sábado, 24 de fevereiro de 2024

UM CONTO DE MISTÉRIO - PARTE 15

 


Lourdes não soube dizer quanto tempo ficou encostada no balcão da pia olhando para Régis, na esperança que ele se mexesse. De repente, escutou o motor de um carro parando frente a sua casa e a voz feliz de Valentina. Logo em seguida a porta da frente se abriu. Valentina entrou, falando alto:

- Tia, você está em casa?

A luz da sala foi acesa. Lourdes, sem voz e atordoada, não respondeu. Escutou os passos da sobrinha se dirigindo até a cozinha. Precisava se acalmar para tomar controle da situação.

- Meu Deus, que merda é esta?

Valentina parou na porta, surpresa e pálida.

- Tia, o que você fez?

- Me defendi - Lourdes conseguiu falar à meia voz.

Para chegar até a tia, Valentina precisou saltar por cima do cadáver de Régis.

- Você está gelada.

Silêncio.

- Pode me contar o que houve, por favor? Estou meio que passando mal.

Em poucas palavras, Lourdes contou tudo, desde o convite para andar de bike até o quase estupro.

- Este filho da puta não me respeitou.

- Tia, tudo bem - Valentina se posicionou de costas para o defunto, evitando olhar para ele. - Tente respirar com mais calma.

Rápida, Valentina pegou o celular do bolso. - Vou chamar a polícia.

- Não!

O berro de Lourdes foi bem sonoro e Valentina deixou o celular cair sobre a barriga de Régis. Lourdes agarrou o aparelho e não o devolveu para a sobrinha.

- Não o quê? Tia, tem um cadáver na sua cozinha!

- Mais um.

Lourdes soltou uma gargalhada histérica e sinistra que assustou Valentina.

- Não vou chamar polícia porra nenhuma. Eu vou sair presa daqui.

- Alegue legítima defesa.

- Quem vai acreditar em mim? A cidade inteira vai começar a falar que coloquei um homem dentro de casa mal Juarez esfriou. Eu matei um homem, Valentina!

- Muito bem. - Valentina cruzou os braços. - E você pretende fazer o que com o corpo do cara?

- Enterrar o cara no meu quintal. Com a sua ajuda.

domingo, 18 de fevereiro de 2024

UM CONTO DE MISTÉRIO - PARTE 14

 - Não chega perto de mim!

Era inacreditável o que estava acontecendo. O que começara com um romântico passeio de bicicleta, se transformara em algo bizarro. O vizinho galã se transformara numa besta pervertida pronto para atacá-la.


- Vamos, querida. Não adianta resistir.


Régis se encostou em Lourdes e ela pôde sentir o membro duro ficando sua barriga. Numa atitude desesperada, cuspiu nele. No mesmo instante ele se afastou com o rosto retorcido em uma máscara de raiva.


- Para o seu próprio bem, seja boazinha.


Novamente, Régis fez menção de partir para o ataque. Lourdes, sem pensar duas vezes, atirou o chá quente no rosto dele. Régis urrou, cego pelo líquido fervente. E ameaçou:


- Eu vou acabar com você


Mas antes que ele conseguisse esboçar qualquer outra reação, Lourdes quem investiu contra ele. Usando uma força que não sabia possuir, deu um empurrão no seu agressor. Foi o suficiente para ele tropeçar nas próprias pernas, se desequilibrar e cair para trás. Antes da queda, contudo, Régis bateu a nuca da mesa.


Lourdes ficou por um minuto inteiro observando o corpo daquele homem grande caído  no chão da sua cozinha, imóvel, exatamente no lugar onde Juarez tinha partido desta para melhor.


- Levanta, desgraçado - murmurou. - Abra este maldito olho.


Nada. Lourdes, em pânico, se agachou no chão e tentou procurar o pulso de Régis. Não encontrou. As xícaras, espatifadas no chão, davam um toque final naquela cena de terror.


Precisava mandar, urgente, benzer aquela cozinha.







sábado, 10 de fevereiro de 2024

UM CONTO DE MISTÉRIO - PARTE 13



Lourdes dormiu sentada no sofá sem se dar conta. De repente, acordou por volta das oito horas da noite, assustada. A casa continuava silenciosa. Valentina não tinha chegado ainda. Devia estar namorando com Fabinho em algum lugar. Seu coração ficou ainda mais apertado. Por via das dúvidas, foi até a cozinha e engoliu mais uma piroquinha só para garantir. Naquele exato momento ouviu uma batida na porta. 

Valentina devia ter esquecido a chave.

Mais aliviada e ainda com um último pedaço de pão de piroca na boca, Lourdes atravessou a sala e abriu a porta. Régis lhe sorria, sedutor. 

- Boa noite - cumprimentou ele. - Estou atrapalhando?

