quinta-feira, 25 de setembro de 2014

MENINAS MÁS (final)

Já eram três horas da manhã. Gabi resolveu descer para pegar alguma coisa para comer e eu fiquei no meu canto. Achei que grande parte já havia ido embora, pois não escutava tantos gritos. Talvez fosse hora de eu me mandar também.

De repente ouvi risos e gritinhos afetados. Bêbadas e drogadas, Sarah e Vanusa subiram na cobertura. Estavam de mãos dadas e trocaram um longo beijo próximo da amurada. Filmei tudo. Elas nem imaginavam que eu estava ali.

− Vamos voar, Vanusaaaa!

Prendi a respiração quando Sarah subiu na amurada e ficou em pé. Abriu os braços. Se ela desse um passo à frente cairia 17 andares. Vanusa achou aquilo o máximo.

− Ei, não voe sem mim!

Sem nenhuma dificuldade, Vanusa também subiu apesar de muito bêbada. Ela ligeiramente perdeu o equilíbrio, mas se firmou logo.

− Meu mundo está rodando! – riu ela.

As duas soltaram gargalhadas. Era uma cena horrível. Elas poderiam despencar a qualquer momento. Foi quando Gabi chegou.

Ela não esperava encontrar as duas na amurada, tão expostas a saírem voando direto para o inferno. Quando Sarah a viu, chamou com um tom debochado:

− Venha voar com a gente, Gabizinha!!! Você é nossa amiga! É ou não é?

As duas riram. Gabi ficou pálida e não deu nenhum passo em direção alguma.

− Somos as poderosas! – berrou Vanusa completamente louca.
− Saiam daí! – pediu Gabriela com a voz fraquinha. – Vocês vão cair.
− Ora, cale a boca sua virgenzinha de merda! Vá se foder!

Gabi se encolheu e eu saltei do meu lugar enfurecida. Saí da escuridão que me protegia e caminhei em direção a elas lentamente. As vacas ainda não haviam me visto. De repente Sarah olhou na minha direção. Fiz menção de que iria correr até a amurada e estendi os braços para frente como se fosse empurrá-las.

Sarah levou um susto e gritou. Perdeu o equilíbrio e tentou se agarrar em Vanusa. Parei imediatamente e assisti a cena patética de camarote. Vanusa dobrou os joelhos sentindo o peso da outra sobre si, totalmente desequilibrada. Dois segundos depois elas despencaram da cobertura. O grito pavoroso das duas foi ouvido por mim e Gabi até elas se estatelarem lá embaixo.

Olhei para Gabriela. Estava em choque. Eu não. Peguei-a pelo braço e disse:

− Vamos chamar a polícia.







MENINAS MÁS (parte 13)

Ficou combinado que Gabi passaria em minha casa por volta das dez horas da noite. Minha mãe estava super contente por estarmos amigas outra vez, o que não era bem verdade. Prendi o cabelo, comprei uma roupa nova e me maquiei. Eu havia dito para Gabi que não desejava ser vista nem por Sarah e Vanusa ou seria expulsa da festa. Ela me respondeu que provavelmente elas já estariam bêbadas quando chegássemos e teria tanta gente que seria fácil de eu me esconder.

O pai da Gabi nos deixou pontualmente às 23h30 na frente do belo edifício da Sarah. Ela morava no 17º andar e a vista devia ser impressionante. Eu estava com as pernas tremendo enquanto subíamos no elevador. Gabi nem reparou. Ela parecia muito contente em estar comigo de novo. Para mim nada havia mudado. Gabi continuava a traidora de sempre.

A festa era mesmo chique. Tinha um casal na porta que conferia se as pessoas tinham a fita rosa neon, o passaporte para entrar no apê. Como Gabi tinha dito, Sarah e Vanusa estavam bebendo todas. Gritos e performances faziam parte do show delas. Descobri que Mateus estava na festa. Ele me ignorou por completo e eu nem me importei. Não era meu foco.

− Eu vou lá me mostrar para elas. Depois eu falo com você.

Eu me esgueirei por trás de outras pessoas. Havia uma grande mesa com salgadinhos, doces e bebidas. Peguei um refrigerante e me afastei o máximo possível das duas.

