sábado, 25 de dezembro de 2021

FESTA DE CONFRATERNIZAÇÃO DA FIRMA

 


Festa de confraternização da firma. Odeio.

Amigo oculto. Alguém me ajude.

Eu trabalhava no Departamento Financeiro de uma grande empresa. Nós éramos cerca de vinte pessoas coabitando o mesmo local. Gente chata, metida e arrogante. Só me dava bem com a tia da limpeza.

Por mim podiam todos se explodir os 365 dias do ano.

Aí, a imbecil da secretária do Diretor inventou uma festa de confraternização de final do ano. Pensei seriamente em mandar todo mundo à puta que pariu e não participar. Para piorar a situação, a infeliz inventou de fazer um “amigo oculto” para incentivar a interação entre os colegas.

Sério. Eu não estava nem um pouco disposta a interagir com aquele povo. Mas não teve jeito. Sucumbi. Não fui forte o suficiente para bater pé e dizer que não queria participar daquela palhaçada. De repente, meu nome foi parar dentro de um saquinho cor-de-rosa junto com os nomes dos outros colegas. Cada um de nós enfiou a mão dentro do saquinho cheio de micróbios e pegou um papelzinho. Rezei para que eu pegasse meu próprio nome. Mas minhas preces não foram suficientes. Quando abri o papel, cheio de vírus e micróbios, me deparei com o nome do estagiário. Nada contra os estagiários, com exceção dos de lá que são completamente do mal.

A merda é que o estagiário em questão era o filho do Diretor.

Antônio, mais conhecido como Toninho. Um idiota. No seu primeiro dia de estágio colocaram o cara pra trabalhar comigo. Eu seria a supervisora dele. Não durou dois dias nossa convivência profissional. Vadio, debochado e burro, avisei para quem quisesse ouvir que era eu ou ele naquele Departamento. Achei que seria a grande chance de eu ir embora para outra área da empresa. Mas a solução que encontraram foi deslocá-lo para trabalhar com outro colega, igualmente vadio, debochado e burro. Se deram bem.

E então, em pleno final de ano, descobri que o Universo estava contra mim. O Toninho era o meu “amigo oculto”. Pensei em dar a ele uma coroa de flores e um plano com dez parcelas pagas no Jardim da Paz. Mas achei, também, que poderia ser presa por pensarem que eu estivesse planejando um possível homicídio. Desisti. Mas se ele caísse daquela moto trocentas cilindradas e se quebrasse inteiro eu até aplaudiria sentada na minha cadeira tomando meu chá de hortelã.

O presente que ele pediu até que não era nada demais. Uma agenda de uma marca famosa cheia de frescura. Mas, quando eu fui na loja comprar, descobri que a porra da agenda custava mais de R$ 300. Tive um surto psicótico, briguei com o vendedor (pedi desculpas depois roxa de vergonha) e comprei outra da mesma marca por R$ 50. E era isso. Não era do meu feitio gastar dinheiro com homem. E muito menos com um inútil de 20 anos que nem bater uma sabia fazer direito.

E chegou o grande dia. O dia da confraternização, da falsidade, dos sorrisos congelados e dos tapinhas nas costas. Menos eu porque não sou hipócrita. Permaneci com a mesma cara de bunda habitual. Mal provei os salgadinhos e os docinhos. Depois de fazer dieta o ano inteiro, não seria uma confraternização dos infernos que poria abaixo todo meu esforço. Meus colegas que engordassem. E implodissem de tanto comer.

Começou a entrega dos presentes. Cada um tinha que subir em um palco improvisado e falar sobre seu amigo oculto. Só falsidades. E o Toninho eu não via em lugar nenhum, o que era ótimo, pois isto dispensava o abraço fingido que eu teria que dar nele.

Porém... não chegava minha vez nunca. Cada amigo oculto revelado chamava o outro e assim por diante. Até que sobrei. Eu e o Toninho. Na ausência do imbecil, subi até o palco onde sem me estender, confirmei o que aquela altura todo mundo sabia. Quem recebeu o presente por ele foi o pai, meu Diretor. E foi o próprio quem fez o favor de me dar o presente que o Toninho havia comprado pra mim.

Bem, eu não pedi grandes coisas. Só um estojinho de maquiagem para disfarçar minha cara de cu toda vez que eu colocava os pés naquele lugar. E nem era caro. Só pelo formato da embalagem já vi que eu não ganhara o que pedira. Rasguei sem muito cuidado o papel que embrulhava e me deparei com cinco caixinhas de incenso.

Escutei um “oh” na sala. Não sei se era um “oh” de pena ou um “oh” tipo, “bah que presente original.”. Só sei que me possuí. Olhei em volta com os incensos na mão e perguntei em alto e bom som:

— Alguém interessado em defumar sua casa? Isto aqui não me serve nem para sentar em cima.

Silêncio. Meu chefe, pai do Toninho, pigarreou. Eu continuava possuída. Peguei de volta a agenda do Toninho que estava nas mãos do seu progenitor e devolvi os incensos.