O pão desceu direto goela abaixo. 

- Er... claro que não. Tudo bem com você?

- Tudo ótimo. Vim te fazer um convite.

Mil coisas passavam pela cabeça de Lourdes. Não era possível que a magia do pãozinho já estivesse fazendo efeito.

- Ah é? - ela chegou a sentir um calorão na periquita. - Agora fiquei curiosa.

- Quer dar uma volta de bike?

Régis apontou para o portão. Uma bicicleta de primeira linha estava encostada ali, reluzente como o dono. Lourdes sentiu um nó no estômago. Lembrou do seu último passeio de bicicleta. Foi quando Juarez caiu duro no chão da cozinha vitimado pelo enfarte fulminante.

Bem, Juarez estava morto e no inferno. Régis era diferente.

- Adoraria. Espere um instante que eu vou buscar a minha.

A noite estava agradável. Lourdes se esqueceu da existência de Valentina e da amiga. Provavelmente, deviam estar curtindo a companhia dos seus parceiros, tal qual ela fazia. Régis era um homem muito agradável. Além de bonito e gostoso, tinha um papo simples e fluído. Várias vezes Lourdes se pegou rindo feito uma adolescente abobada e apaixonada. Ah, Régis... e aquela bermuda de ciclista que marcava tudo, inclusive tudo mesmo? Era difícil para ela desviar o olhar daquela potência toda. Juarez dava pro gasto. Régis, contudo, estava em um patamar muito superior.

Não havia ninguém na rua. Naquela noite gostosa, as pessoas haviam se recolhido mais cedo. Melhor assim. Lourdes poderia desfrutar melhor da companhia de Régis, sem ninguém ficar enchendo o saco dizendo que ela recém havia enviuvado e já tinha achado um macho.

Uma hora e meia depois, Lourdes já estava com as pernas sem força de tanto pedalar. Gentil, vendo que ela estava cansada, Régis propôs que fossem voltando para casa. A volta foi ainda mais divertida. Risos, olhares trocados com mais intenções, calorão e arrepios. Lourdes se sentiu no paraíso.

Quando dobrou a rua em que morava, Lourdes percebeu que sua casa ainda estava às escuras, sinal que Valentina ainda não havia chegado do seu encontro com Fabinho. Ela teve vontade de rir. Enquanto Valentina se divertia com o filho, ela se divertia com pai. Nossa, parecia coisa de novela.

- Do que você está rindo?

Régis fez a pergunta, curioso. Lourdes tentou se controlar.

- Nada demais. Só estava pensando que seria bom você entrar e tomar um chá comigo.

- Será ótimo.

A intenção de Lourdes realmente não era ir além de um chá de hortelã. Até porque não queria passar a imagem de uma mulher fácil. Talvez trocar uns beijinhos e só. 

Régis deixou a bicicleta no jardim da casa e seguiu Lourdes para dentro da casa. Ele elogiou a decoração e o perfume que deixava um aroma de lavanda nos ambientes. Na cozinha, Lourdes tratou de cobrir com um pano o que sobrara das piroquinhas e passou a ferver a água para o chá, de costas para ele.

Régis sentou em um banquinho e o papo rolava solto. Lourdes esperava que Valentina demorasse BEM a chegar. Não via a hora de trocar uns beijos com aquele homem gentil e sensível. A água esquentou e Lourdes preparou os cházinhos. Se voltou para ele e quase deixou as xícaras se espatifarem no chão. Régis estava com seu membro para fora. Era uma coisa enorme, tão diferente do Juarez, coitado. Lourdes empalideceu.

- O que é isso, criatura?

Lourdes se surpreendeu com o olhar de Régis. De uma hora para outra, ele deixara de ser aquele cara gentil e aprazível. Agora parecia uma besta tarada, olhando-a como se Lourdes fosse um pedaço de carne a sua disposição. Todo o desejo dela foi embora. Nojo e medo eram seus sentimentos.

- O que acha? Dá conta?

"Não, não dou. Inclusive, socorro."

Mas não havia ninguém para lhe salvar.

- Acho que você confundiu as coisas.

- Eu confundi? - Régis ficou em pé com o negócio em riste. - Você me convida para entrar na sua casa para tomar chá. É isto mesmo que você pensa que eu quero?

Ele deu um passo para a frente, ameaçador. Lourdes ficou segurando as xícaras e as mãos já tremiam, quase derrubando o líquido quente. Paralisada.

- Melhor você nem chegar perto. - Lourdes tentou firmar a voz. Não deu certo.

- A única coisa que você tem que fazer é colaborar.

Cruzes. Lourdes percebeu que seria estuprada na cozinha de casa. E não fazia a menor ideia de como sair daquela enrascada.