Sarah e Vanusa mal deram bola para Gabi. Ela voltou amuada para o meu lado e não comentou nada. Aproveitei e tirei várias fotos com o celular.

− O que você está fazendo? – perguntou Gabi franzindo a testa.
− Registrando alguns momentos. Faça de conta que você não está vendo nada.

Alguns meninos se aproximaram de Gabi, mas ela os ignorou por completo. Um adolescente bêbado veio para o meu lado e eu lhe dei um empurrão. Naquele momento Vanusa resolveu fazer um streap-tease. Nem acreditei. Resolvi filmar. Antes ela cheirou uma carreira de cocaína na frente de todo mundo e foi aplaudida. Meu Deus, onde eu estava?

Gabi ficou trêmula. Me deu um beliscão no braço e disse:

− Vamos sair daqui.

Ela me levou até a cobertura. Pelo visto Gabi já conhecia bem o lugar. Nos sentamos em um canto escondido. Havia algumas pessoas ali. A maioria bêbada. Gabriela começou a chorar.

− Desculpe, Paulinha. Eu não devia ter trazido você aqui.

Sinceramente, eu não me importava mais. Já havia registrado o que eu queria e em breve daria um jeito de divulgar, mesmo que eu fosse descoberta e responsabilizada por isto.

− Tudo bem. Me surpreende você ser amiga destas vacas e se misturar com este tipo de gente.
− Não, isto acabou. É sério. Não quero mais a amizade delas. Vamos voltar a ser amigas, Paula? Juro que vou respeitar Aline e não vou ignorá-la mais.

Olhei para Gabi. Não sabia se acreditava ou não.

− Até aparecer outra pessoa mais legal que eu e você me trocar de novo.
− Não! Isto não vai acontecer nunca mais! Veja – e ela fez um amplo gesto à frente. – Este aqui não é o meu mundo. Sério, nem sei por que vim.

Aos poucos fui ficando com pena dela. Gabriela não passava de uma trouxa sem personalidade alguma. Se deixara levar por duas deslumbradas vazias e que gostavam de consumir drogas, beber horrores e tirar a roupa em público. Agora estava arrependida. Bem feito.

− Você me perdoa?
− Não sei. Vou pensar.

Ficamos por um bom tempo lá. Ora conversando, ora em silêncio. Lá de cima escutávamos a gritaria. Quem subia para a cobertura geralmente estava bêbado e nem se dava conta da nossa presença. Melhor assim.


MENINAS MÁS (parte 12)

Depois da aula eu e Aline fomos para o shopping. Já fazia uma semana da minha conversa com Gabriela e desde então ela nunca mais procurou. No entanto, Aline a flagrou várias vezes olhando na minha direção, tanto dentro da sala de aula como no intervalo. E nós duas havíamos reparado também que Sarah e Vanusa a estavam deixando de lado. Lógico que Gabi estava ansiosa para que eu a acolhesse de braços abertos. Se dependesse de mim, que esperasse deitada.

− Você escutou sobre a festa?

Balancei a cabeça fazendo que sim.

− Está todo mundo falando. Certamente seremos as únicas que não seremos convidadas.

Sarah estava organizando uma mega festa no apartamento de cobertura que morava com os pais. Ela iria se aproveitar que eles iriam viajar para aprontar todas.

− Não faço a menor questão de ir – devolveu Aline, emburrada. – Vai ter um monte de gente puxando o saco daquelas duas vacas. Inclusive Gabi.
− Será que ela vai? Está tão por baixo... Gabi só se senta perto delas porque não tem outro lugar sobrando. Nem sei se vai receber convite.
− Claro que vai. E vai postar mil fotos no Face como se estivesse muito feliz.

Rimos bastante. Rimos tanto que só fomos nos dar conta que Gabriela estava a nossa frente algum tempo depois.

− A piada deve ter sido boa – ela comentou sem jeito.

Eu e Aline paramos imediatamente de rir. Levamos um susto. Não esperávamos que Gabriela fosse aparecer do nada. Mais tarde suspeitei que ela tivesse nos seguido depois da escola.

− Ah... Oi, Gabi.

Gabriela sequer olhou para a cara de Aline. Sem dizer nada me estendeu uma fita rosa neon. Eu a segurei sem entender nada.

