domingo, 29 de abril de 2012

FIQUE

Não, não vá embora assim. Fique mais um pouco, não fuja de mim. A porta está aberta se você quiser passar.
Mas quem irá abri-la no dia em que você quiser voltar?

sábado, 28 de abril de 2012

ME ACORDA

Teus olhos perseguem os meus e os meu lábios pousaram nos teus. Vem, me dá um beijo, me faz acreditar que não foi sonho meu.

sexta-feira, 27 de abril de 2012

AMOR TEU

Conte-me seus sonhos, seus segredos e seus mistérios. Não, não precisa falar alto demais. Converse baixinho, sussurre doces palavras no meu ouvido. A noite é longa, a madrugada é fria. Deixe que eu me aconchegue nos teus braços e me enrosque no teu pescoço. Me envolva, me fale, pode até me beijar. Abra o jogo, a guarda, teus lábios. Faça da tua vida um pouco da minha, do teu caminho um pouco do meu. Lembre-se de mim como alguém que nada mais é que o amor teu.

LAURINHA FUGIU DE CASA


Laurinha fugiu de casa. Chegou uma hora que não agüentou mais. Sabe quando vem pressão de todos os lados? Chefe insuportável, prazos extrapolados, namorado distante, amigos que não ligam para saber como você vai... Por que não dar um basta em tudo? Por quê? Por quê?

Num impulso algo desesperador, Laurinha chegou em casa, colocou seus cremes numa frasqueira, algumas poucas roupas numa mochila. Conferiu o dinheiro na carteira e deduziu que dava para algum começo longe dali. Não deixou sequer um bilhete de despedida para a chata da sua família e para o boçal do namorado. Largou o celular em cima da mesa, trancou a porta do apartamento e jogou a chave dentro do lixo, enrolada em uma folha de jornal. Adeus, seus palhaços. Adeus.

Laurinha simplesmente desapareceu. No primeiro dia ninguém deu falta. Ela não foi ao trabalho, mas sua ausência foi só motivo de alguma especulação. Deveria estar bêbada em casa, depois de uma noite de badalação, segundo o chefe insuportável. Tudo bem, ela iria para a rua mesmo. A família só foi achar que algo estava errado quando passados três dias sem que Laurinha desse sinal de vida, o irmão mais velho decidiu ele próprio arrombar a porta do apartamento. Tinha quase certeza de que encontraria o corpo de Laurinha estripado na cama. Felizmente, quase tudo estava normal. Quase. Aquele celular jogado na mesa era estranho. Laurinha não vivia sem celular. Com a pulga atrás da orelha, o homem foi verificar o armário. Dando falta dos cremes, mas não das roupas, ele concluiu: Laurinha dera no pé. Aquele arsenal de cremes era o companheiro diário da irmã desde os doze anos de idade. Aonde Laurinha ia, levava aquela parafernália junto. O boçal do namorado foi informado do sumiço dela. Primeiro ele ficou surpreso, depois partiu para outra.

A moça não deu mais notícias. Por algum tempo, os pais ficaram desesperados. Ela poderia ter sido raptada, estar sendo torturada ou pior, já ter morrido. Apesar da situação, os irmãos de Laurinha tentavam tranqüilizar os velhos. Laurinha fôra embora para ser feliz, apenas isto. Que deixassem a moça em paz.

As mensagens no Facebook aumentaram consideravelmente. De repente, os amigos surgiram. Recados e mais recados para Laurinha perguntando onde ela estava. Los Angeles, África, Patagônia, Fernando de Noronha. Lugares românticos, exóticos, paradisíacos. Certamente, Laurinha estaria curtindo uma boa vida. Sol, mar, homens à vontade. 

