sábado, 24 de março de 2018

MEU AMOR MISTERIOSO - A ESTRANHA MARIANA







Reunidas na varanda, Dona Iara, Clarissa e Mariana, uma amiga da avó. A mesinha com chá e biscoitos estava disposta frente a elas. Com o canto do olho, Clarissa observava a convidada de Dona Iara.

Mariana. Eita mulher esquisita. Ela tinha mais ou menos uns quarenta anos e o cabelo de tons avermelhados emolduravam um rosto que poderia até ser bonito senão fosse tão triste. Segurava a xícara de chá tomando o líquido aos golinhos por estar muito quente. Quem mais falava era Dona Iara. Mariana concordava com tudo e Clarissa não conseguia tirar Dani da cabeça.

— Você viu como minha neta cresceu, Mariana?

A mulher olhou para Clarissa e deu um sorrisinho meio tímido.

— Lembro dela bem garotinha. Agora está uma moça.

Clarissa devolveu o sorriso sem saber o que dizer. Mariana era delicada no falar e seus gestos eram suaves. Se fizesse um corte moderno nos cabelos e sorrisse com mais frequência para aliviar o semblante sisudo poderia se tornar uma mulher atraente.

— Clarissa já tem me ajudado bastante – disse Dona Iara bem orgulhosa. — Hoje ela foi à feira e ainda me auxiliou nas encomendas.
— Quanto tempo você vai ficar aqui, Clarissa? – Mariana estava tentando ser simpática.
— Um mês. Já fazia um tempão que eu não vinha para cá.
— Clarinha – Dona Iara olhou para a neta enquanto se servia de mais chá, — conte para Mariana sobre o que você viu na feira hoje de manhã. Pode ser que a Mari saiba quem ele é.

A jovem ficou totalmente desconfortável. Não queria expor seus sentimentos à Mariana. Mal lembrava dela. Era como se houvessem se conhecido naquela tarde. Era constrangedor abrir seu coração para uma desconhecida. Sim, pois Clarissa já se sentia quase apaixonada por Dani.

Mariana a encarou esperando que a moça falasse alguma coisa.

— Eu… eu… − Clarissa começou a gaguejar.

Dona Iara tentou ajudar.

— Minha neta viu um rapaz bem interessante hoje na feira. O problema é que ela não sabe quem é.
— Ah… − fez Mariana, colocando a xícara na bandeja, interessada. — Como ele é?

Clarissa tentava segurar o rubor nas bochechas.

— Ele é loiro.
— Sim? – Mariana aguardava o restante da descrição.
— Um metro e setenta de altura, mais ou menos. O cabelo é ondulado e… bem, ele estava parado no meio da feira, sem fazer nada. Dani... bem, ele não parecia com jeito que iria comprar alguma coisa, sabe? Aí ele me encarou. Mas justo neste momento tive que pagar o pastel. Quando o procurei novamente, o Da… ele já tinha sumido.
— Oh, que pena – lamentou Mariana. — Você não foi atrás dele?

Clarissa ficou mais vermelha.

— Tinha gente demais lá.

Mariana respirou fundo, os olhos parecendo mais tristes do que nunca.

— Não me lembro de nenhum vizinho com estas características. Acho que ele pode ser mesmo um turista.
— Não entendo o que um turista pode estar fazendo em uma feira – desabafou Clarissa. — Em uma cidade com tantas coisas bonitas para ver, por que ele estaria em uma feira?!
— Para vocês se conhecerem – falou Mariana.
— E ele sumir depois.

Mariana falou com a voz distante e olhando para lugar nenhum:

— As coisas acontecem quando são para acontecer.

Clarissa ficou sem saber ao certo onde ela queria chegar com aquela frase tão óbvia. Porém, Mariana parecia tão perdida nos seus pensamentos que a jovem achou melhor ficar calada.

Realmente Mariana era uma mulher bem esquisita.

*

O dia seguinte amanheceu com chuvarada desde manhã cedo. Agarrada à cortina da sala, Clarissa olhava desolada para as poças d’água que se acumulavam nas calçadas. O céu estava cinza, tão cinza que não havia qualquer esperança que o sol pudesse aparecer pelos próximos dias. Aquilo era péssimo. Se Dani fosse um turista, cada dia que passava as chances de encontrá-lo se reduziam.