− O que é isto?
− O convite para a festa de Sarah.

Devolvi a fita para ela na mesma hora.

− Ei, eu não quero ir na festa daquela vagabunda.

Novamente a cara de choro. Gabi não pagava imposto para chorar.

− Ah, vamos, Paulinha. Sarah disse que eu poderia levar quem quisesse.
− E ela sabe que sou eu? Aquela puta me atirou no chão semana passada, machuquei meu pulso e você não foi capaz de me ajudar! E agora quer companhia? O que houve? Elas estão lhe dispensando?

Tive que baixar o tom de voz quando um dos seguranças passou bem devagar ao meu lado. Mais um pouco e seríamos as três retiradas do shopping.

− Desculpe, Paula. Fiquei muito surpresa com aquilo. Tanto que não reagi – ela tentou sorrir e me esticou outra vez a fita. – Pegue. Nós podemos nos divertir lá. O apartamento é grande, elas convidaram muitos garotos e nem verão você.

Uma ideia perversa começou a se formar na minha cabeça. Havia boatos que elas consumiam drogas. Beber já era comum. Mas se eu conseguisse registrar as cenas no meu celular, podia cravar com elas direitinho.

Lentamente peguei a fita. Aline ao meu lado chegou a estrebuchar. Depois eu explicaria meu plano para ela.

− A festa é quando mesmo?

Os olhos de Gabi brilharam.

− É nó próximo sábado! Vamos???
− Eu ligo para você depois.


Peguei Aline pelo braço e nos afastamos dali.

MENINAS MÁS (parte 11)

Era sábado de tarde e eu estava sem ter o que fazer. Naquele final de semana Aline havia ido viajar com os pais, o que significava que eu estava abandonada. Meus pais saíram para visitar uma tia doente e eu liguei a televisão para tentar assistir algum programa. Desliguei em seguida. Não havia nada que prestasse.

Dei um pulo quando meu celular tocou. Eu já estava meio que dormindo no sofá. Mais surpresa eu fiquei quando constatei quem era.

Gabi.

E agora?

− Alô? – nem sei por que atendi a porra daquela ligação.
− Paulinha, eu preciso muito falar com você.

Gabriela entrou rachando, quase nem me deu tempo para respirar. E parecia ansiosa. Bem ansiosa.

− O que você quer?
− Falar com você.
− Fale então.
− Me deixe ir na sua casa. Por favor – gemeu ela.

Parecia ser uma coisa importante. E eu fiquei curiosa.

− Tudo bem. Pode vir.
− Já estou aqui embaixo. Diga para o porteiro me deixar subir.

Cada dia uma surpresa. Em poucos minutos ela estava parada no meio da sala retorcendo as mãos. Não estava chorando, pelo menos ainda. Mas sua expressão era horrível.

− O que você tem para me dizer, Gabriela? – perguntei sem muita paciência.

Ela se sentou ao meu lado e pôs a cabeça entre as mãos. Me perguntei se tudo aquilo não seria um teatro.

− Acho que fiz uma baita cagada.
− Jura? Acho que você fez várias – retruquei cínica.

Gabi me encarou e a partir daquele momento comecei a acreditar que ela estava realmente falando sério.

− Eu não devia ter me bandeado para o lado delas.
− Mas não pensou duas vezes antes de acabar com nossa amizade.
− Oh, Paulinha, se você soubesse o quanto me arrependo...
               
Lágrimas vieram aos olhos dela. O papo começou a me interessar.

− E se você soubesse como eu me senti.
− Elas não são como você, Paulinha – revelou Gabi, cada vez mais torcendo as mãos. – Sarah e Vanusa são más. Sinto muito pelo seu pulso.
− Não pense que isto ficará em branco.
− Desculpe por tudo, Paula. Desculpe mesmo. Mas eu não pude resistir. Elas são super descoladas. Estão por dentro de tudo o que acontece. Festas, garotos, movimento. Eu queria mais. Queria a popularidade delas.
− Desculpe por minha amizade ser tão pouca coisa para você.