De alguma forma não explicada, Laurinha foi aparecer somente dois anos e meio depois, quando seu pai agonizava numa cama de hospital. O desejo do homem era ver todos os filhos reunidos e Laurinha apareceu para dar um último adeus ao velho. Ela veio, despediu-se do pai, ficou por uma semana em casa consolando a mãe, deu tchau e foi embora. Alguém disse que ela só voltaria de novo para enterrar a velha. O fato é que Laurinha partiu para inveja de tantos que ficaram. Para inveja de tantos que gostariam de chutar o balde e sair em busca de uma vida mais feliz em outro lugar, de preferência bem longe. O problema é que não chutamos balde algum, não gritamos, não berramos. Ficamos parados no mesmo lugar, engolindo sapos, criando úlceras, chorando em silêncio, escondidos. Boicotamos nossa felicidade todos os dias. Por quê? Por quê?

quarta-feira, 25 de abril de 2012

ME LIGA

Não preciso muito para ser feliz. Basta uma ligação da pessoa certa.

ELE ERA PERFEITO





No começo ele era perfeito. Afinal, todos são perfeitos no início de qualquer relacionamento. A Cris se encantou com o Ricardo e achou que tinha tirado a sorte grande. Bonito, atencioso, emprego estável. O que ela poderia querer mais da vida e do amor?

Na primeira crise Ricardo deu um empurrão em Cris, e ela foi parar do outro lado do quarto. Ele chorou, pediu perdão. Não queria ter feito aquilo, perdeu a cabeça. Puxa, mas ela provocava! Andar com aquela minissaia na rua era coisa de vadia! Apaixonada e comovida com a preocupação do namorado, a Cris perdoou tudo. E selaram o amor com beijos e uma noite romântica.

Da segunda vez foi um pouco pior. Cris teve que usar óculos escuros por quase uma semana para disfarçar o hematoma perto do olho. Era meio chato ter que ir trabalhar daquele jeito e a desculpa foi que havia dado com o rosto em um poste. Ninguém acreditou, mas ninguém quis se meter. O tal do Ricardo tinha cara de poucos amigos. Quando vinha buscar a Cris no trabalho, os colegas evitavam o casal. Mesmo assim ela não desistiu do Ricardo. Achava que podia mudar o namorado. Tanto que levou suas coisas para a casa dele e com poucas semanas de namoro já estavam morando sob o mesmo teto.

A família da Cris não gostou nem um pouco da novidade. Todo mundo sabia da fama de violento do Ricardo, menos ela. As irmãs tentaram lhe abrir os olhos, mas Cris só os tinha para o namorado. Tudo o que ele dizia era lei e estava correto. Os incidentes que aconteceram entre o casal não havia sido nada demais. Briguinha à toa. Ela que provocara.

Não demorou muito para Cris rolar a escada do prédio. Ninguém viu o que aconteceu, mas a versão era que tinha escorregado e rolado uns cinco ou seis degraus. Da queda resultou um braço quebrado e mais hematomas no rosto. Os amigos não conseguiram ignorar o fato, muito menos a família. Dessa vez Cris escutou a todos, inclusive a sugestão de saltar fora do relacionamento antes que fosse tarde demais. Com o braço envolto em gesso e sentindo muita dor, ela prometeu pensar. O coração também doía. Não queria abandonar seu amor. Ricardo era meio violento, mas um cara legal. Talvez com uma boa conversa, ele conseguisse controlar o gênio difícil.

Ontem foi a missa de sétimo dia da Cris. Ela não teve tempo de conversar com o Ricardo e muito menos se defender. A família e os amigos ainda se culpam por não terem feito nada a tempo de impedir o que aconteceu. 

Quantas "Cris" existem perto de nós?

terça-feira, 24 de abril de 2012

TU

Teu rosto me encanta, teu corpo me desconcerta. Tuas mãos me desesperam, teu beijo me eleva. Teus olhos impressionam, teu sexo me renova. Tuas noites são muito curtas e teu amor, muito breve.

segunda-feira, 23 de abril de 2012

SONHO ENQUANTO VOO

Eu sonho enquanto durmo, mas também sonho de olhos abertos. Sonho enquanto caminho em avenidas repletas de gente. E sonho mais ainda quando eu estou ao seu lado. Divago quando escrevo minhas linhas e me apaixono quando elas são repletas de amor. Viajo por mundos distantes, enquanto meus pés estão grudados no chão. Voo enquanto sonho, sonho enquanto voo. Meu mundo é assim, entre letras e linhas. Criei asas, não quero mais aterrissar.

domingo, 22 de abril de 2012

APENAS SEXO







Ele: um pouco mais de 50 anos, quase grisalho, alto e com pinta de galã. Bem casado, pai de três filhos, se um dia teve qualquer relacionamento extraconjugal ninguém jamais soube. Ela: um pouco mais de 30 anos, solteira, independente, bela. Não procurava homem para casar e sim para se divertir. Seu foco era a carreira ascendente.

