segunda-feira, 26 de novembro de 2018

ELE VAI PEGAR VOCÊ - Capítulo 3









— O gato morreu – Mauro a encarou duramente. — Ele estava bem morto quando eu o joguei no lixão. Deve ter sido outro.
         Carol balançou a cabeça fazendo que não.
         — Eu vi. Era o mesmo.
       — Foi você quem disse que só enxergou os olhos dele. O pátio estava escuro e não deu sequer pra ver o corpo.
         — Os olhos eram dele – salientou Carol, incisiva. — Ele voltou.
         — Olha, — Mauro abriu uma latinha de cerveja. — Você está impressionada com a violência do gato preto. Não tem gato nenhum. Por que você não bebe uma cervejinha? Vai fazer com que relaxe.
         Carol bebeu não uma, mas duas latas da bebida. Sem estar acostumada com álcool, ela desabou na cama vinte minutos depois. Mauro ficou mais algum tempo assistindo TV, meio dormindo meio acordado. Ele também havia bebido além da conta com os amigos e depois de algum tempo achou que o melhor era ir pra cama de uma vez. Praticamente sem tirar a roupa, o homem deitou ao lado da esposa e não tardou a cair em um sono ferrado.
           Ele despertou, de repente, duas horas depois com o som de um miado e sentou na cama tão rápido que chegou a ficar tonto. Contudo, o silêncio ao seu redor era absoluto e Mauro se pegou dizendo várias vezes que o miado que escutara havia sido um sonho seu. Pudera, Carol esgotara tanto sua paciência que aquela história acabara por deixá-lo impressionado.
         Ele deu um salto e ficou em pé. Em silêncio saiu do quarto e foi até o banheiro, com a bexiga apertada. Distraído, acendeu a luz. E ficou paralisado. Na janelinha do banheiro, do lado de fora, a sombra de um gato se desenhava através do vidro fosco. Mauro segurou o ar, surpreso e assustado.
         Um gato. Grande. À luz da lua parecia negro também. Havia uma pequena fresta aberta na janela basculante. Mesmo tenso, Mauro conseguiu raciocinar. Não, ali não haveria espaço para um gato daquele porte passar.
         A pata peluda do bicho entrou pelo vão da janela e Mauro sentiu todos os pelos do corpo se arrepiarem. Devia estar bêbado, era isto. Aquilo não estava acontecendo. Tudo piorou quando o animal ficou em pé e a pata entrou mais ainda pela janela. O pavor tomou conta. Mauro pegou uma caneca, encheu de água e atirou na janela, atingindo o animal. Este levou um susto e recuou. O homem não perdeu tempo e se lançou na janela para fechá-la. O gato, ao perceber que não poderia mais entrar, sibilou alto e arranhou o vidro. Mauro suou frio, tremeu e teve ímpetos de chamar Carol. Mas então o gato foi embora deixando Mauro com as pernas tão fracas que por alguns instantes ele pensou que teria que se agachar até adquirir forças outra vez para ficar em pé. Depois de alguns minutos se recuperando, Mauro respirou fundo, deu meia volta e foi para o quarto onde se deitou na cama ao lado da esposa. Ele sabia que a visão do gato não era fruto do álcool. O desgraçado estava ali, de verdade. Pronto para atacá-lo. Mauro fechou os olhos, tão tenso que o coração parecia querer furar o peito. Custou a dormir e quando isto aconteceu, seu sono foi repleto de pesadelos.
*
         Carol se remexeu na cama, ainda com as pálpebras pesadas. Não estava muito disposta a levantar quando escutou a voz forte do marido:
         — Ele voltou.
         — Hein? – Carol não entendeu direito. Achou que o marido estava falando dormindo.
         — O gato. Ele voltou.
         Carol sentou e encarou o marido. Ambos estavam de olhos arregalados.
         — Como é?
         — O gato. Ele estava na janela do banheiro hoje de madrugada.
         — E o que você fez? – a jovem perguntou com a voz estridente.
         — Ele tentou entrar e joguei água no bicho. Cara, que pavor.
         Ver o marido com medo era assustador para Carol. Mauro chamava atenção por ser metido à valentão. Até o dia anterior nunca o vira dizer que tinha medo de alguma coisa. Mas um gato fora capaz de pôr toda sua coragem ladeira abaixo.
         — Viu como era verdade? Ele está nos rondando. O que iremos fazer agora?
         — Trancar a casa, portas, janelas, tudo. E ter muito cuidado quando formos até o pátio. Ele pode estar à espreita pronto para nos atacar.
         — E se colocarmos veneno?
         — Carol, o bicho tá morto.
         O casal ficou em silêncio ruminando os mais terríveis pensamentos.
         — Você não devia tê-lo matado.