Fiquei magoada com as coisas que Gabi me disse. Ela só faltou dizer que eu não era uma garota interessante. Ela tentou se explicar:

− Nunca foi pouca coisa. Você só é diferente delas. Você… é melhor que elas.
− Se sou melhor que elas, porque você não manda aquelas vacas à merda e fica minha amiga de novo?
− Eu não consigo. Tenho um pouco de medo delas, sabe?
− Você é mesmo muito fraquinha, Gabriela – eu praticamente cuspi aquelas palavras. – Como eu sou idiota. Por alguns segundos até achei que podia lhe perdoar. Na verdade você é tão vazia quanto elas. Não quero mais voltar a ser sua amiga.

Levantei e fui direto abrir a porta do apartamento. Gabi foi atrás de mim agora chorando.

− Vim aqui me humilhar e você parece não estar nem um pouco se importando com meus sentimentos.

− E você se preocupou comigo alguma vez quando me deixou plantada no banheiro falando sozinha ou me deixando na mão para alguma prova? Você foi extremamente egoísta este tempo todo. Sarah e Vanusa são péssimas companhias e sinto pena de você por ter descoberto isto tão tarde. Agora suma daqui. Vá ficar com suas amigas, as festas, os garotos e o que mais elas podem lhe dar.

Gabi enxugou as lágrimas e saiu sem olhar para trás. Fechei a porta e me joguei no sofá. Chorei também. Talvez eu não tivesse nada mesmo interessante para oferecer a ponto de minha melhor amiga procurar outras parcerias.

Nossa, eu devia ser muito chata.


MENINAS MÁS (parte 10)

Felizmente a casa de Aline não ficava tão longe da minha e nos mandamos para lá. Nos trancamos no quarto para a mãe dela não desconfiar de nada e foi então que ela pôde me contar todos os babados que aconteceram na sala da diretora. Claro que Vanusa fez o maior fiasco e negou até o fim. Aline continuou chorando, se dizendo chocada com o roubo da gargantilha. Mas o melhor mesmo foi quando chegou a mãe da cachorra. Talvez pelo histórico da filha, a mulher não acreditou na sua versão e deu uma surra de bolsa em Vanusa na frente de todo mundo.
               
Resultado: dois dias de suspensão.

Rimos tanto que nossos estômagos doeram. Mas nem me importei. Por ora estava vingada. Mas eu queria mais.
               
*

Mais tarde, à noite, eu continuava satisfeita, quase rindo sozinha até. Antes do jantar, relaxada como há muito tempo eu não me sentia, resolvi entrar no Face. Havia uma mensagem para mim. E era de Gabi.

Ela foi direta: “vc tem participação naquilo, né?”

Não sei por que me surpreendi. Lógico que ela ficaria do lado das amigas íntimas. Respondi grosseiramente: “aprenda a andar em boas companhias.”.

Fiquei esperando uma resposta. Vi quando ela visualizou e aguardei mais um pouco. Nada. Por fim desliguei o computador um pouco receosa. Se Gabi estava desconfiada de mim, as outras também estariam. Torci os dedos para que Aline não tivesse dado nenhum furo.

*

Vanusa apareceu só na semana seguinte e eu e Aline estávamos preparadas para algum possível embate. Porém, a imbecil voltou quieta. Mal olhou para a cara da Aline e muito menos para a minha. A maioria da turma realmente achava que Vanusa havia roubado a gargantilha. E eu achava aquilo sensacional.

Percebi também que algo estava errado com Gabriela. Ela continuava amiga de Sarah e Vanusa, porém não estava mais no time de vôlei. Isto eu me dei conta pelas postagens do Face. E ela nem parecia estar mais tão feliz em ser amiguinha delas. Muitas vezes eu a flagrei olhando para mim e para Aline como se tivesse vontade de se aproximar. Nós a ignorávamos solenemente. Eu não queria mais saber de papo nenhum com ela. E adorava castigá-la daquele jeito.