Os dois eram colegas em uma grande empresa. Ela fora transferida meses antes para a matriz e ambos se cruzaram várias vezes nos corredores, reuniões, em happy hours. Alguns olhares trocados, alguns sorrisos devidamente disfarçados. Ele já havia passado por isto outras vezes. Porém, amava profundamente a esposa. Tudo era estável ao seu redor. Casamento, carreira, finanças, família. Não precisava sair atrás de mulher alguma.


Ele chamava demais a atenção dela. Porém era impossível não reparar na reluzente aliança de ouro na sua mão esquerda. Reparara também os olhares do homem. Não foi nem preciso ir atrás de informações do colega. Várias colegas o descreviam como um cara tranquilo, bom caráter e... fiel. Sim, fiel! Impressionante. A mulher sempre tivera todos os caras que quisera. Quando perdia o interesse, descartava-os rapidamente. Mas ele... puxa, tinha balançado suas estruturas.


Tudo aconteceu em uma festa da empresa. Os olhares começaram tímidos. Aos poucos foram se intensificando. Aparentemente ninguém percebeu quando um garçom passou a ela um bilhete lacônico, que dizia simplesmente: “siga meu carro”.


O coração dela disparou. Percebeu quando ele saiu do salão com passos calmos. Discretamente foi atrás. O manobrista entregou o carro a ele, ela o seguiu em uma distância respeitosa. Foram parar em um motel de luxo. Chegaram às dez horas, saíram um pouco depois da meia noite. Ela, apaixonada. Ele, arrependido. Despediram-se sem grandes arroubos e cada um foi para o seu lado.


Na manhã do dia seguinte ele estava tenso. No desjejum mentiu que tinha uma reunião complicada logo mais. A esposa nem desconfiou. Já a outra estava feliz, leve, de alma lavada. De todos os seus homens, aquele tinha sido o melhor. The best. Sabia que podia tê-lo somente para si.


Ela deu um jeito de entrar na sala dele perto do meio dia. Com seu sorriso sedutor e o andar de felina, avançou em direção a ele, convicta de que o jogo estava ganho. Surpreendeu-se com o seu tom de voz ríspido:


- O que você quer?


Ela nem pôde falar, sequer sentar.


- Escute bem o que eu vou lhe dizer. Sou bem casado, minha esposa é maravilhosa e eu amo minha família. O que aconteceu ontem foi um grave errado. Entendeu? Para falar a verdade, não era para ter acontecido.


Ela não piscou. Não disse nada. Deu meia volta e foi embora. Foi enxugar suas lágrimas no banheiro. Dez minutos depois saiu, sentindo-se dona novamente do seu coração. Não era de olhar para trás.


Novamente uma festa. Ou melhor, um almoço. Final de ano, os funcionários se reuniram em uma grande churrascada familiar. Ele foi acompanhado da esposa e do filho mais novo. Ela, do novo namorado. As mulheres se admiraram com a beleza do parceiro da colega. Ele se enciumou. O outro era jovem, espirituoso, divertido e pareciam se dar muito bem. Era nítido isto na troca cúmplice de olhares, nas mãos entrelaçadas. Filha da puta, praguejou ele, furioso. O que você faz na cama com este cara é melhor do que foi comigo?


Ela nem o olhou. Diversas vezes se cruzaram e ele foi solenemente ignorado. Melhor assim, pensou ele, injuriado. O que você foi para mim? Um pedaço de carne, sexo fácil, só isto.


A esposa notou que o marido estava aborrecido. Ora, depois de tantos anos juntos, a mulher sabia o que cada piscar de olho significava. Não foi difícil perceber a direção dos olhares do companheiro. Ele seguia a loura por todos os lados, muito sutilmente. O que teria havido entre os dois?  Flerte? Conversas picantes?