         — O gato me atacou, esqueceu? Foi meu instinto de defesa.
         Mauro levantou e saiu do quarto. Fiscalizou a casa inteira e fechou toda e qualquer fresta onde o gato poderia entrar. Depois voltou para o quarto.
         — Vou buscar pão. A casa está toda fechada. Não passa nem uma mosca. E é melhor também você não ir para o pátio.
         — Eu vou junto. Não quero ficar sozinha aqui.
         Em menos de quinze minutos o casal saiu de mãos dadas e rostos um pouco sombrios. O bairro em que moravam era quase todo residencial e a vizinhança se conhecia. E como Carol era professora da escola, era muito benquista, tal qual o marido. Ambos caminhavam em silêncio em direção à padaria quando se depararam com uma aglomeração na esquina. Em torno de cinco pessoas cercava Judite, fofoqueira local. Mauro, ao ver a cena, puxou Carol pela mão.
         — Vamos atravessar para o outro lado. A velha Judite já está fazendo função de manhã cedo.
         O casal seguiu para a calçada oposta, mas Judite os viu. Com gestos largos, ela os chamou. Mauro praguejou baixinho e Carol acenou para ela com um sorriso falso.
         — Disfarce – murmurou para o marido. — Dona Judite pode perceber.
         — Era tudo o que me faltava hoje – Mauro falou em voz alta, aborrecido e com fome.
         Judite parecia nervosa. Muito nervosa. Os vizinhos ao seu redor tentavam acalmá-la. Alguns papéis nas mãos dela tremiam porque a senhora estava agitada. Carol ficou com pena e pôs a mão no ombro dela na tentativa de tranquilizá-la.
         — O que houve, Dona Judite? A senhora está pálida.
         — Estou mesmo muito nervosa, minha querida! Meu gato, o Bruno, está sumido desde ontem de manhã!
         Carol ficou com o sorriso congelado enquanto Judite colocava nas mãos de Mauro uma folha de papel ofício com o retrato colorido de um gato preto, grande e adulto. Ele permaneceu em silêncio olhando para a foto. Judite também havia colado o cartaz no poste no qual se apoiava.
         — Vocês não o viram? – choramingou. — Ele só saía para dar umas voltinhas e depois retornava. Nunca sumiu por tanto tempo.
         Carol olhou para o marido. Ambos não sabiam o que dizer.
         — Você viu alguma coisa, amor?
         Mauro balançou a cabeça, pálido.
         — Nem sinal.
         Ele tentou devolver o papel para Judite, mas ela recusou.
         — Fique com isto. Talvez você precise para reconhecer meu Bruno.
         Carol mal respirava quando olhou para o lado e deu de cara com Guilherme. O rapaz, mudo, encarava o casal com uma expressão enigmática. Carol, mais nervosa ainda, voltou sua atenção para Judite.
         — Fique tranquila. Se eu e meu esposo virmos o Bruno iremos lhe avisar. Eu prometo.
         — Muito obrigada, professora! Estou tão nervosa!
         O casal se afastou. Mauro ainda segurava o papel com a foto do gato quando perguntou entredentes:
         — O que mais me falta acontecer hoje?
         — Tem uma coisa que não contei para você – sussurrou Carol.
         — O que é? – Mauro se virou para a esposa com brusquidão.
         — O Guilherme, meu aluno. Ele quem me ajudou ontem.
         — O quê?
         Carol ficou tensa. Mauro estava furioso.
         — Por que não me disse? Achei que você tinha resolvido o problema sozinha!
         — De que jeito? Eu estava em surto por causa do bicho! E se o Guilherme abrir a boca? Eu contei que você tinha matado o gato.
         Mauro começou a suar.
         — Se ele abrir a boca, a velha vai pra polícia. Isto agora dá cadeia!
         — Amor, calma! Ninguém viu nada! Eu posso alegar que estava nervosa e falei besteira. E… sei lá. Talvez o tal Bruno esteja vivo.
         Carol olhou a foto e comentou:
         — Será que é o mesmo? Este aqui parece mais doce.
         Mauro bufava quando chegou à padaria.
         — Você trate de desmentir qualquer coisa que o tal do Guilherme falar. Não quero complicação pro meu lado por causa de um maldito gato!
         A jovem silenciou, incomodada com a fúria do marido. No retorno para casa Judite continuava rodeada por um círculo de pessoas, expressando-se com grandes gestos, falando sobre Bruno. Alguns a consolavam e seguravam as folhas com as fotos do gato. Guilherme ainda se mantinha ao lado da senhora e fuzilou o casal com os olhos. Carol engoliu em seco e seguiu ao lado de Mauro ligeiramente encolhida.