Tudo ía muito calmo. Tão calmo que minhas ideias de vingança estavam se tornando um borrão na minha mente. Até que… foi tudo muito rápido. Um dia eu estava no corredor da escola, dirigindo-me para a sala de aula. De repente Sarah passou por mim e me deu um encontrão. Foi tão forte que fui parar do outro lado. Minha mochila estava mal fechada e os livros se espalharam pelo chão. Ela entrou rapidamente na sala sem sequer pedir desculpas. Meu pulso ficou roxo e tive vontade de chorar enquanto catava minhas coisas. Aline e outras colegas apareceram para me ajudar. Quando finalmente consegui ficar em pé dei de cara com Gabriela me olhando com sua eterna cara de bunda. Ela não foi capaz sequer de juntar um livro que fosse para mim.

Fui levada para o ambulatório da escola de onde saí com o pulso enfaixado. Se eu tivesse uma faca teria acabado com Sarah dentro da sala de aula mesmo. E com Gabriela também.

Em casa preferi não comentar como havia machucado o pulso. Resolvi mentir que tinha tropeçado em alguma coisa e me estatelado no chão. Caso contrário meus pais se preocupariam e certamente iriam querer tomar alguma providência junto à escola. Na verdade eu queria resolver aquela parada sozinha.

E elas mal perdiam por esperar.


quarta-feira, 24 de setembro de 2014

MENINAS MÁS (parte 9)

Antes de o sinal bater, discretamente Aline retirou a gargantilha do pescoço e colocou em cima da classe. Nós saímos juntos com os demais e fomos para o pátio. Cinco minutos antes de o sinal tocar novamente, Aline voltou discretamente para a sala e com um pedaço de papel para evitar impressões digitais jogou a gargantilha dentro da bolsa de Vanusa. Depois foi até a lanchonete onde ficou um tempo. Já eu voltei para a sala de aula no tempo normal com o coração batendo na garganta. Aline foi a última a entrar. A professora estava colocando as pastas em cima da mesa quando minha amiga deu um berro. Foi tão real que dei um pulo na cadeira.

– Minha gargantilha! Minha gargantilha sumiu!

Silêncio na classe. Eu olhei para Aline e ela estava branca e trêmula. Uma baita atriz.

– O que foi, Aline? – perguntou a professora.
– Eu deixei a minha gargantilha em cima da mesa. Voltei do intervalo e ela não está mais aqui!

A professora me olhou. Gelei.

– Você viu a gargantilha da sua colega?
– Vi, sim – respondi bem séria. – Quando eu saí para o intervalo ela estava bem aqui.
– E por que você a tirou, Aline?
– Por que eu estava com calor e ela irritou meu pescoço – Aline mostrou um vermelhão na pele. – Como eu iria imaginar que isto fosse acontecer? Foi minha vó quem me deu antes de morrer!

Aline estava histérica e a classe, calada. A professora disse:

– Vou chamar a diretora.

Em menos de um minuto a diretora estava na sala de aula. Aline aquela altura soluçava ao meu lado, inconsolável. Confesso que eu tremia de medo que algo desse errado. Se descobrissem que fosse Aline a autora daquela mentira, ela seria expulsa da escola sumariamente.

A diretora era uma mulher horrorosa em todos os sentidos. Quando ela abria a boca a gente já sabia que vinha chumbo grosso. Ela parou em frente da classe e cruzou os braços. Os óculos de armação grossa a faziam parecer mais severa. Aline, ao meu lado, fazia bem o seu papel.

– Muito bem – começou ela com aquela voz grossa. – Alguém quer confessar antes? Ou terei que tomar alguma medida mais drástica?

Silêncio. A mulher olhou para Aline e perguntou:

– O que deu na sua cabeça em deixar a gargantilha em cima da mesa?
               
Aline não se intimidou. Encarou a diretora e respondeu fungando:

– Talvez eu tenha errado. Mas errou muito mais quem a roubou de mim.

Aparentemente a diretora concordou. Olhou novamente para a turma silenciosa e perguntou:

– Quem fez isto?

Nada.

– Bem, já que ninguém vai confessar, vou ter que revistar pessoalmente os pertences de cada um.

Esperei algum protesto, mas ninguém disse nada. A diretora e a professora começaram a revista. Com o canto do olho percebi que Sarah e Vanusa estavam bem despreocupadas. Chegavam a se cutucar e rir baixinho. Até Aline teve a mochila revistada. Mas legal mesmo foi quando chegou a vez da Vanusa.

