sexta-feira, 15 de novembro de 2019

POR VOCÊ






Não que me importasse.

Bem, falando a verdade, eu me importo muito, sim.

Faço de conta que não.

Mulheres empoderadas não amam. Quer dizer, em primeiro lugar amamos a nós mesmas e isto é fundamental.

Então fiz de conta que não tava nem aí.

Tudo bem ele não flertar comigo todas as vezes que cruzava por mim.

Tudo bem ele fugir de mim. Não ligo.

(Deus sabe que meu coração grita)

Nunca aceitei migalhas, nunca aceitei nada menos do que eu sempre mereci.

Mas desta vez...

Expectativas foram criadas.

Ainda que fossem expectativas rasas, elas estão ali me encarando e perguntando:

“Você não vem?”

Eu tentei ir até me dar conta que no final das contas eu iria sozinha. Assim não tem muita graça, né?

Ah, mas eu sou empoderada, sigo em frente numa boa.

Sigo mesmo e ainda bato no peito. Mas... seguir numa boa? Não.

Às vezes acho que meu coraçãozinho não é tão moderninho assim.

Ele bate mais rápido às vezes.

Por você.

terça-feira, 29 de outubro de 2019

LOVE NA ACADEMIA






Fofo. Essa foi a primeira impressão que tive do Lucas quando pus meus olhos nele pela primeira vez. Meu colega de academia, sarado na medida, risonho e carismático. Se dava bem com todo mundo. Estava sempre numa rodinha de gente batendo papo e dando risada. Aliás, eu adorava o jeito de rir dele. Era como música. Cheguei a sonhar com Lucas rindo no meu ouvido uma vez. E vocês já devem saber como eu acordei...

Só tinha um detalhe.

Ele não me dava a mínima. Nunca olhou na minha direção. Resumindo, nem devia saber que eu existia.

Mas a coisa, da minha parte, é claro, foi aumentando. Tesão, paixão, sei lá o que eu sentia por ele. Só sei que eu ia para a academia não para fazer exercícios, mas para ficar de olho nele. Se alguém mais havia percebido meu surto de loucura por Lucas, não sei. E tampouco me importava.

Eu nunca fui a mais bonita, porém sempre consegui ficar com quase todos os caras que estive afim. Lucas era o próximo da minha lista e eu já estava tão surtada por ele que imaginava como seriam os móveis da nossa casa, qual bairro iríamos morar, nome dos filhos e colégio em que estudariam. Lógico que nunca contei esta loucura toda nem para minha psicóloga. Era viagem demais. Mas eu não conseguia deixar de pensar nele nem por um minuto. E se eu não fizesse alguma coisa para chamar a sua atenção, iria implodir de tesão.

Uma noite cheguei na academia inspirada e confiante. Eu havia comprado uma calça legging colorida e que ficava bem coladinha no meu corpo. Para cima ousei colocar somente um top pink que tinha o objetivo de me fazer ser vista de longe. Eu não sou uma mulher de se jogar fora. Eu tenho o meu valor, meu corpo é legal. Por que inferno o Lucas não olhava para mim?

Abusei um pouco do perfume e fui para a esteira. Lucas estava quase ao meu lado, correndo, suado e lindo, duas esteiras depois da minha. Eu não sei correr sobre uma esteira, mas achei que teríamos assunto se fizéssemos o mesmo tipo de exercício. E lá fui eu. Aumentei a velocidade do equipamento e das minhas passadas. Fui tomada por um espírito competitivo que agora eu considero besta. A Pâmela, uma das gostosonas da academia (odeio ela), se posicionou ao lado do Lucas e ambos começaram a correr de conversinha e risada. Me irritei, fiquei furiosa. Resolvi que deveria correr mais veloz que a Pâmela para mostrar ao Lucas que eu era a melhor. Foi o que fiz. Pirei sobre uma esteira.

E caí.

De repente, me perdi nos passos, tropecei nos meus próprios pés e deslizei pela esteira até chegar no chão. Fiquei meio atordoada pois, de repente, me vi deitada no piso frio com um círculo de pessoas me olhando. Eu deveria fingir algum desmaio para me sair bem daquele mico? Um dos professores se ajoelhou ao meu lado e bateu de leve nas minhas bochechas.

— Verônica! Ei, Verônica? Você está bem? Fala comigo!

Na verdade, a única coisa que doía em mim era minha dignidade. Lucas era um dos que me observava, cara de assustado, o que muito me comoveu. Fiz um sinal de positivo. A única coisa que eu queria era desaparecer daquela academia. Consegui me sentar e aí sim, senti uma dor aguda na lombar. A única coisa que eu queria era ser abduzida.

