sexta-feira, 24 de julho de 2015

SUSANA

  
Meu nome é Milton, tenho 40 anos de vida e mais da metade dela só de estrada. Explico: sou caminhoneiro. Herdei a profissão do meu falecido pai. Comecei na boléia aos 15, peguei no volante aos 18 e nunca mais larguei este mundo. No início, antes de eu casar, tudo era festa. Agora, com mulher e filhos, fica cada vez mais complicado andar por estas estradas, sujeito a assaltos e outras coisas mais. Se vê cada coisa estranha.…E o que vou contar agora para vocês é algo muito, mas muito estranho mesmo.

Aconteceu há mais ou menos um ano. Fiquei parado seis meses devido a um rompimento nos tendões, resultado de uma partida de futebol. Foram seis meses que se não fosse minha mulher pôr comida dentro de casa, passaríamos fome. Bem, finalmente fui liberado para pegar a estrada. Confesso que estava com um pouco de saudade. Tinha perdido contato com meus amigos caminhoneiros. A gente sente falta das conversas, das risadas, dos causos. A minha primeira viagem de retorno era pra longe. Mas eu não tinha escolha, né? Peguei minha carga e botei os pés na estrada.

Tudo transcorreu bem na primeira noite. Encontrei alguns amigos e dormi em um posto de gasolina. No dia seguinte, nada aconteceu de anormal. O caminhão estava legal, o dia bonito e as estradas daquele jeito que todo mundo sabe. Lá pelas nove horas da noite me bateu fome. E cansaço também. Parei em um posto de beira de estrada, simples. Não havia nenhum outro caminhão. Pedi um sanduíche e um refrigerante e fiquei ali, comendo sozinho, lembrando que uns cinqüenta quilômetros adiante havia um posto maior, onde eu poderia dormir com mais segurança e, certamente, haveria outros colegas para pôr os causos em dia. Quando eu já estava mordendo meu último pedaço de sanduíche, alguém apareceu na minha frente e se sentou, sem pedir licença.

Levei um susto. O restaurante estava praticamente vazio. Era eu e o proprietário, um senhor sonolento que escutava um radinho, no caixa. Para minha surpresa, eu conhecia a pessoa que sentou ali comigo. Era a Susana, irmã do meu amigo e colega, Roberto.

— Susana! Puxa, você me deu um susto! Como você está? Já casou?

Eu estava realmente satisfeito de ver Susana. Aquela moça deveria ter uns 20 anos. Eu a tinha visto nascer e crescer. Sempre fôra muito bonita. Mas naquela noite ela estava estranha. Os cabelos caiam soltos pelo vestido branco e ela não mostrava seu habitual sorriso.

— Quero que você me faça um favor – pediu ela, com a voz profunda.

Fiquei cabreiro. Aquela voz… Nem parecia ela. Reparei que havia um ferimento no seu pescoço, disfarçado pelos cabelos compridos. Respondi, meio sem jeito:

— Claro. O que você quiser… Está sozinha?
— Toma – disse ela, estendendo-me alguma coisa e sem responder minha pergunta — Leve para o Roberto e diga para ele entregar para o André.

Nas minhas mãos foi depositado um belo crucifixo de prata, com pedrinhas brilhantes. Lembrei que André era o noivo de Susana.  Olhei de novo para a moça, que me fitava intensamente. Eu teria que desviar o caminho, isto atrasaria minha viagem, mas eu não consegui recusar o pedido feito por aqueles olhos negros e tristes. Sim, os olhos dela estavam muito tristes.

— Sim, está bem. Você espera um pouco? – pedi eu — Vou pagar a conta.

Levantei e fui até o caixa me acertar. Fiz tudo bem rápido, mas quando eu me virei para ir ao encontro de Susana, ela havia ido embora. Fiquei chateado. Saí correndo até o lado de fora do restaurante para tentar alcançá-la, mas não havia sequer um sinal que fosse da menina. Bem, Roberto talvez pudesse me explicar alguma coisa. Entrei no caminhão, ainda intrigado, dirigi mais alguns quilômetros e encontrei o posto onde dormi até às seis horas da manhã. E de novo peguei a estrada, com o crucifixo de Susana brilhando no espelho interno do caminhão.

Próximo ao meio-dia, cheguei na casa de Roberto, depois de desviar por uma estrada que aumentou meu trajeto em 30 quilômetros. Felizmente, meu amigo estava em casa. A esposa havia ganho bebê e ele estava dando uma força. Roberto ficou feliz ao me ver. Ele me convidou para entrar, mas eu recusei para não atrasar mais. Depois de conversamos algumas amenidades, resolvi ir direto ao assunto:

— Roberto, na verdade vim até aqui para lhe entregar uma coisa – e tirei do bolso o crucifixo.

Quando meu amigo se deparou com a jóia, ficou muito pálido. Segurando-o firmemente, ele me perguntou:

— É de Susana! Onde você conseguiu isto?

Não sei o motivo, mas eu comecei a ficar nervoso.

— Com a própria Susana. Ontem eu parei em um posto de gasolina na beira da estrada e quando estava no final do meu lanche, ela apareceu e pediu que eu lhe entregasse isto. E que você levasse o crucifixo até o André. É o noivo dela, não é? Eles romperam?

Roberto estava tão branco que pensei que fosse desmaiar. E minhas mãos começaram a suar.

— Milton… ─ ele respirou fundo — Meu cunhado deu de presente este crucifixo para Susana. Uma semana antes do casamento, dois rapazes a assaltaram e arrancaram a correntinha do pescoço da minha irmã. O ferimento foi tão grande que ela morreu de tanto sangrar.

Aí quem quase teve um troço fui eu. Não era possível. Eu fiquei apavorado. Cheguei a estontear.

— Mas era… era ela – tentei dizer.
— Você tem certeza? – Roberto tremia com o crucifixo entre os dedos.
— Claro, claro que sim! Ela sentou a minha frente! Fiz perguntas que ela não respondeu! E reparei que Susana tinha um ferimento no pescoço e que disfarçava com os cabelos.
— Como estava vestida?
— De branco – respondi, sentindo-me enjoado.
— Ela foi enterrada de branco…


Não sei mais o que eu disse. Fiquei em pânico. Despedi-me rapidamente do meu amigo e entrei no caminhão. Não sei como consegui dirigir aquele dia e nos outros. Quando anoitecia, eu me refugiava em postos onde havia bastantes caminhoneiros. Eu me recusava a ficar sozinho. Não tive coragem de contar esta história para ninguém, a não ser para minha mulher que, felizmente, não disse que eu estava ficando louco. Um dia destes, uma moça de branco e cabelos compridos entrou no restaurante em que eu estava com outros colegas, à noite. Levei um susto, quase me engasguei. Mas não era Susana. Aquela moça estava bem viva e feliz. E no seu pescoço brilhava um lindo crucifixo de pedras brilhantes.

domingo, 19 de julho de 2015

DOMINGO

Domingo de sol, parque lotado.
Ele veio correndo na minha direção.
Torso nu, sorriso aberto, coxas torneadas.
Me apaixonei em três segundos.
Ele passou reto. O dia estava bom para se exercitar.

MEIO-DIA

É meio-dia.
Tenho fome de arroz, macarrão, feijão, batata-frita.
Me olho no espelho.
Mais um dia de alface, tomate e barriga vazia.

FUTEBOL

Domingo.
Drible, firula, torcida ensandecida.
Jogada ensaiada, raça, gols e taça.
Segunda-feira.
A minha vida continua a mesma.

terça-feira, 14 de julho de 2015