Sexo? Ou foi além disto ainda?


O telefone da esposa tocou. Pelo número do visor logo soube quem era. Discretamente e com toda a sua elegância, a mulher pediu licença do grupinho com quem conversava e se afastou. Em menos de cinco minutos ela já combinara um encontro com o amante de 25 anos e voltou para a festa. 

sábado, 21 de abril de 2012

A VIDA CHAMA

Cansei de perder tempo esperando meus sonhos acontecerem por uma questão de mágica. Meu medo se misturou a minha inércia e juntos esses dois fazem um estrago terrível. Mas depois que você sai da letargia e sente o gostinho daquilo que conquistou, não consegue parar mais. Nada é o bastante, nada mais é impossível. Os sonhos continuam ali, povoando a tua mente. O detalhe agora é que eles são realidade também. 
É a força da vida pulsando. E o que pode ser maior que isso? Apenas Deus.

sexta-feira, 20 de abril de 2012

quinta-feira, 19 de abril de 2012

MEU DOCE VAMPIRO

Nunca fecho a janela quando vou dormir. Deito na cama, mas meus olhos ficam abertos. Ele irá entrar a qualquer momento, quando eu menos esperar. Por favor, venha logo. Leve-me para seu mundo, deixe-me ser igual a você.
Você existe? Ou só pertence aos meus sonhos? Por quais mundos você vaga?
Eu estou aqui. Não demore. Meu corpo arde.

terça-feira, 17 de abril de 2012

AH, COMO EU QUERO...

Ah, como eu quero...
Não sei se você consegue decifrar o desejo nos meus olhos
Eu poderia dizer tantas coisas se as palavras não me faltassem
Então, por favor... Ah, por favor
Escuta meu sussurro antes que minha voz se perca
Porque a única coisa neste mundo que eu quero...
Fica comigo?

segunda-feira, 16 de abril de 2012

AMOR OU ESCRAVIDÃO

Quando você vem? Servi a mesa, já desarrumei a cama.
Quando você vem? Coloquei o melhor vestido, já me despenteei.
Quando você vem? Fiz seu prato preferido, escolhi o vinho certo desta vez.
Não ligue para meus arroubos, ansiedade, meu choro e minhas lágrimas.
Nem dê bola para palavras sem sentido ou ditas fora de hora.
Você inteiro me desespera e me tira do chão.
E às vezes me pergunto se isso tudo é amor ou escravidão.


O QUE VOCÊ ESTÁ VENDO AGORA? - MICROCONTO

A BELEZA ESTÁ NOS OLHOS DE QUEM VÊ... CHOVE LÁ FORA. A ÚNICA COISA QUE EU ENXERGO É A LUZ DO SOL.

quinta-feira, 12 de abril de 2012

AMOR NO CEMITÉRIO


Antônio era o melhor partido da cidade. Bonito, trabalhador, simpático. Freqüentava a igreja todos os domingos e era cobiçado por todas as mulheres solteiras (e casadas) da praça. O único defeito dele, segundo Aninha, era sua profissão: administrador do cemitério. Segundo ela, sinal de mau agouro. Por isto a jovem resistiu a todos os seus pedidos de namoro, mesmo o achando uma gracinha. Por fim, depois de alguns meses, vendo que outro melhor não iria aparecer, Aninha resolveu namorá-lo. E não se arrependeu. Antônio era um sujeito muito excitante!


Porém, ele tinha uma fantasia que logo tratou de confessar para a namorada: transar em uma noite de lua cheia no cemitério. Aninha se horrorizou. Que sacrilégio! Fazer amor em um local santo nem pensar! Antônio não se deu por vencido e insistindo ali e dando um presentinho aqui, acabou por convencer a namorada que transar no cemitério não era pecado algum. Ruim era morrer sem ter realizado todos os seus desejos.