— Você está bem? – o professor perguntou de novo. Ele estava mais apavorado que eu.
— Sim, estou – levei a mão às costas. Era provável que eu ficasse com algum hematoma. Pouco me importava com isso naquele momento.
— Eu levo você para casa – ofereceu-se ele colocando o braço sobre meus ombros.

Nunca vi um professor tão solícito. Lucas voltou para a esteira acompanhado da Pâmela. Ou seja, estava pouco se importando comigo. Voltei para casa acompanhada e lutando contra minha frustração.

Cretino.

Cachorro.

O braço protetor do professor sobre meus ombros era, de certa forma, bem agradável. Me percebi curtindo aquele braço musculoso sobre mim. E, sei lá... quando cheguei em casa eu já estava apaixonada por ele.

sexta-feira, 6 de setembro de 2019

A FÃ






Me chamavam de louca. Mas todo fã é meio doido mesmo. Eu já era apaixonada pela Brenda, pelo jeito dela, a voz rouca, a maneira de vestir e se mover. Quando eu a via no palco, nossa, eu pirava. Dançava junto no meio da sala, no pátio, qualquer lugar e sem vergonha nenhuma. Aquela voz maravilhosa era meu sonho de consumo. Só que de tanto forçar a voz rouca da Brenda, eu fiquei com dor de garganta e tive que desistir. 

E o corpo? Morria de inveja daquelas curvas, da bunda, da barriga sequinha. Foi por causa da Brenda que entrei para uma academia e comecei a fazer musculação pesada. Como sempre fui gordinha, resolvi fazer uma dieta por conta minha mesmo para ficar mais parecida com a Brenda. Resumindo: passei a viver em função da vida dela. Meu sonho era ir a um show seu, mas como moro numa cidade do interior onde nada acontece, é lógico que a Brenda nunca vai vir pra cá.

Minha tia é costureira e aí tive mais uma das minhas ideias mirabolantes. Pedi que ela fizesse para mim roupas parecidas com as que a Brenda usava. Titia não curtiu muito a ideia. Brenda era pura ousadia. No fim, ela cedeu aos meus pedidos e, com muito orgulho, eu desfilava por aí bem parecida com minha diva. Ah, alisei o cabelo também. Minhas selfies e poses eram iguais as dela.

Mas não pensem que eu era apaixonada pela Brenda. Não é isso. A Brenda é tudo para mim, porém não tem nada a ver com sexo. Tudo que eu queria era ser amiga da Brenda, daquele tipo que troca confidências e uma sabe tudo da outra. Duvido que neste mundinho louco das celebridades Brenda tivesse alguém tão próximo. Duvido mesmo.

Então um dia abri o Instagram logo de manhã cedo. Aliás, era a primeira coisa que eu fazia assim que acordava. A Brenda tinha o hábito de fazer postagens na madrugada e assim sempre tinha novidades para os fãs assim que eu abria os olhos. Havia uma postagem dela feita lá pelas três horas da manhã e que me deixou chocada: a foto dela com outra garota (linda, por sinal) em cima da cama king size, ambas entrelaçadas no maior love. Já havia milhares de curtidas e comentários. Todo mundo dando parabéns, elogiando a beleza da duas, acho que alcançou recorde de views. Gente do céu, eu caí para trás literalmente. Como assim? Como assim? A Brenda, aquela por quem eu faria tudo, qualquer coisa mesmo, tinha arranjado uma amiga... íntima? E que não era eu?

Meu mundo caiu. A Brenda tinha uma namorada. Mas eu não queria ser namorada da Brenda, queria ser uma amiga, amiga quase irmã, alguém tão próximo que pelo olhar se adivinharia tudo o que passava no coração da outra. Contudo, a Brenda escolhera outra pessoa, uma tal de Jéssica. Eu chorei. Quer dizer então que eu nunca seria amiga íntima dela? Nunca teria espaço na vida da Brenda? Que cruel.

Durante aquele dia eu não me concentrei em mais nada. Não desgrudei o olho do celular. Não consegui me focar em outras coisas. A Brenda caprichou nas postagens com a namorada. Só naquele dia foram cinco, todas sensuais, cada uma mais linda. Meus sentimentos eram muitos. Inveja, ciúme, raiva. Perdi a fome e tive dor de barriga. Meu sonho de ser alguém próximo a Brenda morreu naquele dia.

Minha confusão emocional não levou dois dias. Comecei a olhar para a Jéssica de uma maneira diferente. Ora, para a Brenda tê-la escolhido era porque a garota devia ser muito especial, querida, doce, além de muito linda. Me encantei com ela também. Comecei a segui-la no Instagram e postei várias coisas elogiando as duas, shippando mesmo as meninas. Fui ao céu e voltei dez vezes quando a Jéssica curtiu um comentário meu. Minha vida adquiriu novo sentindo. Brenda e Jéssica passaram a ser minhas duas melhores amigas. Não importa a distância. Elas são tudo para mim.