— Diga para o Toninho enfiar onde ele achar mais gostoso.

Dei as costas, peguei minha bolsa e fui embora. No outro dia amanheci no RH da firma para pedir demissão antes que meu Diretor fosse mais rápido.

E fui feliz para sempre.


sexta-feira, 17 de dezembro de 2021

A VIDA SABE SER CRUEL


Ele puxou o cabelo para trás e eu tremi. De tesão, paixão, amor. Era algum destes sentimentos ou todos misturados num bolo só. Fazia nem 10 minutos que eu o conhecera e já estava apaixonada. Será que era normal uma coisa destas? Se eu ainda fizesse terapia minha psicóloga diria que eu estava sofrendo de um surto de carência. Mais um.

Eu nem sabia o nome dele. Mas não precisava. Me perdi naqueles olhos negros e naquela pose autoconfiante. O jeito de ele andar me fascinou. Onde ele estaria durante todo aquele tempo? Por que a vida não o trouxe antes para mim.

Por que, meu Deus?

Sei lá, ele parecia ter uns 25 anos, 30 anos. Eu, quase 70. Resolvi ir embora. Levantei do banco da praça, me firmei na bengala e desapareci.

A vida sabe ser cruel.


domingo, 14 de novembro de 2021

A COISA

 



— Amor... Que barulho é este?

Álvaro levantou a cabeça perdido debaixo da camisola sexy da esposa. Não, ele não queria perder a concentração. Talvez fosse só o vento lá fora ao redor daquele chalé escondido na serra.

— Não é nada, benzinho. Relaxa.

Tatiane bem que tentou. Sentiu a língua do marido entre suas pernas e fechou os olhos. Ah, estava tão gostoso... Mas havia algo do lado de fora do chalé que não a deixava desfrutar daqueles momentos com Álvaro.

De repente, o ruído esquisito aumentou e cessou quase no mesmo instante. Tatiane sentou na cama, se desvencilhou do marido e apontou um dedo trêmulo para o lado de fora do chalé.

— Amor, tem alguma coisa rondando a casa.

Álvaro suspirou. Aquela viagem havia sido planejada há um mês. A vida atribulada dos dois, cheia de compromissos profissionais havia esfriado um pouco a relação. O final de semana na serra era muito esperado por ambos. E agora... um ruído qualquer, muito provável que fosse o vento, perturbava a esposa.

Será que Tati não queria transar e inventara uma desculpa ridícula daquelas?

— Tudo bem – Álvaro levantou de um salto. Iria resolver o problema, se é que havia algum, e voltaria para terminar o que tinha começado. — Eu não demoro.

O homem deu um rápido beijo em Tati e desapareceu porta afora. Ela se aconchegou no cobertor e esperou o marido, tensa. O coração, acelerado, não era por causa do sexo quente interrompido pelo meio.

Um grito, praticamente um urro, menos de um minuto depois, fez Tati se encolher. Ela olhou atarantada em direção à porta esperando que Álvaro voltasse.

Mas... o grito era dele!

— Álvaro!

Tatiane jogou o cobertor quentinho para o lado e saiu da cama sem se lembrar de pegar um agasalho. De camisola, sentiu o vento rodopiar ao seu redor enquanto atravessava a sala. O silêncio dominava o lugar.

— Álvaro – gritou ela de novo. Não houve resposta.

O coração de Tati apertou. Talvez fosse uma brincadeira dele. O marido era de pregar peças, dar sustos, coisinhas que a irritavam muito. Por alguns instantes ela se convenceu que era aquilo mesmo. Mais uma brincadeira infeliz de Álvaro.

Tati abriu a porta do chalé. O vento a atingiu em cheio, frio, porém ela não deu muita importância.

— Amor! Onde você está?

Nenhuma resposta. Tati, apesar do frio que congelava sua pele, atravessou a varanda. O chalé ficava no meio do nada, alugado para justamente o casal passar momentos íntimos e privados. Agora, contudo, Tatiane se sentia arrependida de não haver nenhum vizinho por perto. Com as pernas trêmulas, de frio e medo, ela deu a volta na casa, sentindo a relva úmida lhe gelar os pés. O vento fazia barulho e aquilo a irritava. Os nervos começavam a ficar a flor da pele. Um barulho no bosque ao redor lhe arrepiou os cabelos. O mesmo som. Passos. Um uivo. Não era... humano.

Ela pensou seriamente em voltar para casa, pegar o celular e tentar chamar a polícia. Depois lembrou que não havia sinal naquele maldito lugar e, se Álvaro não aparecesse, significava que ela estava completamente sozinha. Mesmo assim, Tati foi parar na piscina, atrás da casa.

E deu um grito que ecoou pelo espaço.

 

*

 

O corpo de Álvaro boiava na piscina. A água, escura pelo sangue. O pescoço do homem estava aberto e seus olhos, arregalados, fitavam o céu estrelado. As pernas de Tati dobraram e ela quase caiu. Contudo, não teve tempo de sequer de desmaiar ou chorar sua dor. O som dos passos e galhos quebrando aumentou de forma considerável.