Antônio escolheu uma sexta-feira com uma belíssima lua cheia para realizar seu sonho. Um pouco antes da meia noite, muito sorrateiramente, ele abriu o portão do cemitério e puxou Aninha para dentro. Ela olhou ao redor e perguntou, um pouco assustada:
- Você tem certeza que estamos sozinhos?
- Meu amor, as únicas pessoas vivas deste lugar somos nós. Relaxe.


Aninha não conseguiu relaxar muito, mas não tinha como voltar atrás tamanha a excitação do namorado. Ele a conduziu para a parte mais antiga do cemitério - e também a mais escura - cercada por árvores. O lugar perfeito para uma noite de amor.
- Estamos seguros? - Aninha olhou novamente para todos os lados.
- Claro, meu anjo - respondeu ele, enchendo-a de beijos.


O casal passou a se beijar e o clima esquentou. Aninha esqueceu seus temores e se entregou ao calor do amado. De repente, quando ambos já estavam sem roupa, deitados entre dois túmulos, Antônio sussurrou:
- Adoro escutar seus gemidos…
- Querido… não estou gemendo.
Os dois se entreolharam. Aninha começou a tremer e não era de frio.
- Tem mais alguém aqui… - murmurou ela, tensa.
- Esqueça. Foi impressão minha - Antônio mentiu.


O rapaz recomeçou de onde tinha parado, contudo Aninha já tinha perdido todo o tesão e estava de olhos arregalados, atenta a tudo. Uma veste branca passou a cinco túmulos de onde ambos estavam e Aninha cravou as unhas nas costas do namorado. Antônio, interpretando o susto de outra forma, puxou os cabelos dela, excitado.
- Você é demais!
- Amor, eu enxerguei uma alma penada perto de nós!


Imediatamente ele se sentou. Aninha o encarou muito pálida.
- O que é…
- Alguém de branco passou bem ali - ela apontou o dedo trêmulo na direção dos túmulos, guardados por árvores frondosas.
- Você tem certeza?


Um vento frio cortou o ar quente da noite de verão, arrepiando os cabelos dos dois.
- Eu sabia que não era uma boa idéia - gemeu Aninha, procurando suas roupas - Nós pecamos!
- Ora, Ana Lúcia - Antônio ficou irritado. Pôs-se em pé e disse - Vou até onde você disse que está o fantasma para provar que é tudo coisa da sua mente doentia.


Inteiramente nu e frustrado, Antônio foi na direção apontada por Aninha. Nunca acreditara em fantasmas, por isso se dava tão bem no emprego. Determinado, ele caminhou até os túmulos, conferiu entre eles, atrás das árvores e não encontrou absolutamente nada, é óbvio. Porém, quando se voltou para anunciar à namorada que ela era uma babaca, suas pernas fraquejaram e um grito ficou preso na sua garganta. A sua frente, com os cabelos loiros desgrenhados, vestida de branco e com uma enorme mancha de sangue no peito, uma mulher o fitava com olhos diabólicos.
- Júlia…


Sua ex-namorada - e que fôra covardemente assassinada por ele anos atrás em outra cidade - agora tinha voltado do mundo dos mortos para vingar-se.


Aninha, já vestida, não entendeu o motivo de Antônio ter empalidecido tão horrivelmente e da sua bexiga ter se esvaziado daquele jeito.
- Amor, você está passando mal?


Júlia encarou seu algoz. Finalmente o encontrara e agora o levaria para o inferno. Antônio, no entanto, estava decidido a não se entregar de forma alguma. Totalmente em pânico, ele deu meia volta e correu ao encontro do muro, de onde saltaria para o outro lado. Ele não foi capaz de escutar os gritos de Aninha enquanto tentava fugir do seu destino. Seu terror foi tão imenso que Antônio esqueceu que mandara eletrificar o muro na semana anterior. Em poucos segundos, o rapaz virou churrasquinho.


Aninha ao ver aquela cena pavorosa, soltou mais outro berro e saiu correndo do cemitério. Certamente seu amado havia visto alguma aparição... Isto justificava sua loucura. Coitadinho, um homem tão bom... 