domingo, 11 de novembro de 2018

ELE VAI PEGAR VOCÊ - Capítulo 2







O dia passou calmamente, apesar do péssimo humor de Mauro. O homem nem se olhava mais no espelho por causa dos arranhões no rosto. Carol providenciou um medicamento para os ferimentos não infeccionarem. Ainda assim Mauro não resistiu a um convite para ir jogar futebol com os amigos no fim da tarde. Carol, contrariada, assistiu o marido calçar as chuteiras, vestir o uniforme e sair faceiro porta afora. Cansada dos afazeres do dia, Carol deitou no sofá para dar uma olhadinha na novela. Nem se deu conta quando pegou no sono.
         Vinte minutos depois Carol despertou com um som estranho. Já era noite e soprava um vento forte. Sentada no sofá, ela apurou os ouvidos. Só se escutava as vozes da TV ligada e mais nada. Mesmo assim ficou inquieta. Faltava ainda um bom tempo para Mauro voltar do futebol. Carol resolveu não dar bola para o caso e se levantou para ir até a cozinha pegar um copo de água.
         Um miado profundo e rouco vindo do lado de fora a fez dar um pulo. Com o susto o copo caiu das suas mãos e se espatifou no chão ao mesmo tempo em que a moça, com a mão sobre o peito, tentava conter as batidas do coração. O que era aquilo, afinal? Um… gato?
         O silêncio retornou à cozinha e, trêmula, Carol pegou a vassoura para limpar os cacos. Aos poucos ela foi se acalmando. Podia ter sido qualquer outra coisa, inclusive sua imaginação abalada. Era melhor voltar a ver a novela. Ela juntou os estilhaços, enrolou em uma folha de jornal e abriu a porta para colocar na lata de lixo lá fora, no pátio.
         O grito que Carol deu foi ouvido longe. Dois olhos brilhantes a fitavam no escuro do pátio. Carol não enxergou mais nada além disso. Somente os olhos, aquelas duas bolitas esverdeadas e frias que pareciam prestes a atacar Carol a qualquer momento.
         Carol fechou a porta com tanta força que ela bateu e voltou a abrir outra vez. A porta só se fechou de verdade quando Carol se jogou sobre ela temendo que o animal invadisse a casa e a atacasse.
         Passando mal, ofegante e quase sem poder caminhar por causa das pernas bambas, Carol se arrastou até a sala. Procurou com os olhos o celular para implorar a Mauro voltar para casa o quanto antes, porém, não o encontrou. Mal podia se manter em pé e levou mais um susto quando fortes batidas na porta da frente a fizeram dar outro grito, só que desta vez abafado.
         — Professora Carol! A senhora está bem?
         Arfante, ela reconheceu a voz de um dos seus alunos, o aplicado Guilherme. Carol foi tropeçando até a porta e abriu, atemorizada:
         — Nossa, professora! O que houve?
         Carol se apoiou no batente, exausta. Encarou Guilherme que lhe devolveu um olhar atônito e murmurou:
         — Ainda bem... ainda bem que você está aqui.
         O rapaz apontou para os pés de Carol.
         — Professora! A senhora está machucada!
         Ela olhou para baixo e se surpreendeu com o sangue que esvaía dos seus pés. Levou alguns segundos até se dar conta o que era aquilo tudo.
         — Eu... eu quebrei um copo praticamente em cima do meu pé.
         — Puxa – assoviou ele, — pelo jeito que a senhora gritou pensei que alguém estivesse lhe fazendo mal.
         Ainda apavorada, Carol segurou o aluno pela camiseta.
         — Tem um gato lá fora!
         — Hein?
         — Um gato. O gato que o Mauro matou hoje de manhã! Ele voltou!
         Guilherme não entendeu direito, mas os olhos fixos e amedrontados de Carol mostravam tanto terror que ele decidiu tomar uma atitude.
         — Professora, me diga onde ele está! Posso afugentá-lo. Ei, a senhora disse que o gato morreu?
         Carol levou o garoto até a porta do pátio. Com o dedo trêmulo ela apontou:
         — Ele está do outro lado.
         Era nítida a perturbação da professora Carolina. Conhecida no bairro como uma mulher séria e correta, Guilherme tinha certeza que aquele comportamento tinha uma razão muito forte.
         — Pode deixar, professora – o rapaz pegou a vassoura mostrando determinação. — Se tem alguma coisa aí do lado de fora, pode ter certeza que eu vou botar pra correr!
         Guilherme abriu a porta com valentia e acendeu a luz do pátio. De repente tudo ficou iluminado. E do gato não havia o menor sinal.
         — Não tem nada aqui.
         — Mas tinha – retrucou Carol com a voz fraca.
         O rapaz caminhou pelo pátio procurando o tal gato, verificando se o bicho estaria em algum canto mal iluminado. Com a porta encostada e só com a cabeça pra fora, Carol acompanhou a inspeção do aluno, atenta. Por fim, ele voltou para dentro da casa e pôs a vassoura de volta no lugar.
         — Acho que ele fugiu. Mas, professora... Eu não entendi bem uma coisa. A senhora disse que o seu marido matou o bicho? Então como ele voltou?
         Nem Carol sabia o que responder. O gato estava morto quando Mauro o pôs dentro do saco. O lixão ficava longe, bem longe. Não, devia ser outro gato parecido. Ou somente sua imaginação fértil e histérica.
         — Muito obrigada, Guilherme – Carol ignorou a pergunta e com uma das mãos nas costas do rapaz conduziu-o até a porta da frente. — Acho que ando assistindo muitos filmes de terror.
         — Pode me chamar se for preciso, professora – Guilherme só faltou bater continência. — Estarei aqui em dois segundos.
         Ela agradeceu e o rapaz foi embora. Zonza, ela sentou no sofá, encolhida, e esperou o marido voltar.