A única alternativa possível era fugir. E foi o que ela fez. Tati deu meia volta e correu até o portão. Dali eram cinco quilômetros por uma estradinha de terra até chegar a uma rodovia. Depois mais quinze minutos de carro até a cidade mais próxima. Ou seja, Tati sabia estar em maus lençóis. Abriu o portão com um puxão e machucou as mãos. Nem se deu conta que os dedos sangravam. A estradinha estava mal iluminada pelas estrelas, agora encobertas por uma nuvem infeliz. Não tinha coragem de olhar para trás. Passos pesados a alguma distância eram possíveis ouvir. Tati corria o mais que podia, contudo sabia ser um alvo fácil. A coisa que assassinara seu marido parecia estar prestes a terminar o serviço com ela própria. Restou entrar bosque adentro, se embrenhar pelo meio da mata para, quem sabe, despistar a coisa.

Sim, porque não era humano quem quase decapitou Álvaro. Só podia ser um monstro que já tinha escolhido quem seria sua próxima vítima.

Porém, entrar no bosque para se esconder da coisa logo não se mostrou uma ideia tão boa assim. Aliás, para aquele caso não existiam boas soluções. Enquanto corria, atarantada, com galhos batendo no rosto e tropeçando nas raízes das árvores imensas, Tatiane se deu conta que a coisa deveria muito bem conhecer todos aqueles caminhos, trilhas e esconderijos dali. Portanto, não adiantaria de nada se embrenhar pela mata escura. A coisa logo a encontraria. Tati continuou correndo, caindo e se levantando. Decidiu que lutaria até o fim pela sua sobrevivência. Era isso que Álvaro esperava dela.

Os passos atrás de Tati aumentaram de intensidade. Um ronco, uma coisa bufando, não parecia estar tão distante assim. Cada passo seu era um castigo para os pés nus. Galhos quebravam próximo dela, a respiração era forte daquilo que a perseguia. Tati já não tinha força para gritar (não adiantaria nada, ela sabia), e o ar lhe faltava. Cada vez que se enfiava mata adentro sabia que suas chances de sair viva diminuíam. Mas qual a alternativa? Parar? Esperar a coisa lhe comer viva?

Não. Apesar das dores nos pés, do rosto arranhado pelos galhos e do peito arfante, Tati seguiu correndo como se tivesse asas nos pés. Até que tropeçou numa raiz grossa e caiu no chão, rolando duas vezes.

Não teve tempo de sentir mais dor. Mas, sem conseguir ficar de pé, ligeiramente estonteada, Tati andou de quatro por alguns metros. Não tinha forças para levantar. A coisa se aproximou a ponto de ela sentir um hálito quente bem perto da sua orelha.

O pânico se instalou de vez. Tati se voltou bruscamente e com os olhos e o punho da mão fechados, acertou alguma coisa, algo duro que, em seguida, tombou. Tati abriu os olhos, já recuando, sentada no chão. Um homem de cabelos louros, aparência simples e jovem, a encarava com os olhos arregalados, massageando a testa machucada.

— Quem é você? – finalmente Tati conseguiu articular as palavras. — Foi você quem matou meu marido?

O cara ficou de pé. Era franzino e com ar perdido. Não teria força para dar um empurrão em Álvaro, que havia sido um homem forte. Não. Definitivamente, aquele rapaz não era a coisa.

Ou era?

— Venha, moça – ele estendeu uma das mãos calejada pelo trabalho duro. O som dos passos trepidantes havia passado. O bosque, então, mergulhara num estranho silêncio. — Venha comigo. Prometo que estará a salvo a partir de agora.

... CONTINUA...


sábado, 6 de novembro de 2021

JUVENAL, O GATO






Dia de sol, brisa fresca. Preguiça. Tédio. Bocejos. Juvenal me olhou com cara de enfado quando peguei a coleirinha azul e balancei na frente dele.

— Chega de palhaçada, Juve. Vamos passear, você precisa emagrecer.

O olhar do meu gato fez com que eu me sentisse um humano inferior. Não que isto me chocasse. Na verdade, eu já estava bem acostumado com aquele ar de superioridade do Juvenal. Típico.

Coloquei, meio que à força, a coleira no pescoço do meu gato preto e rebelde, e abri a porta de casa. Seria só um passeiozinho. Não entendi porque o Juvenal mordeu minha canela quando eu o coloquei no chão do jardim. 

Juvenal sempre foi temperamental.

Começamos nossa lenta caminhada a lugar nenhum. Não havia ninguém na rua ou algum cachorro que pudesse desafiar o Juve. Quer dizer, se algum cachorro ousasse avançar no meu gato, o resultado seriam arranhões e rosnados. Muito corajoso o Juvenal. Eu, nem tanto.

Eis que lá na esquina dobrou ela. A Grazi. A garota mais bonita da rua. A mina que eu era apaixonado platonicamente desde a minha adolescência. Óbvio que a Grazi nunca olhou para a minha cara. Bem, isso nunca me impediu de flertar com minha musa, ainda que o flerte fosse unilateral. De qualquer forma, o sangue correu mais rápido pelas minhas veias quando me deparei com a Grazi vindo pela rua com aquela microssaia jeans e blusinha de alcinha. O cabelo loiro descia ondulado pelas costas e, puxa... Grazi estava linda.