Antônio foi enterrado no dia seguinte e o prefeito tratou de abafar o caso, já que o infeliz era seu genro. Mas Aninha não se livrou dele. Todas as noites sua alma penada vinha se lamentar na sua janela.

segunda-feira, 9 de abril de 2012

A GATA NO TELHADO


        Daqui enxergo o mundo, o que eu quero e o que não quero. Já vi coisas que deixaram meus pêlos amarelos eriçados. Mas hoje não me surpreendo com mais nada. Pelo contrário, acho tudo tão engraçado. Esses humanos...tsc,tsc.
Gosto de ficar aqui no telhado, quando o sol ainda não está quente. Fico sentadinha, vendo o mundo passar, longe da minha dona chata. Por que as pessoas não entendem que os gatos são diferentes dos cachorros? Eu gosto de passear sozinha, não preciso de ninguém para ficar andando ao meu lado. Minha dona, aquela boba, deve ter me confundido com um cachorro assim que me tirou da companhia da minha mãe e dos meus irmãos. Onde já se viu gato com coleira? Miei tanto, fiz um escarcéu sem tamanho, e ela se viu obrigada a arrancar a coleira antes que eu me enforcasse. Mesmo assim, ela insiste em colocar aquele maldito lacinho cor de rosa na minha cabeça. Claro, ele não sobrevive a um dia inteiro das minhas andanças. Às vezes tenho vontade de dizer para ela: Me esqueça! Mas sabe, ela faz umas comidinhas gostosas para mim. Será que existe alguém que saiba fazer um pedaço de carne tão gostoso igual ao que ela me faz? Minha dona é chata, mas cozinha bem. Eu não gosto de rações para gatos. 
Humm... mas eu sou fascinada é pelo namorado dela. No começo ele não me dava bola. Mas eu me insinuei tanto, me esfreguei tanto nas suas pernas peludas que acabei por conquistá-lo. Aliás, eu sou uma conquistadora nata. Ai, ele é um gato de duas pernas. Hoje o lindo me adora. Daqui do telhado, vejo quando ele chega. Então, eu saio correndo, entro pela janela, pela área, por qualquer lugar e já me ponho na porta. Ouço-o subindo as escadas, sinto o cheiro do seu perfume. Minha dona fica meio enciumada, mas a gata aqui sou eu.  Depois que eles se beijam, o namorado dela me pega no colo, me acaricia, até já me beijou no focinho! São nestas ocasiões que eu gostaria de ter duas pernas. Certamente minha dona já o teria perdido para mim. 
Ruim mesmo é quando chove. Argh, eu tenho horror a água. Aí não tem jeito. É ficar em casa, enroladinha, esperando a chuva passar. É um saco! Minha dona fica toda hora me colocando no colo dela, mas eu não fico ali nem um segundo. Que coisa, me deixa em paz. Tenho vontade de dizer a ela que vá comprar um cachorro. Ou vá fazer um filho.
Ontem o gato da vizinha veio aqui em casa me namorar. É um gatão branco, peludo, de pedigree. Claro que ele entrou escondido, o sem vergonha. Que felino bonito... acho que estou ficando apaixonada, logo eu, imagine só. Mas não tem como resistir àqueles olhos amarelo-esverdeados, o ronronar sedutor e ele sabe como tratar uma gatinha. E eu que me achava tão esperta, fui cair nas suas armadilhas. Se minha dona sabe, corre com o peludo daqui. 
Daqui do telhado enxergo o mundo, o meu mundo. Ele é tão grande e às vezes pequeno demais. Mas chegará o dia em que vou criar coragem de transpor os muros e conhecer outras paisagens. E depois, será que vou querer voltar?

Valentina, a gata.