Eu quero ser como elas.


quarta-feira, 17 de julho de 2019

A BRUXA (conteúdo erótico)








A mãe de Eyleen terminou de preparar uma cesta grande com várias frutas, pães e um pote de mel. Obediente, a garota aguardava ao lado da mesa a mãe colocar um pano por cima dos quitutes. Finalmente chegara a hora que ela mais esperava. O grande dia da visita à avó. Linette vivia no interior do bosque, cercada por seus gatos e cachorros e nem sempre elas podiam se ver. Mas o dia amanhecera esplendoroso e Eyleen se sentia muito bem e disposta.

— Pronto, minha filha. Aqui está o presente para sua avó. Se você seguir pelo caminho certo, não demora uma hora para chegar até lá. Mas não se desvie. Quero que você esteja aqui antes do pôr-do-sol.
— Está bem, mãe.

Eyleen pegou a cesta de vime e encaixou no braço. Estava acostumada a fazer aquelas caminhadas pelo bosque verdejante do vilarejo. Não havia perigo. Os animais se escondiam no interior da floresta e era só seguir a trilha. Mesmo quando um dia Eyleen se atrasou para voltar da casa de vó Linette, foi só seguir a trilha iluminada pela lua cheia para chegar em casa segura. Mas não podia se arriscar. No dia que chegou atrasada Eyleen foi dormir com o traseiro quente das palmadas que levou da mãe.

O sol ardente anunciava a chegada do verão e Eyleen se sentia bem no seu vestido cor-de-rosa. Assim que se viu em uma distância considerável de casa, a garota colocou o vestido acima dos joelhos e expôs as coxas brancas. Ah, era tão bom andar assim. Não haviam olhos para admirar seu corpo bem feito e Eyleen suspirou. Era uma garota bonita, cobiçada até pelos amigos do pai. Quando ia ao centro do vilarejo com a mãe percebia os olhares dos homens sobre si. No dia que o primo a agarrou e a levou para o celeiro foi memorável. Ninguém soube e depois foi só colocar fora o feno manchado com seu sangue de virgem. A partir dali algo se acendeu em Eyleen. Ela sempre queria mais e mais e mais. Porém, com os olhos vigilantes da mãe, não era fácil conseguir um homem para se divertir.

De propósito Eyleen desviou o caminho. Era cedo, tinha caminhado rápido e não faria mal se parasse no lago para tomar um pouco de água e molhar os pés. A mãe não precisava saber, seria rápido. Saltitando pelo caminho e arrancando algumas das flores coloridas para enfeitar a cesta, Eyleen logo chegou ao lago de águas azuis, cantarolando. Porém, se calou quando se deu conta que não estava sozinha. Do outro lado, pescando calmamente, estava Kelvin.

Eyleen deixou a cesta cair no chão. Ah, Kelvin... o garoto dos seus sonhos. Tímido, belo e de cabelos louros, poderia fazer um bom par com Eylenn caso ele já não estivesse namorando Brenda. Eyleen a odiava, principalmente quando ela desfilava pelo vilarejo se exibindo ao lado do namorado.

Kelvin levantou os olhos e se deparou com Eyleen lhe acenando. Um pouco perturbado, o rapaz abanou de volta. Sabia da fama de Eyleen. Os rapazes comentavam que seu comportamento não era dos mais recomendáveis. Mesmo assim era difícil tirar os olhos dela. Era linda demais, mais que Brenda e seus cabelos cacheados e escuros.

Não foi surpresa para ele quando Eyleen pegou a cesta de volta e rumou em direção a ele, dando a volta no lago. Não queria conversar com a jovem. Eyleen parecia ser uma chaleira de água fervente, pronta para explodir. Mas para Eyleen a chance se apresentou de uma forma inesperada e não podia perder a oportunidade.

— Boa tarde, Kelvin – cumprimentou ela sentando ao lado dele sem cerimônia. — Pescou bastante coisa já?

Ele respirou fundo. Apontou para um recipiente que estava ao seu lado.

— Alguns peixes.
— Ah, que bom. O jantar será uma delícia hoje.
— Acho que sim – respondeu ele, lacônico e perturbado com a presença exuberante da moça.

Eyleen tirou as sandálias e mergulhou os pés alvos dentro do lago dando chutes para cima e espirrando água. Ela riu, contente.