Mas... e quando o encontrasse? O que iria dizer para ele?

— Eu vi na televisão que amanhã o tempo já vai estar bom. Aí você poderá dar suas voltinhas de bicicleta.

Clarissa sentiu um tom de malícia na voz de Dona Iara.

— Pode ser tarde demais, vó. Talvez ele até já tenha ido embora.
— Tenha calma. O fato de não sabermos quem ele é não significa que seja um turista. Ele pode muito bem morar por aqui.
— Ah, seria excelente – Clarissa suspirou. — Mas acho isto meio improvável.
— Deixe para se preocupar amanhã. Vamos fazer um bolinho de chuva?

O dia passou à base de muita comilança, jogos de cartas e dominó, mais os causos contados pelo avô Ricardo. A chuvarada só parou quando Clarissa foi dormir, às onze horas da noite. Sinal que o dia seguinte poderia lhe trazer boas novidades.

*

Era mais ou menos quatro horas da tarde e o sol brilhava forte. Clarissa recém havia ajudado a embalar alguns doces para a avó e não aguentava mais de vontade de sair de bicicleta.

— Vó, posso dar uma saída? Você ainda vai precisar de mim?
— Está tudo pronto aqui, Clarinha. Pode ir passear na sua bicicleta.

Vô Ricardo apareceu naquele instante. Ele era um homem grande, com quase setenta anos, sempre esbanjando boa saúde e disposição.

— Alguém falou em andar de bicicleta? Vamos lá, Clarinha. O dia está pedindo uma diversão.

Clarissa sorriu amarelo. Não estava nos seus planos sair acompanhada.

— Que ótimo, vô. Estou pronta.

Os dois partiram em seguida e Ricardo a levou por lugares que a garota ainda não conhecia. Ela estava atenta, olhando para todos os lados procurando Dani. Nem sinal e nem ninguém parecido para lhe dar algum tipo de esperança. E com o avô Ricardo ao seu lado, falante e brincalhão, o risco de dar algo errado era praticamente 100%. Depois de quase duas horas de pedaladas, Ricardo convidou Clarissa para ir tomar suco em uma lanchonete. Os dois estavam aproximadamente a dez minutos de casa.

Àquela altura Clarissa já estava cansada e desabou em uma cadeira ao lado do avô. Logo um amigo dele apareceu e ambos engataram um papo animado. Sedenta, Clarissa tomou todo seu suco de laranja bem rápido. Já o avô não dava mostras de que pretendia sair dali tão cedo.

— Vô – ela cutucou o braço dele. — Eu vou indo para casa. Encontro você por lá.

O homem fez um gesto liberando a neta, distraído na sua conversa. Louca por um banho, Clarissa montou a bicicleta e saiu pedalando devagar. Sem dúvida dormiria feito um anjo naquela noite. Quem sabe pelo menos nos seus sonhos Dani aparecesse?


segunda-feira, 19 de março de 2018

MEU AMOR MISTERIOSO - QUEM É AQUELE CARA?







Clarissa abriu a janela daquele que seria o seu quarto por pelo menos trinta dias. Lá fora as flores do canteiro da avó Iara estavam cada vez mais coloridas e deixavam um doce aroma no ar. Pelo visto as férias na serra seriam produtivas e felizes. A jovem consultou o relógio. Já passavam das oito horas da manhã e lembrou que prometera à avó ajudar na preparação dos doces. Dona Iara comentara, na véspera, que não estava dando conta de tantas encomendas. Clarissa se vestiu rapidinho, penteou os cabelos e abriu a porta do quarto. O cheirinho de café logo alcançou as suas narinas. Tudo na casa da avó lhe remetia a sua infância.

— Bom dia, vó!

Dona Iara estava na cozinha passando café. Ganhou um beijo estalado na bochecha enquanto colocava as gostosuras sobre a mesa.

— Acordou bem na hora. O café está quase pronto.

Clarissa olhou para a mesa farta e pegou um pedaço de pão.
— Acho que não vou dar conta de tudo.
— Coma à vontade. Você está muito magrinha.
— Onde está o vô Ricardo?
— Na varanda lendo jornal.