Ela não me viu. Pousou os olhos no felino e soltou uma exclamação de prazer. Um gato! Se havia algum humano por ali, juro que Grazi sequer reparou. Ela se aproximou, quase saltitante, e se agachou praticamente aos meus pés. Soltou um "boa tarde, coisinha mimosa" ainda sem olhar para mim, encantada com o Juvenal.

Meu gato tinha bom gosto. Puxou ao papai. Quando sentiu as mãos macias dela percorrendo o seu pelo negro, se atirou no chão de barriga pra cima e soltou um miado. Morri de inveja do Juve. Eu queria falar alguma coisa mas, simplesmente, não tinha assunto. Mas o Juvenal tinha, miando para Grazi, aparentemente, encantado.

— Quanta carência! - exclamou ela.

— Ah, estou carente mesmo - concluí, feliz por, enfim, conseguir entabular um papo.

Grazi voltou seus lindos olhos verdes para mim. 

— Estou falando do gatinho.

Devo ter ficado vermelho.

— Exatamente. Ele é muito carente. 

— Ah... - fez Grazi e voltou seus olhos e sua atenção para o Juvenal.

— Você tem gatos? - perguntei, desesperado para falar alguma coisa útil. 

— Aham - a resposta saiu solta. O Juvenal era o centro das atenções. Eu era um mero humano sem graça, quase invisível.

— Qual seu nome? - ela perguntou.

Finalmente.

— Eduardo.

Ela olhou de novo para mim e ficou em pé.

— O nome do gato é Eduardo?

Talvez ainda eu estivesse vermelho do mico anterior.

— Você também pode chamá-lo de Dudu.

— Certo. Belo nome. 

Ela olhou para baixo, se agachou e fez mais um carinho na cabecinha feliz do... Eduardo.

— Até outra hora, gatinho lindo - Grazi então me olhou, fez um sinal com a cabeça e foi embora.

Eu fiquei no mesmo lugar pensando se deveria chegar em casa e anunciar para minha família que a partir daquele meu momento meu nome passava a ser Juvenal.

Mas podem me chamar de Ju. Fica mais carinhoso.


 

domingo, 31 de outubro de 2021

A ILUDIDA

 



Pobre da mocinha, tão iludida.

Só porque o cara visualizava todos os seus stories, ela achava que o bonito estava apaixonado.

A bobinha já sonhava com um encontro, namoro, Natal em família e casamento.

Tudo tão bonito.

Ah tá, a iludida era eu mesma.

segunda-feira, 27 de setembro de 2021

PARA O DIA NASCER FELIZ



SEJA SEU MELHOR AMIGO

CONECTE-SE COM O UNIVERSO TODOS OS DIAS

DIGA PARA SI MESMO QUE TUDO É POSSÍVEL

E QUE AS AMARRAS QUE LHE TRAVAM SÓ EXISTEM NA SUA MENTE

MELHORE SUA POSTURA E OLHE SEMPRE PARA FRENTE

O HORIZONTE É O CAMINHO A SER SEGUIDO

E ELE PODE ESTAR MAIS PERTO DO QUE VOCÊ IMAGINA

O CÉU É O LIMITE?

MAS VOCÊ PODE MUITO MAIS

VOE COM AS ÁGUIAS

MANTENHA-SE FOCADO

A VIDA PASSA RÁPIDO

E O MEDO É APENAS UMA SENSAÇÃO

quarta-feira, 21 de abril de 2021

MELHORES AMIGAS

 


Não que eu me importasse muito.

Ok, eu me importava sim. Na verdade, aquilo estava me consumindo por dentro. Ela era amiga de todo mundo. Menos de mim.

Quando Giovana entrou na escola quase na metade do ano letivo, ela logo chamou atenção dos meus colegas. Pudera. Giovana era linda. Pele bronzeada, cabelos muito louros. Simpática, comunicativa. No início, algumas meninas ficaram com inveja. Não demorou muito. Logo Gio conquistou a todos com seu carisma. Eu fiquei de fora. Eu, a excluída. Giovana não se dava nem ao trabalho de olhar para a minha cara. Credo, eu nem era tão feia assim. Só um pouco... estranha.

Mas, logo que ela entrou para a escola, eu, muito tolinha, achei que ela seria minha amiga. Minha melhor amiga. Havia um lugar vago ao meu lado (ninguém queria sentar comigo) e Giovana sentou ali. Tentei puxar conversa com ela, ansiosa em agradar. Naquele primeiro dia, meio perdida ainda, Giovana até me deu atenção. Me senti o máximo quando fomos à cantina juntas, no intervalo. Bem, não me importei muito quando percebi que tudo o que eu falava Giovana parecia não escutar. Tudo bem. Ela estava comigo e meus outros colegas estavam vendo que Giovana era minha amiga. Apesar de ela não parecer tão à vontade andando ao meu lado, pensei que fosse por ser seu primeiro dia. Voltei para casa contente. Fiz até um bolo de cenoura com cobertura de chocolate para presenteá-la no dia seguinte.