— Você vai espantar os peixes – advertiu Kelvin.
— Puxa, desculpe – Eyleen recolheu os pés. — Mas você já poderia parar de pescar e conversar comigo. Pelo que eu vejo, já tem bastantes peixes aí.
— Minha namorada irá jantar lá em casa hoje. Minha mãe convidou.
— Humm... – fez ela não muito contente com aquela informação. — Você gosta dela?
— Como?
— Você ama sua namorada?

Kelvin piscou. Achava Eyleen tão linda, uma lástima que ela fosse uma rameira.

— Amo.
— Duvido. É que você não me conhece.

A mão de Eyleen pousou na perna de Kelvin. Ele meio que se encolheu, surpreso.

— Eyleen, por favor.
— Não seja bobo. Ninguém vai saber. A não ser que você conte.

Eyleen subiu a mão quente e pegou o pau de Kelvin que, àquela altura, já começava a endurecer.

— Muito bom – ela murmurou quando sentiu o que queria.

Ele se remexeu, desconfortável. Tentou, sem muita convicção, afastar a mão dela.

— Sou comprometido.
— Não há problema – assegurou ela encarando fixamente Kelvin.

Ele baixou os olhos, tímido. Eyleen sabia que estava no controle. Sussurrou:

— Eu faço por nós dois.

Eyleen abocanhou o pau de Kelvin e o rapaz deu um suspiro profundo.

— Fique quieto – ela pediu. — Você é todinho meu.

Kelvin se jogou para trás largando a vara de pescar para o lado. Eyleen era uma bruxa, só podia. Ele escutara os rapazes do vilarejo falando sobre ela e do que era capaz de fazer. Ficara curioso, mas Kelvin era comprometido. No vilarejo Eyleen não desgrudava os olhos dele. Era difícil resistir, dizia Kelvin para si mesmo enquanto sentia o pau abocanhado por ela.

De repente ele não suportou mais ficar tão quieto, tão sem ação. Kelvin se sentou bruscamente fazendo com que a moça perdesse o equilíbrio e tivesse que se apoiar com os cotovelos na relva.

— Ei, o que foi?

Foi a vez dela se encolher. Kelvin a fitava com olhos de louco e Eyleen sentiu o perigo lhe rondar.

— O que há, Kelvin?

Eyleen tremeu no final da frase o que deu a Kelvin um prazer antecipado. Um tapa vibrou no rosto dela.

— Ai!!!

O garoto se jogou sobre ela forçando com as pernas que ela abrisse as dela. A princípio Eyleen tentou relaxar, mas a brutalidade do então tranquilo Kelvin começou a lhe assustar.

— Kel...
— Cale a boca e abra as pernas, sua bruxa.

Eyleen não queria mais. Aquilo deixara de ser uma brincadeira de sedução. Suas pernas foram abertas bruscamente e ela sentiu o pau dele entrar direto na sua buceta. O grito de dor que Eyleen deu foi alto, mas eles estavam sozinhos. Ninguém viria para lhe salvar.

— Bruxa – ele berrou no ouvido dela. — Agora você vai aprender a não provocar mais os homens do vilarejo.

Ela não tinha o que fazer. Sentia Kelvin entrar cada vez mais fundo no seu corpo e para não sofrer mais, Eyleen acompanhou o ritmo que ele impunha. Os seios eram alvos de mordidas e as manchas que certamente ficariam no pescoço teriam que ser bem disfarçadas com lenços. Eyleen parou de se debater e deixou Kelvin agir. Lembrou da doce avó Linette a esperando com seus quitutes. Mas aquilo não iria ficar assim. Se conseguisse pegar Kelvin desprotegido...

Quando Kelvin achou que a batalha estava ganha e Eyleen havia desistido de reagir, levou um potencial chute no meio das pernas. O rapaz urrou, ficou zonzo, viu estrelas. Ele se levantou, ficou em pé, cambaleante. Eyleen levantou também, nua e descomposta. Do meio das suas pernas escorria sangue. Hematomas se formavam no corpo. Kelvin rugiu, furioso, dobrado em si mesmo.

— Vagabunda. Vagabunda.

Ele fez menção de se jogar sobre a garota, mas Eyleen foi mais esperta. Era sempre a mais esperta, disse para si mesma quando Kelvin foi lançado para dentro do lago profundo. Primeiro ele afundou e a jovem foi para a beira para aguardar o que estava para ocorrer. Em seguida ele voltou à tona, já sem ar, com dor e pedindo socorro.

— Me tira daqui! Eu vou morrer!

Lentamente, Eyleen começou a se vestir ao mesmo tempo em que assistia seu algoz se debater dentro do lago. A pequena correnteza formou um redemoinho e não demorou muito para ele submergir totalmente, em agonia, praguejando contra Eyleen.