sábado, 7 de abril de 2012

O PASSARINHO AZUL


   O passarinho azul apareceu no pátio lá de casa num sábado, de manhã. Abri a janela do meu quarto e me deparei com ele, no piso de cimento. Pássaro sortudo aquele. Foi aparecer justo no dia que a Preta, minha gata, resolveu esticar a noitada com seus amores e isto certamente salvou a vida do bicho. Saí para o pátio decidida a pegar o passarinho para mim. Ninguém da vizinhança deveria possuir um pássaro azul. Eu seria a única.
                Lá fora, ao contrário do que eu imaginava, não precisei recorrer a nenhum artifício para raptá-lo. Com a asa machucada, o passarinho não ofereceu qualquer resistência quando o segurei junto ao meu peito. Descobri uma gaiola antiga, minha mãe a limpou enquanto eu acariciava a cabecinha azul-clara e logo ele estava engaiolado. Providenciei água e fui buscar alpiste no armazém da esquina. Pronto. O passarinho estava bem abastecido.
                Quem primeiro percebeu que ele não estava feliz foi meu irmão mais novo. Com a sabedoria de uma criança de seis anos, fui alertada que os olhos do bicho pareciam tristes. Tentei ignorar aquela informação, mas os olhinhos do passarinho me seguiam como se me perguntassem quando eu o sacaria daquela gaiola.
                A Preta chegou quase ao meio-dia, muito disposta para quem passou a noite em festa. Eu havia colocado a gaiola pendurada no lugar mais alto e inacessível do quintal, um lugar onde a Preta não seria capaz de escalar. A gata lambeu os beiços e, com os olhos amarelos brilhantes, sentou-se, na espreita, esperando que eu deixasse a portinhola aberta ou que a gaiola simplesmente despencasse lá de cima. Mas eu era cuidadosa demais para que algum desastre semelhante acontecesse. De qualquer forma, durante todo aquele final de semana tratei de deixar a Preta muito bem alimentada para que se houvesse algum deslize, meu passarinho azul não terminasse devorado pela gata.
                Segunda-feira, com muito pesar, tive que ir para a escola, mas meus estudos não renderam. Meus pensamentos ficaram dentro da gaiola com meu passarinho azul. Como ele estaria se portando? Será que minha mãe renovaria a água dele? E o alpiste seria suficiente?
                Cheguei em casa ao meio dia e tudo estava em paz. A Preta continuava rondando e o bichinho parecia estar se recuperando do problema da asinha. Meu pai sugeriu, sutilmente, que assim que o pássaro se curasse do machucado da asa, nós o libertássemos. Tive um ataque. Libertar para quê?! Ele estava sendo muito bem tratado. Rolava até um monólogo. Eu falava com o bicho, mas ele não piava ou cantarolava de volta. Talvez quando estivesse mais acostumado comigo...
                A semana foi correndo e o passarinho azul se recuperava além das minhas melhores expectativas. Eu escutava da minha família que os olhos dele estavam tristes; eu olhava para o pássaro e não via nada demais. Minha mãe disse que certamente ele teria fugido de alguma casa e que alguém deveria estar lhe procurando. Mas eu não queria nem saber. Meu passarinho azul era tão lindo e eu não queria me separar dele.
                No sábado de manhã, uma semana após a chegada, acordei com seu canto. Foi algo quase mágico. Meu passarinho agora era um passarinho de verdade! Saltei da cama e o encontrei voando dentro da gaiola, acho que contente pelo ar da primavera, cantando, cantando, cantando.
                Nunca ouvi um canto assim. Era algo encantador, que me levou a um mundo mágico, povoado de pensamentos bons, o mal não existia ali perto de mim. Meu passarinho azul ficou cantando por mais algum tempo e de repente parou. Parou e pareceu me encarar com seus olhos tristes. Senti um choque. Voltei ao meu mundo real. De o alegre cantar dele, voltei ao silêncio do pátio. Mas a magia do pássaro ainda vibrava como ondas ao meu redor.
                Nem quis pensar demais e abri a portinha da gaiola. Sem mover meus lábios, sem emitir qualquer som, mas gritando com toda a força do meu coração, eu disse “Vai, vai embora”. E ele foi. Meu passarinho azul saiu voando da gaiola, cantando. Deu três voltas em torno da minha cabeça como se me agradecesse e desapareceu. Nunca mais eu o vi. Ganhou o mundo, espalhando seu canto pela rua e maravilhando quem cruzou com ele pelo caminho.
                Infelizmente, o encanto que ele me proporcionou não durou muito tempo. E eu desconheço se existe outro passarinho azul na face da terra. Pelo menos na minha rua não há. Meu irmão de seis anos disse que todos nós temos um passarinho azul dentro do coração. Ele canta quando a gente sorri, quando a gente sonha, quando a gente ama. Eu sorrio, eu sonho, eu amo. E muitas vezes saio a voar por aí.