O dia seguinte chegou e com ele todas as decepções possíveis. Giovana rapidamente fez novas amizades e foi sentar do outro lado da sala. Comi a fatia do bolo no intervalo, sentada num canto do pátio. Engoli o bolo e minha frustração. Eu já devia esperar que aquilo fosse acontecer.

Os dias e as semanas passaram. Giovana nunca mais olhou para minha cara. Nem para me cumprimentar. Da mágoa, eu passei para a raiva e o rancor. Por que ela não podia ser minha amiga? O que ela tinha a mais que eu? Beleza? Simpatia? A vontade que eu tinha era de atirar uma pedra bem no meio daquele rosto de boneca e deixá-la tão feia quanto uma bruxa. Nossa, se minha mãe soubesse nas maldades que me vinham à mente, certo que iria me levar a um psiquiatra.

A gota d’água aconteceu durante a aula de Educação Física. Sempre odiei. A professora inventou um jogo de vôlei e cheguei a sentir um frio na barriga. Eu era péssima em esportes. Não queria jogar. Os times começaram a ser escolhidos e... adivinhem. Ninguém me queria. A professora me colocou, na marra, no time da Giovana. Ela era a capitã e fez cara feia quando me viu na sua equipe. Aquilo me doeu. Depois da dor, veio a raiva. Tentei me controlar. Ia ficar chato se eu perdesse a razão.

Só sei que dei azar e errei três bolas seguidas. Que fiasco. Na quarta vez quando me preparei, desajeitada, para receber a bola com uma manchete, levei um empurrão da Giovana e caí sentada na quadra, ralando as mãos no chão. O jogo continuou. Ninguém se importou comigo e nem devem ter se dado conta quando levantei, possuída pelo capeta.

Toda a fúria que eu acumulei durante aqueles meses subiu pelo meu peito, incontrolável. Bem, talvez eu não estivesse a fim de me controlar. Me aproximei a passos firmes da Giovana. Alguém a alertou e quando a cretina se voltou encontrou minha mão cerrada bem no meio daquele nariz perfeito.

Peguei sete dias de suspensão e um convite para procurar outra escola. Meus pais ficaram loucos. Eu vibrei. Soube, mais tarde, que o nariz de Giovana ficou levemente torto. Parece que um ou dois dentes ficaram prejudicados também.

Eu só queria que ela fosse minha amiga.




segunda-feira, 19 de abril de 2021

MELÂNIA NÃO ERA DO TIPO QUE DESISTIA


Ele sempre passava no mesmo horário. Cinco horas da tarde. Todos os dias, Melânia colocava seu melhor vestido, prendia o cabelo vermelho de um jeito diferente, passava perfume. Quinze minutos antes de ele apontar na esquina, a jovem de 16 anos se postava na janela, esperançosa, sorridente, altiva. 

Mas quem era "ele"? Domênico. Alto, magro, barba bem feita, elegante. Advogado recém formado, 25 anos. Um bom partido, como já dissera o pai de Melânia. As menininhas da cidade ficavam faceiras e se cutucando quando Domênico surgia na calçada. Com Melânia não era diferente. Sonhava com ele todas as noites e de dia também. Não contara a nenhuma das suas amigas o quanto desejava Domênico. Afinal, parecia que Domênico habitava o coração de todas elas. E mais: o bonitão também chamava atenção das mulheres mais velhas.

E naquela tarde de sol, Domênico dobrou a esquina com seu passo firme, a expressão do rosto suave e tranquila. Cumprimentou os passantes que faziam questão de lhe dar uma palavrinha. Melânia se aprumou na janela, ensaiou o melhor sorriso, Domênico já vinha chegando. Ah, se ele a olhasse nem que fosse uma vez... Não que se contentasse com pouco, mas poderia ser o início de um grande amor, uma linda história.

Melânia ficou com o sorriso congelado no rosto bonito quando Domênico passou sob sua janela sem sequer se dar ao trabalho de olhar para o lado. O coração da moça se quebrou, mas ela não podia se dar ao luxo de mostrar sua decepção. Na calçada da frente, Dona Chica, a florista, observava-a com atenção. Ah, não, pensou Melânia, preocupada. Esta velha fofoqueira não pode perceber o tamanho do meu desencanto. 

Então, Melânia forçou mais ainda o sorriso e abanou freneticamente para Dona Chica. Sim, tudo estava bem naquela tarde ensolarada de outono. Domênico já ia longe, despreocupado, sem jamais saber que para trás deixara uma menina apaixonada com lágrimas aprisionadas. 

Mas Melânia não era do tipo que desistia. 

Um dia de cada vez.

sexta-feira, 1 de janeiro de 2021

A SUICIDA


                Larissa pegou a mão de Mel e saíram escondidas da aula de Educação Física. Faltava pouco para terminar o turno e já anoitecia. As duas odiavam fazer qualquer tipo de exercício.