Já vestida e com a cesta na mão, Eyleen suspirou. O corpo estava dolorido e ela teve que limpar o sangue que escorria com a água do lago. Kelvin não voltou à superfície. Eyleen foi para a casa da vó Linette.

sexta-feira, 12 de julho de 2019

MEU BEBÊ





Era uma criança linda com grandes olhos azuis expressivos. Os cabelos louros e cacheados desciam em cascata pelas costas. Por onde quer que passasse, Ravenna provocava murmúrios de admiração. Era o orgulho dos pais e quando a mãe, Susan, engravidou do seu segundo bebê, desejou que o próximo filho fosse tão angelical quanto sua primogênita.

Mas quando Rebecca nasceu, algo mudou no comportamento de Ravenna. Em seus quatro anos de vida, sempre fora o centro das atenções onde quer que estivesse. Contudo, ao ver aquele bebê rechonchudo, de pele alva e sorridente no bercinho cor-de-rosa, algo se acendeu dentro dela.

No início Susan não deu muita importância. Ravenna sentia ciúmes, o que era normal. Um dia Susan descobriu um hematoma na bochecha da pequena. Achou estranho, mas não teve tempo de ir atrás do que havia acontecido. Neste mesmo dia Ravenna sentiu dor de barriga e chorou tanto até deixar a mãe desnorteada. Rebecca também estava inquieta e Susan passou por momentos de verdadeiro inferno, sozinha cuidando das meninas.

Foi a mãe de Susan que percebeu que algo estava errado quando flagrou a neta mais velha dentro do berço com Rebecca. Pouco depois o bebê apareceu com uma mordida no bracinho gordo, sangue que chegou a manchar o lençol. Susan tentou contemporizar. Era coisa de criança, de irmãs. Susan passou um pito em Ravenna e depois se arrependeu. Os olhos da pequena se encheram de lágrimas e escorreram pelo rosto inocente. O coração de Susan ficou pesaroso. Era evidente que a filha não tinha noção de nada. Era só uma crise de ciúmes com data certa para passar.

Uma enxaqueca forte acometeu Susan em uma tarde. Por causa da chuva torrencial, ela achou por bem não mandar Ravenna para a escolinha e decidiu que ficaria o dia inteiro com as filhas. Contudo, depois do almoço a forte dor na cabeça fez com que Susan começasse a ver estrelinhas na frente dos olhos. Incomodada, ajeitou-se na cama de casal com as duas pequenas, ambas quietas e sonolentas. Não demorou muito para que Susan caísse em um sono profundo.

Despertou por volta das 16 horas. Esticou o braço para o lado e tocar nas filhas. Nenhuma delas estava ali. Susan sentou na cama, rápido, assustada, e já se culpando. Não devia ter dormido tanto. Tinha que ter sido mais cuidadosa. Ravenna deveria ter pego a pequena e levado para outro lugar. Às vezes tinha a impressão que a mais velha achava que Rebecca fosse somente uma boneca grande.

— Ravenna! Onde está você?

Susan estava pronta para dar um pulo da cama quando a porta do quarto se abriu lentamente. Por alguns instantes Susan ficou paralisada, algo tensa. Então Ravenna entrou no quarto com os olhos azuis faiscando de satisfação.

Nas suas mãozinhas uma faca afiada com a lâmina ensanguentada brilhava.

quarta-feira, 10 de julho de 2019

TUDO QUE É DELE É MEU






Era um amor meio doido, sem muita normalidade. Gabriela era ciumenta ao extremo e entrava em surto quando o Mauro olhava para o lado. Gabi sabia que podia matar se alguma ordinária arrastasse asa para ele. Ah, mas Mauro não dava bola. Para raiva dela, Mauro até achava engraçado aquelas crises de ciúme, como se tudo não passasse de um chilique da Gabi, sem importância. Por isto ele não fez se esforçou em manter o casinho com a Cris em segredo. A tal da Cris também não se importava nem um pouco com a aliança no dedo da mão esquerda dele. Ela só queria se divertir.

Não demorou muito para a Gabi se dar conta que algo ia errado. Ele chegava tarde em casa alegando reuniões infindáveis no trabalho. De uma hora para outra churrascadas com a turma começaram a pipocar. A fatura do cartão mencionava lugares estranhos, codificados. Gabriela começou a enlouquecer.

Uma noite Gabi decidiu agir. Já era para ter feito alguma coisa, colocar um freio, mas esperou que Mauro entrasse nos eixos, o que não aconteceu. Então ela o seguiu. Mauro havia contado que ia para um churrasco com os parceiros, só homens. Muita cerveja e futebol, Gabi não iria gostar. Tudo bem, ela disse. Vá e divirta-se.