sexta-feira, 9 de novembro de 2018

ELE VAI PEGAR VOCÊ - Capítulo 1

Sinopse

Um gato aparece no pátio da casa de Carol. Mas o que poderia ser uma visitinha amigável se transforma num roteiro de terror. Para não serem atacados pelo bichano, Carol e o marido são obrigados a trancarem a casa inteira. Mas nada parece ser capaz de deter aquele gato negro que de fofo não tinha absolutamente nada.





Era um gato como qualquer outro. Preto, adulto, de bom tamanho. Apareceu na casa da Carol um sábado pela manhã vindo não se sabia de onde. Foi descoberto quando a moça abriu a porta que dava para o pátio. Deu de cara com o bicho a fitando com seus olhos amarelos. Não parecia muito amigável. Depois do susto inicial, Carol, que adorava gatos, tentou fazer uma interação com o felino. Não deu certo. Ele arreganhou os dentes e eriçou os pelos.

 — Nossa – Carol se encolheu. Ela precisava passar pelo gato para ir regar as plantas no fundo do pátio. — Sai daí. Xô. Xô, gato! Xô!

Ele sequer se moveu. Continuou encarando Carol como se fosse o dono do lugar. Impaciente, ela atirou um pouco de água nele. Foi pior. O gato então ficou em pé e Carol recuou com medo de um ataque. Porém, o gato não parecia querer briga, ainda que permanecesse encarando Carol com um ar até de deboche.

— Ah, você não vai sair? – Carol colocou o regador no chão. — Vamos ver quem ganha!

A moça deu meia volta e entrou na casa, não sem antes fechar a porta por medida de segurança. Não podia se dar ao luxo do gato invadir a cozinha e roubar a comida. O marido dormia a sono solto no quarto, mas isto não impediu de Carol sacudi-lo com força.

— Mauro, acorda. Acorda, é urgente.

Ele abriu um olho, depois outro. Instantes depois, entre um bocejo e outro, resmungou:

— Que foi?
— Tem um gato lá fora.

Mauro não respondeu logo e Carol pensou que ele estivesse dormindo outra vez. Ia sacudir o marido de novo quando ele perguntou:

— Você não gosta de gatos?
— Gosto, mas aquele é esquisito. Não consegui passar por ele para ir molhar as plantas.

O homem bocejou. Não estava interessado. A única coisa que queria era curar a ressaca da noite passada.

— Deixa ele lá. Depois o bicho vai embora.
— E se não for? Mauro, o gato tem jeito de mau!

Não tendo outro jeito, Mauro se espreguiçou para todos os lados possíveis e, com os efeitos da bebedeira da noite anterior, levou um tempo para ficar em pé.

— Vem logo, amor.