                Mel quase caiu no corredor deserto da escola quando ambas fizeram a curva correndo. Lá no fundo ficavam os banheiros.

                — Preciso retocar o batom – Larissa riu do tombo que Mel quase levou. — O Rodriguinho já deve estar lá na frente.

                — Não era mais fácil você arrumar um namorado da mesma escola?

                — Tenho culpa se o cara mais gato do Brasil gosta de mim e estuda do outro lado da cidade? Ah, amiga, ele é um amor...

                Mel olhou para frente. Já estavam perto dos banheiros, mas, aparentemente, não havia mais ninguém por ali.

                — Nossa – comentou Larissa. — Cadê todo mundo?

                — Estão matando aula. Tipo nós.

                — Estranho.

                O banheiro feminino estava vazio. Mel empurrou a porta com um pé e as duas amigas entraram rindo, despreocupadas. Uma menina de cabelos loiros estava agachada em um dos cantos. Vestia uma roupa branca, solta no corpo e escondia o rosto entre os joelhos. Larissa puxou Mel para trás assim que se deparou com a moça.

                — Mel, olha...

                Mel estacou no mesmo instante, assustada. Nenhuma das três garotas falou qualquer coisa, contudo era palpável a tensão que pairava no ar. Larissa olhou para Mel e perguntou, baixinho:

                — Quem é?

                — Sei lá – a resposta foi no mesmo tom.

                A garota desconhecida se mexeu. Primeiro os pés, depois as mãos. Lari e Mel sequer respiravam. Assombradas, viram quando a garota levantou a cabeça, devagar, e as encarou. O rosto pálido ao extremo, os olhos fundos, uma expressão de tristeza imensa.

                Mel foi a primeira a dar o berro:

                — É a Clau! A suicida do banheiro.

                Na desesperada tentativa de sair do lugar o mais rápido possível, as duas amigas se embolaram e caíram no chão. Mel torceu o pé e Larissa, em pânico, tentou levantar a amiga.

                — Depressa, Mel!

                Clau ficou em pé sem nunca tirar os olhos das duas. Mel berrou, desesperada, se agarrando nas pernas de Larissa. As luzes do banheiro começaram a piscar.

                — Ai, meu Deus! – Larissa gemeu. — É a Clau mesmo! Aquela que se matou enforcada por causa do Leandro!

                Clau deu dois passos para frente. Uma porta bateu ao longe. Larissa envolveu Mel pela cintura e a arrastou para o lado de fora do banheiro. As luzes do corredor piscavam sem parar. Um vento soprou vindo do nada.

                — Ela vai nos matar, Lari!

                Mel pulava em um pé só agarrada na amiga, ambas já no corredor. Nenhuma tinha coragem de olhar para trás.

                — Será que era a Clau? – a voz de Larissa tremeu.

                — Claro que era. Eu me lembro dela antes de...

                Mel preferiu não completar a frase.

                — Que droga – Larissa praguejou. — Não tem ninguém nas salas. Ninguém para nos salvar. Parece que não vamos nunca alcançar o pátio.

                — E se ela matou todo mundo?

                Larissa se perturbou com a pergunta de Mel e tropeçou. Desequilibrada, caiu no chão levando junto a amiga. Lá no fundo do corredor, na porta do banheiro, Clau as observava. Mel se moveu sentada no chão recuando alguns centímetros.

                — Ela vai nos alcançar. Nunca mais vou conseguir me levantar daqui.

                Larissa ficou em pé e toda ela tremia. Esticou a mão para a amiga.

                — Isto não pode estar acontecendo. Vem, Mel, fica em pé de uma vez.

                — O que vocês duas estão fazendo aqui?

                A diretora da escola estava parada a poucos metros dela. Mel e Larissa estremeceram. Seria possível que a mulher não estivesse enxergando Clau no fundo do corredor?

                — Diretora, só fomos ao banheiro – Mel tentou se desculpar.

                — E o que você está fazendo no chão?

                Mel balbuciou:

                — Torci o pé fugindo da Clau.

                — De quem?

                A diretora colocou as mãos na cintura. Sua expressão ficou ainda pior.

                — Da Clau – Larissa suspirou. Sem olhar para trás, com medo, apontou na direção dos banheiros.

                Com os olhos, a diretora seguiu o dedo de Larissa e olhou para o fundo do corredor.

                — Você pensa que sou alguma idiota?

                Mel segurou o ar. Não sabia o que era pior. Enfrentar a diretora ou o fantasma de uma menina suicida.

                — Não, por favor!

                — Vocês falaram... Clau?

                Larissa respirou fundo e olhou para trás. Não havia ninguém defronte a porta dos banheiros. Tudo parecia muito normal.

                — Eu posso explicar...

                —Vocês não deviam estar na aula de Educação Física?

                — Eu torci o pé – argumentou Mel com um fiapo de voz.

                — Vou chamar o monitor para me ajudar com vocês duas. Já faz três anos que esta menina morreu. Esqueçam.