Gabi pegou o carro e seguiu o dele. Mauro foi direto para o clube onde os amigos jogavam bola semanalmente. Ela respirou aliviada. Não era mentira. Seu amorzinho realmente iria somente jogar futebol e desopilar. Porém, ela decidiu entrar, escondida, e conferir só para ter certeza.

Lá dentro a alegria rolava solta. Cerveja, churrasco. Mulheres. Atrás de um pilar Gabi percebeu quando Mauro deu uns beijos numa morena peituda, com muito mais bunda que um dia Gabriela poderia ter. Os outros rapazes também estavam com suas namoradas – ou amantes, vai saber. O ódio cegou Gabi. Uma onda vermelha cobriu seus olhos.
De dentro da bolsa ela pegou sua faca mais afiada, aquela que usava para cortar carne. Gabi avançou, decidida e louca, até onde Mauro estava calçando as chuteiras e ajeitando o calção. A Cris – Gabi já a conhecia de outros carnavais – estava de costas acariciando o cabelo dele.

Vaca. Afaste a mão dele. O cabelo, as pernas, o pau. Tudo que é do Mauro é meu.

Os pensamentos de Gabi passavam velozes por sua mente. Tão velozes que ela não conseguia raciocinar. Ninguém a viu. O punhal perfurou as costas de Cris que soltou um grito agudo e doloroso. Mauro só se deu conta quando a amante caiu para a frente estrebuchando sangue. Quando olhou para cima, Gabi o encarava com seus olhos frios. 

Serei o próximo. Que os anjos me salvem desta louca.

A faca jazia no corpo da Cris. Gabi pegou a mão gelada do marido.

Vamos para casa. Seu jantar está pronto.

