei e fui para a copa. Naquele dia eu tinha colocado uma saia mais curta e um decote mais generoso. Sim, estava um pouco piranha mesmo e já tinha ganho alguns olhares a mais. Inclusive do Pedro, o gato do Marketing e que eu já descobrira que estava solteiro. Não demorou muito o Matheus apareceu. Achei ele um pouco constrangido. Já chegou com a caneca na mão, contudo eu já o havia servido de café. Café com laxante.

- Muito obrigado - ele agradeceu quando eu estendi a xícara descartável para ele. Tomou um gole, lambeu os beiços e comentou. - Ótimo. Você quem fez?

- Claro.

- Está gostoso.

- Só faço coisas gostosas.

Matheus me encarou meio sem jeito e terminou o café quase de um gole só. Eu não esperava muita coisa daquele encontro na copa. Queria apenas que ele me olhasse e talvez dissesse o quanto eu estava bonita com aquela roupa. Mas ele não disse porra nenhuma. Atirou a xícara no lixo e fez um gesto com a cabeça.

- Muito obrigada, Fernanda.

- Nanda para os íntimos.

- Valeu, Fernanda.

Ele deu meia volta e foi embora. Me senti rejeitada, apesar da minha vingança até ali estar dando certo. Dai apareceu quase em seguida com a pulga atrás da orelha.

- Alguma coisa deu errado? Nanda, você sabe que ele está de rolo com a Priscila. Pra que insistir?

- Tudo bem, Dai. Meus planos são outros.

Dai deve ter reparado na minha cara de louca vingativa.

- Eu sei que você está maquinando alguma coisa.

- Aguarde.

Voltamos ao trabalho. E eu sentei, ansiosa, esperando a comédia começar.

                                                                      *

A notícia percorreu cada canto da empresa. O Matheus teve uma dor de barriga violenta e não chegou a tempo no banheiro. Se cagou ali mesmo no posto de trabalho na frente da Priscila que vomitou no cestinho de lixo. Dizem os colegas que o fedor se espraiou pelos corredores do quarto andar e todas as janelas foram abertas para dar conta.

Dai passou a tarde toda me encarando esperando que eu confessasse o crime. Me calei. Mais tarde o Pedro, do Marketing, me convidou para dar uma volta. 

E eu fui.