                A mulher se afastou. Lari e Mel permaneceram no mesmo lugar, quase sem se mexerem.

                — Lari, olha pra trás.

                — Eu? Não tenho coragem.

                — E se nós estivermos imaginando coisas?

                Devagar, as duas garotas voltaram o pescoço na direção do banheiro. Clau continuava lá.

*

                — E por que vocês acham que o Leandro vai dar a mínima para isto? Eles nem estavam mais juntos.

                Mel olhou de canto para Larissa. Ambas estavam na praça de alimentação de um shopping sentadas frente à Fabi, irmã do ex-namorado da Clau.

                — Ora, amiga – Mel controlou a vontade de acertar um soco naquela garota pedante. — Todo mundo sabe que a Clau fez o que fez por ter visto seu irmão se agarrando com a Verônica.

                — A culpa nunca foi dele – Fabi foi dura. — A Clau não teve estrutura para suportar vê-lo com outra e resolveu se matar. Bem, acho que ele deveria ter sido mais discreto.

                — Mas não foi – Larissa devolveu no mesmo tom. — Agora Clau fica vagando pela escola. Uma alma perdida.

                — Para não dizer penada – arrematou Mel.

                Fabi tomou um gole do suco de maracujá e encarou as duas amigas, curiosa.

                — Então é sério que a Clau vagueia pela escola? Quando eu saí de lá já ouvia essa história. Mas nunca acreditei que fosse real.

                — Nem nós – Mel se arrepiou só de lembrar a cena pavorosa. — O fato é que nós a vimos.

                — Vocês não estão delirando? Vocês disseram que a Diretora não viu nada.

                — Na verdade a Clau só aparece para quem quer – Larissa olhou para Fabi espantada com tão pouca empatia. — Talvez pense que nós podemos ajudar.

                — Não sabia que vocês eram íntimas da louca da Clau.

                — E não somos – Mel suspirou sem paciência.

                — Então por que ela surgiu para vocês? Meninas, vocês não tinham cheirado nada, não é?

                Larissa segurou firme o braço cheio de pulseiras da Fabi.

                — O que estamos contando é a mais pura verdade.

                Fabi puxou o pulso com alguma brusquidão.

                — Vocês querem que eu faça exatamente o quê?

                — Peça para seu irmão vir falar conosco – Mel encarou Fabi. — Ele poderá nos entender melhor do que você.

*

                Apesar de as meninas duvidarem que Leandro fosse dar alguma importância a elas, o rapaz ligou naquela mesma noite para Mel. Rápida, ela colocou o telefone no viva-voz para que Lari pudesse escutar também.

                — Oi, Mel – a voz dele não estava das melhores. — Minha irmã disse que vocês precisam falar comigo.

                — Olá, Leandro. Maravilha você ter ligado. Achei que você não gostaria de tocar no... assunto.

                — Certo. Qual é o problema?

                Mel e Larissa se entreolharam. Era nítido que Leandro não estava disposto a se prolongar.

                — Nós, eu e a Lari, vimos a Clau anteontem.

                Silêncio do outro lado da linha. Depois de alguns segundos ele perguntou:

                — Viram quem?

                — A Clau.

                — Ela morreu.

                — Sim. Nós sabemos disso. Mas… como eu disse, ela apareceu para nós.

                Foi ouvido um suspiro de impaciência e Mel achou que ele fosse desligar.

                — Vai começar esta história de novo? Já estou farto disso. Cansei de ouvir relatos que Clau anda circulando por aí.

                — Mais precisamente no banheiro feminino da escola, Leandro. Foi assustador o que eu e a Lari presenciamos.

                — Muito bem. E vocês querem que eu faça o quê? Acenda uma vela para Clau?

                Larissa abriu a boca, espantada. Não podia acreditar que Leandro fosse tão grosso.

                — Escute aqui, Leandro… – começou Mel.

                — Eu não sei se a Clau está vagando por aí. Não acredito nesse tipo de coisa. Sinto muito que tudo tenha acontecido daquela forma, mas não tenho culpa – novamente ele perguntou. — O que vocês querem que eu faça?

                — Achamos que seria interessante você ir até a escola. Talvez ela precise falar com você.

                Leandro riu um pouco irritado.

                — Não acredito. Vocês acham mesmo que eu vou conseguir algum contato sobrenatural com ela?

                — Ora, se nós conseguimos...

                — Tudo bem. Eu vou até a escola para acabar com esta palhaçada de uma vez. Quando posso ir?

*

                Uma semana depois, durante a mesma aula de educação física. As garotas escapuliram durante alguns exercícios e foram ao encontro de Leandro. Ele estava frente à biblioteca. Acompanhado.

                De longe, Mel avistou os cabelos ruivos de Verônica. E declarou:

                — Precisava ele trazer o motivo da Clau não descansar em paz?

                Verônica era uma jovem alta e bonita. Formavam um belo casal. Quando pararam em frente aos dois, Mel se sentiu uma idiota. E se a Clau não aparecesse?

                — Então, meninas – Leandro parecia constrangido. — Vamos brincar de caça-fantasmas?