A diretora abriu a bolsa da cretina enquanto ela dava risadinhas como senão estivesse nem aí. Gracinhas que pararam imediatamente quando a diretora retirou a gargantilha e a balançou junto aos olhos esbugalhados dela.

– Você pode me explicar o que isto está fazendo na sua bolsa?

Sarah também empalideceu. Vanusa olhou para a amiga prestes a desmaiar.

– Eu… eu não sei.
– Diretora, está na cara que alguém plantou esta gargantilha na bolsa da minha amiga! – acusou Sarah.
– Cale-se ou vou levá-la você para a direção. E você – a diretora apontou para Vanusa que já estava com cara de choro. – Venha comigo.

Aline as acompanhou também e a aula recomeçou em um clima estranho. Formou-se um silêncio constrangido e o único som que se ouvia era o de Sarah bufando. Eu rezava para que minha amiga se saísse bem daquela ou eu teria que me acusar também. Ela só foi aparecer minutos antes do final da aula. Não me disse nada, apenas sentou ao meu lado. De Vanusa nem sinal.

Quando a aula acabou, saímos as duas em silêncio. Sarah passou correndo por nós tomando o rumo da direção. Continuamos caladas quando atravessamos o portão, enquanto caminhávamos pela rua da escola e até atravessarmos a avenida. Olhei de canto para Aline e a flagrei tentando segurar o riso.

− O que aconteceu lá dentro? Estou com brotoejas.

− Na minha casa ou na sua?

terça-feira, 23 de setembro de 2014

MENINAS MÁS (parte 8)

No final das contas ela acabou indo para minha casa onde almoçamos juntas. Minha vergonha foi passando aos poucos, menos a raiva que só aumentou. Felizmente Aline ficou comigo e a tarde passou numa boa. Inventamos algumas receitas de sobremesas e estávamos nos divertindo muito. Quando era aproximadamente cinco horas da tarde o interfone lá de casa tocou.

Gabriela estava lá embaixo e queria subir. Pelo menos era que o porteiro me dizia.

Acho que fiquei pálida. Aline me encarava de olhos esbugalhados, pressentindo que algo estava errado. Sussurrei para ela:

– A puta da Gabi está lá embaixo e quer subir.

– E o que você vai fazer?

Peguei o interfone e falei para o porteiro:

– Ela está proibida de aparecer aqui em casa. Pode dizer isto a ela.

 O porteiro ficou em silêncio por alguns instantes e disse meio sem jeito:

– A moça está aqui embaixo chorando.

– Chorando? – olhei para Aline.

– Chorando? – repetiu ela.

– E bastante – emendou o porteiro.

– Tudo bem… Deixe que ela suba.

– Você vai dar assunto para esta falsa?

Aline me encarou com as mãos na cintura como se não acreditasse na minha resolução.

– Você tem certeza do que está fazendo? – Aline estava inconformada.

– Quero ver o que aquela cara de pau tem pra me dizer.

Não demorou nem cinco minutos o elevador se abriu e Gabriela apareceu com a cara inchada e os olhos vermelhos. Minha intenção era falar com ela na porta, mas como a conversa poderia terminar aos gritos resolvi deixá-la entrar. Quando Gabi se deparou com Aline bem sentada no sofá com cara de paisagem levou um susto.

– O que ela está fazendo aqui?

– Somos amigas – eu respondi sem paciência. – E é melhor que você diga logo o que quer. Tenho mais o que fazer.

Gabriela ficou com ciúmes de Aline e eu vibrei.

– O assunto é particular.

– Aline, você pode esperar no meu quarto, por favor?

Sacudindo os ombros, Aline fez o que eu pedi.

– Vai, desembucha.

Enxugando uma lágrima, Gabriela disse com a voz trêmula:

– Desculpa.

– Pelo o quê mesmo? – perguntei cínica.

– Pelo que Vanusa fez esta manhã. Com Mateus. Eu… não deveria ter contado. Mas contei e estou super arrependida.

– Você fez de propósito! – acusei. – Só para se exibir para elas!

– Mas eu me arrependi!

– Não quero suas desculpas!

– Por favor, Paula! Em nome da nossa amizade!

Acho que fiquei vermelha quando escutei aquilo. Amizade? Desde quando?