domingo, 17 de fevereiro de 2019

UMA CASA DE SWING







        O fato é que o casamento estava por um triz. Depois de duas gestações seguidas o sexo quase não existia entre eles. Roberto se sentia um excluído na própria casa. Para onde quer que fosse, Denise caminhava com duas crianças penduradas em si, uma grudada nas pernas dela e a outra no colo. Não foram poucas as vezes que ele dormira no sofá da sala porque a filha menor não queria ir para sua própria cama. Mas Roberto desconfiava que aquilo era só uma desculpa para Denise não transar. E, sinceramente, só ficar na punheta não era a meta de vida do Roberto.
        A ideia de trair Denise era frequente, mas aquilo não era algo que o agradava. Poxa, afinal Denise era sua companheira há mais de dez anos e segurara poucas e boas enquanto ele lutava para conquistar algo melhor. Não era justo pôr um par de chifres na cabeça dela. Denise era legal. O problema é que estava sempre cansada demais para trepar. Talvez fosse uma fase. Quando as crianças crescessem tudo ficaria melhor. Só  que faltava um bom tempo para os filhos ficarem grandinhos.
        Quando soube do drama de Roberto, o colega mais bacana da repartição, Tadeu veio com a solução. Foi durante o almoço, em plena segunda-feira pós final de semana exaustivo com os dois pequenos doentes. Roberto confessou o inferno que andava sua vida e Tadeu estalou os dedos bem na frente do rosto do colega.
        — Sei como posso resolver isto.
        Roberto não entendeu direito. Até pensou que o amigo fosse dono de uma agência de viagens. Sim, porque o que mais Roberto precisava naquele momento era uma passagem só de ida para Saturno.
        — De que jeito? – perguntou ele desanimado.
        Então, com um sorriso malicioso, Tadeu pegou o celular, acessou alguma coisa e estendeu o aparelho para Roberto.
        — O que é isto?
        Tadeu olhou para os lados e baixou o tom de voz.
        — Sou dono de uma casa de swing.
        Roberto arregalou os olhos. Como? Tadeu, bem casado, pai de duas filhas que estudavam em colégio de freiras, aparência séria e fala formal, se mostrava despido de toda sua seriedade naquele momento. Os olhos do homem eram puro sexo.
        — Olha o site.
        Meio desconfiado, Roberto pegou o celular e navegou pelo site. Na verdade, não havia muita coisa o que ver. Um ambiente escuro, pessoas com rosto desfocado se divertindo, fotos de quartos com camas maior que o padrão. Em tom ainda baixo, Tadeu comentou:
        — Estas camas comportam mais cinco pessoas de uma vez só.
        Roberto assobiou. Quando era solteiro até pensou em frequentar um lugar daqueles, mas nunca levara em frente sua vontade.
        — Há pequenas salas para um sexo mais rápido. É proibido celulares e máquinas fotográficas. E você pode ir lá com sua esposa e não participar de nada. Só como observador, sabe? Acho que para seu casamento seria muito bom.
        Roberto ficou pensativo e devolveu o celular para o amigo. Alguma coisa se acendera dentro dele. Uma casa de swing seria interessante. Denise estaria junto e caso eles resolvessem participar ativamente da coisa não seria uma traição. O único problema era fazer Denise topar um evento daqueles.
        — Não custa perguntar, amigo – Tadeu pareceu adivinhar os pensamentos de Roberto. — Pode ser que tudo o que a sua esposa precisa para dar uma revitalizada é um sexo bem intenso. Com outro cara.
        — Bem, eu...
        — Vai, fala com ela. Uma buceta diferente vai te fazer toda diferença.
        A partir daí o dia adquiriu outro sentido para Roberto. O trabalho até ficou mais leve com aquela perspectiva. Mesmo assim, não queria se empolgar. Denise sempre fora toda certinha e o convite para frequentar uma casa de swing poderia lhe causar um choque. Mas... não custava tentar, não é mesmo?
*
        As crianças foram dormir cedo – graças a Deus – e já passavam das nove horas da noite quando Roberto e Denise terminavam de lavar a louça do jantar. Denise estava com os cabelos presos e uma aparência cansada. Aquele era o momento. E tinha que ser direto, sem enrolação.
        — O Tadeu tem uma casa de swing.
        Denise continuou secando a louça.
        — Quem é o Tadeu?
        — Meu colega.
        — Ele tem o quê?
        — Uma casa de swing. Você topa?
        Ela voltou a cabeça lentamente para o marido.
        — Casa de swing? Aquele lugar onde todo mundo come todo mundo?
        — Mais ou menos. Você pode ir e não comer ninguém. Vamos? – insistiu ele.
        Denise ficou em silêncio por alguns segundos.
        — Vamos deixar as crianças com quem?
*
        Do lado de fora era uma casa como qualquer outra. Um jardinzinho básico, uma fachada cinzenta, iluminação normal. Havia dois seguranças discretos na entrada e Roberto e Denise entraram lá sem problema. Os pertences foram deixados em uma recepção. O casal entrou de mãos dadas em uma sala escura que mais parecia um lounge. Grupos de pessoas conversavam mais intimamente sentados em sofás confortáveis e macios. Não havia sexo ali, só a intenção. Denise apertou a mão do marido, um pouco tímida.
        — O que a gente vai fazer agora?
        Roberto não tinha a menor ideia. Ele avistou um sofá dourado vazio e apontou para lá.
        — Que tal nos sentarmos e... observar?
        Denise topou. Mal haviam se alojado, um garçom apareceu ao lado deles. Roberto pediu um refrigerante. Estava nervoso.
        — Eu quero um uísque.
        Ante o olhar de espanto do marido Denise respondeu:
        — Eu vim me divertir.
        Uau. Aquela não era a Denise que ele conhecia há tanto tempo. Antes mesmo do garçom voltar, um cara mais novo que o Roberto surgiu frente a eles. Denise olhou-o de cima a baixo e sorriu. Calça jeans rasgada, camisa um pouco mais justa e rosto quadrado. Sexy na visão de Denise. Ela bateu com a mão no assento ao seu lado e convidou:
        — Quer?
        — Claro – a voz dele era máscula. Todo ele era assim.
        Roberto se sentiu um pouco desconfortável. Não havia pensado que sua mulher se interessaria por um cara. Ele próprio se viu transando com mais de uma mulher e Denise por ali, observando. Puro machismo. Era sua esposa que estava ali flertando com um desconhecido. Bem na sua cara. Ela não parecia nem um pouco envergonhada agora.
        — É a primeira vez que você vem aqui? – ele perguntou. Depois olhou para Roberto. — É a primeira vez de vocês?
        Denise sorriu. O uísque chegou. Ela tomou um gole sem tirar os olhos dele.
        — Sim. Tudo é novidade aqui. Qual seu nome?
        — Sem nomes – ele sorriu.
        — Claro, sem nomes.
        Roberto olhou para os lados. Enciumado. Não tinha nenhuma mulher sobrando para ele manter uma conversação? Não, Denise não iria transar com aquele cara. Não seria típico dela. Do outro lado da grande sala, Roberto percebeu que uma mulher mais madura o encarava. Era bonita, atraente, bem vestida. Mais de 50 anos, provável. Nunca se pensara transando com uma mulher tão mais velha assim. Mas... bem, podia pensar.
        — Pode me chamar de Alex – disse o cara.
        — Ah, combina com você seu apelido.
        Os dois deram uma risadinha cúmplice. Roberto se mexeu no sofá, esquisito. O tal do Alex olhou para ele e perguntou:
        — Está gostando do ambiente?
        Roberto balançou a cabeça dizendo que sim, mas na verdade a situação era toda anormal. Sua esposa, a mulher cansada e que vivia só para as crianças, se transformou de repente em uma criatura sexy e cheia de olhares libidinosos para o garotão. A coisa ia bem entre eles. Ele consultou as horas. Mal haviam chegado. Não iria sair agora e interromper o lance da Denise. Porém, ele podia fazer isto, ora bolas. Eram casados e deviam ser fiéis um ao outro.
        — Oi...
        A mulher madura e de cabelos louros atravessara o salão e agora estava parada ao lado de Roberto. Usava um vestido azul brilhante e o corpo era bem interessante. Denise a olhou de alto a baixo com seu sorriso cheio de quintas intenções e que Roberto nem lembrava que ela ainda possuía.
        — Sente aí – ela disse. — Vimos aqui fazer novos amigos.
        Minha nossa. Roberto sentiu o perfume antes mesmo da mulher sentar ao seu lado, roçando a perna ligeiramente na sua.
        — Adoro conhecer gente nova – miou ela olhando direto para Roberto.
        Ele virou meio copo de refrigerante em meio às risadinhas de Denise e o gostosão. Não tinha assunto com a mulher, mesmo ela sendo bem envolvente.
        — Então... você tem nome ou não pode me dizer também?
        Puro nervosismo.
        — Me chame de Fada Azul – talvez fosse uma alusão ao vestido, pensou Roberto. Ela continuou. — Mas depois de uma certa hora pode me chamar de Foda Azul.
        Ele riu. Uau. Fada Azul não tinha papos na língua.
        — Você veio sozinha?
        — Que nada – ela tomou um gole de alguma coisa que havia dentro do seu copo. — Trouxe um amigo que está numa merda desgraçada no seu casamento. Ele se deu bem – Fada Azul esticou os olhos para Denise. — Ela está indo bem, não? Seu casamento estava naufragando, certo? Então vocês vieram aqui dar uma sacudida na relação. Acertei?
        — Você é muito perspicaz.
        Fada Azul se aproximou dele e cochichou:
        — Aqui é ótimo. Sempre me divirto bem. Como posso chamar você?
        — Que tal “tímido constrangido”?
        Ela riu jogando a cabeça para trás. Sexy.
        — Duvido que seja tanto assim.
        — Ô...
        Denise deu uma risadinha. O garotão de alcunha Alex havia acabado de dar um beijinho na orelha dela, bem naquele ponto em que ela se arrepiava e ficava molhadinha em questão de segundos. Engraçado que Roberto se achava dono daquela orelha. Pelo visto estava bem enganado.
        — Você é lindo.
        Fada Azul parecia estar com pressa. O vestido micro subira para o meio das coxas. Roberto nem sabia que dava para sentar com uma roupa daquelas. Fada Azul estava ali para comprovar o contrário.
        — Obrigado – Roberto passou a mão no rosto, envergonhado. Não tinha o que fazer com as mãos. — Eu esqueci de fazer a barba, sabe?
        — Mas eu gosto de ser arranhada.
        — Ah, isto é ótimo.
        Denise deu um cutucão no marido. Os olhos dela brilhavam. A quanto tempo ele não via sua esposa assim? Talvez no tempo de namorados e olhe lá.
        — Vamos para o quarto? O das camas que cabem um dez? Nós todos aqui.
        Roberto foi o último a concordar. Por que não? Por que não??? De onde tirou que só ele transaria e Denise ficaria olhando? Denise foi a primeira a ficar em pé, de mãos dadas com Alex. A Fada Azul pôs a mão na cintura de Roberto e todos foram para o quarto das camas gigantes. A noite só estava começando e Roberto não tinha a menor ideia de como iria terminar.
*
        Meio dia. Tadeu e Roberto frente a frente no mesmo restaurante de sempre.
        — E então? Como foi?
        Roberto levou um tempo para responder.
        — Foi legal. Nós conhecemos pessoas diferentes, sabe. Interessantes. Decididas.
        Tadeu balançou a cabeça concordando.
        — Este é o objetivo. Você pode voltar a hora que quiser. De graça.
        — Obrigado.
Roberto lembrou da noite memorável que tivera com Fada Azul e da surpresa que tivera quando ela ficou nua. Deveria ter saído correndo quando descobriu que Fada Azul deveria ser a tia do Pabllo Vittar, mas... qual o problema de experimentar coisas novas? No fim deu tudo certo. Denise acordara bem-humorada e até as crianças pareciam estar mais calminhas. Ela não estranhou o fato de o marido ter transado com um travesti e Ricardo não perguntou se o pau do Alex era melhor que o seu. Continuavam felizes e juntos.
Pensando na próxima vez.