Mauro seguiu Carol até a porta do pátio. Ela apontou para o local e falou com um certo tom de medo na voz:

— O gato tá do outro lado.
— Calma. Você que deixou o bicho nervoso.
— Ele não é nervoso. Só é estranho.     

Com Carol alguns passos atrás, Mauro abriu a porta. De fato, o gato continuava ali, sentado outra vez, como se estivesse aguardando-o. Os olhos do animal fuzilaram o homem que chegou a prender o ar.

— Epa – disse ele, surpreso. — Mas o que é isto?
— O que foi, Mauro? – havia tensão na voz de Carol. — Ele continua aí?
— Sim – Mauro segurava a porta, ainda no batente. Não deu nenhum passo para frente como se temesse que o gato reagisse. — Por que ele fica olhando a gente deste jeito?

— Não falei para você? Tem algo estranho com ele.

Mauro, em sua dignidade masculina, não podia demonstrar o quanto aquela sensação o desagradava. Sem tirar os olhos do gato, ele estendeu o braço para trás e pediu:

— Me passa a vassoura.

Carol fez o que o marido pediu e recomendou:

— Não vá machucar o gato.
— Só quero assustar.

Mauro segurou a vassoura com uma das mãos e a com a outra mão livre fez um gesto em direção ao gato.

— Sai daqui. Volte para sua casa.

O gato não se moveu. Permaneceu sentado no mesmo lugar sem abandonar o ar irônico. Mauro não gostou muito daquele comportamento.

— Você é bem engraçadinho, não é mesmo? Se não sair por bem, vai sair por mal. Entendeu bem?
— Mauro – pediu Carol outra vez. — Você só tem que tirar o gato daqui.

Mal Carol havia terminado de falar, um grito estridente que mais tarde ela identificou como sendo miado do gato, feriu seus ouvidos. Em seguida o marido recuou violentamente para trás, aos urros, tentando afastar o animal que se jogara sobre ele.

Carol gritou junto e por instantes a casa foi tomada por sons de urros e miados. A visão do marido tentando desgrudar o gato do peito era horrenda. Sangue escorria do torso do homem provocado pelas garras afiadas do animal. Na bochecha de Mauro havia três grandes arranhões. Mauro se debatia, desesperado. Carol segurou a náusea que lhe subia pela garganta acima, incapaz de qualquer coisa para deter o ataque. Em algum momento Mauro conseguiu atirar o gato para longe de si. Ainda atordoado, ele percebeu que o felino se aprumava para uma nova e feroz investida. Desta vez, contudo, Mauro foi mais rápido. Um chute certeiro acertou a cabeça do gato que voou três metros adiante no pátio.

Então tudo silenciou. Carol mal respirava e caminhou com as pernas bambas até ao lado do marido.

— Minha nossa – murmurou ele, ofegante, olhando para seu próprio peito ensanguentado. Em seguida ele tocou no rosto e se surpreendeu ao ver as pontas dos dedos manchadas de sangue. — Este bicho infeliz estava possuído pelo capeta.

— Você matou o gato – Carol afirmou o óbvio, chocada com tudo o que presenciara.
— E você queria que eu fizesse o quê? Não viu o que ele fez comigo?

O corpo do gato jazia, inerte, provocando uma sensação de mal-estar no casal.

— E agora, Mauro? O que a gente faz?
— Vou levar este bicho daqui. Ele pode ser de alguém da vizinhança e eu não quero me incomodar.

Mesmo com o sangue escorrendo pelo corpo, Mauro pegou um saco grande de lixo e jogou o gato lá dentro. Carol observava a cena com os olhos cheios de lágrimas.

— Pobrezinho...
— Pobrezinho de mim! – esbravejou Mauro segurando o saco com uma das mãos. — Olha aqui como eu fiquei. Como eu vou trabalhar na segunda-feira com o rosto cheio de arranhões?

Mauro entrou na casa com o saco e deixou em um canto. Rápido, ele foi até o banheiro onde passou uma toalha molhada para remover o sangue. Com um algodão Carol tentou melhorar a aparência das lesões no rosto.

— Tomara que não infeccione – sussurrou ela.
— Vou levar o saco para bem longe daqui. Você vem comigo?

Minutos depois Carol e Mauro entraram no carro com o saco contendo o corpo do gato no porta-malas. Meia hora depois, ainda irritado, Mauro atirou o gato no lixão localizado na saída da cidade. Depois, com Carol fungando ao seu lado, ele partiu pisando fundo no acelerador.