– Suma daqui agora. Não somos mais amigas. Acho que nunca fomos. Você me trocou muito fácil.

Eu escancarei a porta e Gabriela arregalou os olhos como se não estivesse acreditando que eu estava a pondo no olho da rua.

– Bem, eu tentei – devolveu ela passando reto por mim. – Você vai se arrepender de ter feito isto comigo.

Ela saiu e eu fechei a porta com um pontapé. Aline saiu do quarto e veio ter comigo. Havia escutado tudo e estava abismada.

– Nunca pensei que ela fosse tão cara de pau.

 Esbravejei:

– Eu vou matar estas três!
               
 Era a segunda vez naquele dia que eu afirmava aquilo.

*

Depois daquela minha negativa imaginei que Gabriela fosse largar do meu pé. Realmente nós não tínhamos mais nada a ver. Na minha cabeça fervilhavam mil ideias de vingança. Só faltava escolher a melhor de todas.

Mas o meu corridão em Gabi não surtira muito efeito. No dia seguinte, logo depois do intervalo e antes de o professor chegar, ela surgiu de repente na minha frente. Acho que deve ter passado a noite chorando e em crise dado o tamanho do inchaço dos seus olhos. Nem me abalei. Queria que ela se explodisse e levasse suas amiguinhas junto.

– Posso falar com você?
– Não – respondi imediatamente e fazendo de conta que procurava alguma coisa na minha mochila.
– Não resolvemos nosso assunto ontem.
– E nem vamos resolver.
– Posso conversar com você depois da aula?
               
Fomos interrompidas por uma voz estridente e irritante.
– Gabizinha! Tenho uma coisa para mostrar para você. Vem comigo.

Gabi não teve tempo de reagir. Vanusa a puxou pelo braço com um solavanco e a arrastou até onde elas sentavam. Por alguns segundos até fiquei com pena. Gabriela estava totalmente dominada pelas duas. Será que ela gostava daquilo? Acho que sim.

– Você viu aquilo? – perguntou Aline sem fazer força para falar baixo. – Ela não tem vontade própria?
– Nunca vi uma cena tão ridícula – desabafei. – Morro e não vejo tudo.

Aline baixou o tom de voz e disse:

– Bolei uma maneira de cravar com uma delas.
– Jura? – fiquei animada. – Me conta!
– Aqui não. Na saída e longe da escola.

Não aguentei de curiosidade. A aula se arrastou para piorar tudo. No fim das contas, Aline foi lá para casa para que a gente pudesse ficar mais à vontade. Esquentei o almoço no micro-ondas, servi comida para nós duas e nos sentamos frente a frente.

– Fala – pedi enfiando um pedaço de carne na boca.  – Não aguento mais.
– Está vendo esta gargantilha aqui?
               
Aline apontou para uma bela gargantilha que enfeitava seu pescoço. Eu já havia reparado nela. Era simplesmente linda.

– O que tem ela?
– Vamos fazer com que apareça dentro da mochila da Vanusa. Ou da Sarah. Gabi? Qual você prefere?

Quase me engasguei. Aquela ideia era demais. Mas e a logística?

– Você quer acusar alguma delas de roubo?
– Não é uma boa ideia?

Acho que meus olhos deveriam estar brilhando. Mesmo assim fiquei com um pouco de medo.

– Mas como faremos isto?
– Simples, já pensei em tudo. Eu deixo a gargantilha sobre minha mesa quando sairmos para o intervalo. Antes de a turma voltar, eu chego primeiro e a escondo ela na mochila de uma delas. Saio e volto com o resto da turma e faço o maior fiasco que a gargantilha sumiu. Lembra aquela vez que sumiu uma caneta da professora de matemática e a diretora revistou mochila por mochila? Bolsa por bolsa?
– Será que vai dar certo?
– Claro que vai. Só temos que tomar cuidado para que ninguém me veja.
– Você que fará tudo?
– Deixa comigo. Mas afinal, você prefere foder com a vida de quem?
– Ah, pode ser da Vanusa mesmo. Foi ela quem contou tudo para o Mateus.
– Então ela que me aguarde.

Nós rimos feito loucas. Eu mal podia esperar pelo dia seguinte.