quarta-feira, 18 de maio de 2022

TALVEZ EU NÃO VÁ PARA O CÉU


Fui presenteada com o cara mais bonito da rua. O nome dele era Jesus, mas de santo não tinha nada. Mas eu gostei dele do mesmo jeito, desde a primeira vez que pus meus olhos naquele corpo gostoso. Durante o flerte, toda vez que o cara se aproximava, minhas amigas berravam para todo mundo ouvir (inclusive o próprio):

- Tatiana, Jesus está chegando!

Nada mais clichê. Mas pior que deu certo. Jesus achava engraçado, começou a prestar atenção em mim e quando me dei conta estávamos ficando. Sim, me tornei a ficante do Jesus.

Atraí admiração e inveja. Da minha parte, fiquei entusiasmada e perplexa. Nunca imaginei que Jesus fosse dar bola pra mim. Em contrapartida, entreguei meu corpinho para Jesus usufruir como bem ele quisesse. Eu merecia depois de uns dois anos na seca, na merda total. 

Salve Jesus.

A questão é que eu nunca tinha namorado um cara bonito. Eu só pegava os feinhos (que tinham o seu valor, é claro) e outros tipos exóticos. De repente. Jesus surgiu em minha vida e eu me vi sem saber como fazer para aquele relacionamento dar certo. Quanta insegurança, Jesus (Cristo).

Antigas ficantes e namoradas (eram muitas) não demoraram a mostrar toda a inveja e desdém. Mandei a todas se foderem. Agora Jesus era meu. Eu fazia de tudo para agradar meu salvador. Comprei um e-book com muitas dicas para fazer sexo gostoso. Aprendi a fazer acrobacias sexuais, tipo transar pendurada no lustre, de pé em cima da rede, algemada e de olhos vendados. Era uma loucura. Descobri que as trepadas com meus ex nada mais eram que um entra e sai desgovernado.

Jesus era louco por sexo e fodia muito bem. Ah, o pica das galáxias master.

Todas as noites eu agradecia a Jesus (o Cristo) pela incrível sorte que eu tinha tido. Quando dei conta eu já havia me tornado a namorada dele. Éramos um casal oficial. Jesus viera ao mundo para me salvar do tédio, das frustrações amorosas e de uma vidinha sem graça. Tempos felizes aqueles.

Tão felizes que passaram rápido demais da conta.

Meu namoro com ele durou exatos um ano e dois meses. Foi quando descobri que Jesus tinha outro relacionamento com meu primo, o Jurandir. A quem, carinhosamente, comecei a chamar de Judas. De orgulho ferido, coração em frangalhos e com a família em polvorosa, dei uma surra no Jesus e uma voadora no Jurandir.

Talvez eu não vá pro céu. 


sexta-feira, 13 de maio de 2022

O GAROTO QUE TINHA DEMAIS

 



Ele era o cara mais popular da escola.

E também o mais gato.

O mais gostoso.

O melhor jogador de futebol.

Namorava a guria mais bonita da turma (eu morria de inveja dela).

Tirava as melhores notas.

O seu grupo de amigos era o mais descolado.

Os pais eram bem sucedidos e com excelentes empregos. Ou seja, a faculdade dele estava garantida. Nunca precisaria se preocupar com os valores da mensalidade. Certo que ele iria se formar na melhor universidade.

Nossa. Que sorte ele tinha. Eu queria ser a namorada dele. Talvez sua sorte respingasse um pouco em mim. Porém, eu era tão patinho feio que o André nunca se deu ao trabalho de olhar para minha cara. Até acho que ele nunca soube, sequer, que eu existia.

Um dia acordei com a notícia que o André tinha morrido.

Oi? Como assim?

Se atirou do 10º andar do prédio em que morava.

Choquei. Todo mundo chorou. Ninguém compreendeu.

Anos depois, eu já mais velha e adulta, acho que consegui entender o motivo daquela morte tão estúpida.

André possuía demais.

Para ele tudo era fácil demais.

Ele, André, nunca precisou lutar por nada.

Sempre lhe deram tudo.

Mas, para ele, o "tudo" nunca fora o bastante.



domingo, 1 de maio de 2022

PARA SEMPRE TODO MEU


 

Primeiro que não aceitei quando tudo aconteceu. Fiquei louca, surtada, psicótica. Nosso relacionamento era incrível. Muito amor, paixão e sexo. Sexo todos os dias. Nossos amigos morriam de inveja. Como assim trepar todos os dias?

Pois é, queridos. Eu e o Daniel transávamos todos os dias.

Até aquela maldita madrugada.

No meio de uma trepada quente, muito quente, o Dani teve um AVC. Sério. O cara passou mal durante o ato. Achei que fosse brincadeira. Uma brincadeira muito sem graça. O socorro levou vinte minutos para chegar. Levaram o Dani pelado para o hospital, inconsciente, meio morto.

O amor da minha vida nunca mais recobrou a consciência.

Em estado vegetativo Daniel voltou para casa um mês depois. Não havia o que fazer com ele. Minha vida, então, se resumiu a cuidá-lo. Tudo o que eu fazia era pelo Dani. Esqueci-me de mim. Algumas pessoas me diziam que aquilo não era vida. Que o Dani jamais iria querer viver daquele jeito. Mas eu me empenhava em deixá-lo vivo. Mesmo a consciência dele estando em um mundo distante, pelo menos o corpo estava ali, limpo, perfumado e todinho meu. Talvez nunca o Dani tenha sido tão meu em todo nosso relacionamento.

À medida que o tempo passava, minha vida foi se ajustando em torno da vidinha dele. Comecei a trabalhar online, cuidava dele, participava de reuniões via zoom, cuidava dele, ia pra feira, cuidava dele, recebi até amigos para churrascadas enquanto o Dani dormia no quarto, cheiroso e penteado. Todo meu.

Em um domingo acordei como se fosse mais um dia normal. Preparei uma bandeja de café, pão e bolos (minhas refeições eram no quarto com ele onde eu contava tudo o que estava acontecendo na minha vida e no mundo lá fora) e abri a porta com um sonoro bom dia.

Dani estava morto.

Minhas mãos afrouxaram, a bandeja espatifou no chão, gritei. Não. Eu não podia aceitar aquilo. Não queria perdê-lo uma segunda vez. Queria aquele corpo pra mim para todo o sempre, já que a mente do meu amor estava vagando pelo espaço há tanto tempo.

Então tive uma ideia. Uma grande ideia.

*

Para todos os efeitos o Dani continuava vivo. Desde o AVC eu nunca deixei ninguém mais vê-lo. Dani não tinha mais parentes vivos ou próximos, então foi muito fácil fazer isto.

Ninguém sabe que ele morreu. Ninguém sabe que o Dani está empalhado no nosso quarto, sentado na poltrona favorita dele.

Ninguém precisa saber que despachei a cama hospitalar de madrugada e queimei toda a medicação que ele tomava. Até o ar ficou mais respirável lá em casa. Não havia ninguém mais doente.

Bem, Dani ficou meio estranho empalhado. Mas é ele. Dani continua comigo. E ninguém tem nada que ver com minhas escolhas. É crime? Não. 

Vivo feliz com ele. Conversamos, conto minhas histórias, rimos. Eu não estou louca.

Tenho culpa por amar tanto assim?