                Nenhuma das duas riu. Verônica tentou emendar:

                — Leandro me contou que a Clau apareceu para vocês... É sério isto?

                — Muito sério – Mel foi firme. — Estamos preocupadas porque o fato da Clau estar vagando por aqui é sinal que sua alma não descansou até hoje.

                — Bem, a culpa não é minha – declarou Verônica. — Aliás, sinto muito por ela. Eu nem sabia que a Clau e Leandro tinham namorado quando ficamos juntos pela primeira vez.

                — Certo. Mas vamos ao que interessa – Larissa interrompeu a ladainha. — Temos que aproveitar que as turmas estão na aula de Educação Física no pátio.

                O corredor estava vazio. Ao longe, a porta dos banheiros se destacava. Leandro perguntou:

                — Foi lá que vocês a viram? – ele fez um sinal com a cabeça.

                — Exatamente – Mel deu um cutucão nele. — Vamos logo antes que a Diretora apareça e estrague tudo.

                Os quatro foram em direção ao banheiro, em silêncio. Verônica apertou firme a mão do namorado. Aquela era uma situação tão esquisita. Desde que começaram a namorar ela era bombardeada com indiretas, mensagens cifradas e pessoas falando abertamente sobre o suicídio de Clau. Era duro de aguentar. E agora as duas garotas vinham com uma história bizarra da Clau no banheiro. Os boatos de que a jovem circulava pela escola eram inúmeros, mas nunca haviam ido tão longe.

                À medida que se aproximavam, contudo, Verônica começou a sentir um mal-estar. As mãos gelaram e um suor frio escorreu pelo meio das costas. O estômago doeu e Verônica sentiu vontade de parar onde estava.

                Leandro não percebeu o desconforto da namorada e seguiu em frente, os olhos fixos na porta. Não havia acreditado nem um pouco nas meninas, mas elas foram tão insistentes que ele resolveu topar a parada para encerrar o assunto. Mas... por que à medida que se aproximava sentia os pelos da nuca ficarem em pé? A porta do banheiro estava cada vez mais perto. As luzes estavam apagadas. Olhou de soslaio para Lari e Mel. Pálidas, e de mãos dadas, pareciam à beira de um surto. Não se ouvia barulho nenhum, nem mesmo as vozes dos alunos fazendo educação física lá fora.

                Leandro parou frente à porta e as três meninas logo atrás dele. Ninguém falou e, como não queria passar por medroso, comentou:

                — No meu tempo as luzes do banheiro ficavam acesas.

                Respirando fundo, deu um passo à frente e achou o interruptor sem entrar no banheiro. Iluminada a peça, Leandro se encorajou. Deu um passo para o interior e fez uma rápida inspeção com o olhar.

                Vazio e inofensivo. Ele sentiu vontade de rir e se virou para as meninas.

                — Então, garotas. Não tem nada aqui.

                Verônica, Lari e Mel arregalaram os olhos e, sem perceber, se juntaram umas às outras. Leandro prosseguiu:

                — Não tem fantasma nenhum.

                Verônica recuou um passo, tão pálida que Leandro achou que ela fosse morrer. Caiu sentada no chão com a boca aberta querendo gritar, mas sem sair um único som. Larissa se grudou mais ainda em Mel e ambas deram um grito que reverberou na escola inteira. Leandro, então, se voltou, brusco para trás. Clau, com sua expressão fantasmagórica, encarava-o de muito perto. Leandro pensou em gritar, mas aí já era tarde demais. As três meninas testemunharam quando a porta do banheiro se fechou com um estrondo. Larissa se voltou e tentou puxar Verônica pela manga da blusa.

                — Levanta, Verônica! Temos que sair daqui!

                — Leandro – gemeu ela ao mesmo tempo em que uma vidraça do corredor explodiu. — Alguém tem que tirá-lo do banheiro!

                Lari, Mel e Verônica saíram em disparada, tropeçando e se batendo umas nas outras. A barulheira atraiu dois monitores no início do corredor. A gritaria era grande. Verônica caiu de novo.

                — Vocês precisam ajudar o Leandro! – berrou Mel. — A Clau o prendeu lá dentro!

                — Clau? – um deles perguntou. — A suicida do banheiro?

                Os homens se precipitaram em direção ao local enquanto as meninas se amontoaram em uma das paredes. Aos poucos gente começou a chegar. Professores, alunos, diretora. Todos parados no meio do corredor assistindo os monitores tentar arrombar a porta. O único som que se ouvia era das batidas violentas. A diretora estava pálida e Verônica prestes a desmaiar. De repente, lá pela décima pedalada, a porta voou para trás. Alguém gritou.

                Dentro do banheiro somente a escuridão. A diretora caminhou, em silêncio, até os monitores. Eles pareciam consternados. Tensa, a mulher olhou para dentro. Leandro, deitado no chão frio, fitava o espaço com os olhos arregalados.

*

                Um dia depois o laudo do médico legista atestou enfarte fulminante. E Clau nunca mais apareceu na escola.