sexta-feira, 6 de abril de 2012

ELA MORA AO LADO


        Na rua onde eu moro, ao lado do meu prédio, existe uma casa velha que contrasta entre as construções modernas do bairro. Logo que eu vim para cá, achava estranho aquela casa de madeira, com um jardinzinho mal cuidado, com seus cachorros velhos, coabitando entre prédios de grandes construtoras, todos modernos com suas piscinas, coberturas e estacionamentos. Mas ninguém parecia se importar. A convivência sempre foi pacífica. As pessoas da casa ao lado nunca incomodaram, são trabalhadoras, não dão o que falar. Foi então que um dia eu descobri.
Talvez pela minha distração, por minha cabeça estar sempre tão preocupada com problemas reais e inexistentes (principalmente os inexistentes) que nunca reparei que na casa ao lado vivia uma senhora entre aqueles que eu já conhecia. Quando eu a vi da primeira vez, fui tomada de um susto misturado com horror. Ela deveria ter pelo menos cinqüenta anos e um metro e quarenta de altura. As mãos eram em formas de garras e as pernas completamente tortas, com os pés voltados para dentro. Uma bengala era seu meio de locomoção pelo jardim decadente e raras vezes eu a via na calçada. Os outros vizinhos já estavam acostumados com ela. Eu, como era de se esperar, levei um choque. A pobre mulher era uma aberração.
Mas com o passar do tempo, também me habituei com ela. Me acostumei a passar na frente da casa e dar-lhe um tchauzinho e cinco minutos depois, quando eu estivesse de volta, mandar outro aceno. A senhora esta sempre me acenava com satisfação, um sorriso feliz na sua boca quase sem dentes, os dedos em garras me dizendo que sim, eu era uma garota legal. Ela costumava ficar sentadinha em uma cadeira na varanda, vendo o mundo passar, os vizinhos passarem, eu passar. E eu me perguntava o que os seus olhos enxergavam, se era beleza ou raiva, dor ou se tanto fazia. Vai ver que para ela o importante mesmo era estar viva entre as pessoas que a amavam.
Será que ela amou um homem algum dia? Qual a capacidade do seu coração para amar alguém da intensidade que eu também amo? E eu pensava e pensava e imaginava que aquele corpo retorcido jamais havia sentido um prazer carnal qualquer que fosse, que a sua vida iria passar em branco nesse aspecto e que coisa triste nunca ter tido uma boca para beijar, um corpo para se roçar, cabelos para desalinhar. Para que viver assim se a graça da vida é toda esta?
Aí um dia eu levei um pé na bunda de grandes proporções, um pé na bunda que me deixou descompensada, atordoada e uns três dias sem condições de pôr o pé para fora de casa e descobrir que havia vida fora do meu planeta devastado. No quarto dia pós pé na bunda, resolvi sair de casa para comprar alguma coisa para comer. Eu já tinha perdido três quilos, parecia um zumbi de olhos fundos de tanto chorar, mas eu não podia mais ficar em casa sofrendo. Assim que cheguei na calçada, a primeira pessoa que vi foi ela. 
A senhora me abanou alegremente e fez um sinal perguntando por onde eu andava. Eu abanei rapidamente e segui em frente, com lágrimas nos olhos. Ela que era feliz, pensei eu. Ela que não tinha nenhum homem que lhe prometera amor eterno, era feliz consigo mesma e com seus defeitos incapacitantes. E eu segui em frente, com toda a minha perfeição, invejando a sua vidinha simples e sem pressa, eu que tinha tido atropelada por um caminhão e ainda juntava os cacos do meu coração.

APRESENTAÇÕES

Queridos, não contente em ter um blog para divulgar meus livros que ainda não foram publicados, resolvi agora criar outro para mostrar minhas pequenas histórias. São contos, bem mais curtinhos e de leitura rápida. Leiam, sigam-me, quem quiser comente... o espaço é livre.
Aguardo vocês todos!