A senhora serviu a neta de café e a jovem ficou em silêncio por alguns instantes enquanto mastigava o pão. A casa não era grande, mas tudo lá dentro era aconchegante, desde os quadros antigos nas paredes às cortinas de florezinhas que enfeitavam as janelas. A temporada de férias de verão eram dias de tranquilidade, conversas amenas e passeios sem pressa pela cidade calma. Fazia uns bons cinco anos que Clarissa não visitava os avós e tinha esquecido que a vida podia correr serena. Sem atropelos. Sem celulares recebendo mensagens a todo instante. Sem seus irmãos falando em voz alta e perturbando o silêncio. Era bom demais ficar na companhia da vó Iara e do vô Ricardo, ainda que não tivesse feito nenhuma amizade com pessoas da sua idade.

Mas isto não lhe fazia falta. A companhia dos avós lhe bastava.

— Preciso que você vá à feira para mim, Clarissa.

O pensamento dela ia longe.

— Hein? Sim, vó?

Dona Iara repetiu:

— A feira. Preciso que você compre algumas coisas para mim.
— Ah, tudo bem. Posso ir de bicicleta? Assim já dou uma voltinha.
— Claro. Você lembra onde fica?

Clarissa lembrava e estava ansiosa por percorrer as ruas calmas da cidade. Combinou com a avó de ajudar a fazer os doces na volta. Uma hora depois, com uma bolsa a tiracolo e com a cestinha da bicicleta pronta para receber as compras, Clarissa recebia as últimas instruções de Iara no portão:

— De bicicleta você vai levar mais ou menos dez minutos. Pegue a rua de trás e vá por mais três quadras. Não tem como errar.

Clarissa balançou a cabeça, pacientemente:

— Vó... eu lembro onde fica.
—Cuidado com esta bicicleta. Olha o trânsito.

A moça riu.

— Trânsito, vó? Onde?
— Você entendeu. Vá sem pressa.

Clarissa conduziu a bicicleta calmamente e não demorou muito até chegar à feira. Preocupada em comprar tudo certinho, Clarissa fez as compras em menos de quinze minutos e guardou o troco dentro da bolsa. A feira começava a encher e a moça foi levando a bicicleta à pé quase até a saída. Antes, no entanto, decidiu parar em uma tenda de pastéis. Enquanto aguardava ficar pronto, Clarissa olhou casualmente para o lado.

Quem era aquele cara?

Ela chegou a piscar. Há alguns metros de distância havia um jovem parado em meio às pessoas, olhando para frente, as mãos dentro do bolso da calça jeans.

Clarissa esqueceu o resto. A atitude despojada dele a perturbou. O vento balançava os seus cabelos louros. Ele parecia alheio à movimentação. A moça calculou que o rapaz bonito teria uns 19 anos, três a mais que ela.

Os olhos dele se voltaram para Clarissa e, com o coração feito um tambor, a jovem se viu observada atentamente por ele.

— Moça, está aqui o seu pastel. Moça?

Ela foi despertada pela voz forte do feirante. Clarissa voltou a cabeça para o homem que lhe estendia, impaciente, o pastel de goiabada e esperava o pagamento.

— Ah, desculpe. Quanto custa mesmo?

Estonteada, Clarissa pegou o pastel. Ansiosa, olhou para o lado novamente. O rapaz não estava mais lá.

 — Droga – praguejou baixinho. Sem pensar duas vezes, Clarissa decidiu voltar para o meio da feira e tentar encontrá-lo.

Estava mais difícil caminhar agora. A todo o momento Clarissa tinha que diminuir os passos ou desviar de alguém. A bicicleta dificultava mais ainda seus movimentos. Por fim, sem ter a menor ideia de onde ele tinha ido parar, Clarissa desistiu. Não havia sinal dele em lugar algum. Além do mais, a avó já deveria estar preocupada com a demora. Um pouco decepcionada, ela voltou para casa empurrando a bicicleta e segurando o pastel na mão. Tinha perdido completamente a vontade de comer.

Como era de se esperar, Dona Iara estava no portão aguardando a neta. Mal Clarissa despontou, a senhora abanou uma das mãos, parecendo aliviada. Pouco depois ambas estavam frente a frente.

— Você demorou, Clarinha! Por que não levou o celular?
— Porque estou de férias dele também – resmungou ela entrando com a bicicleta no jardim da casa. — Parei para comprar um pastel.
— E pelo visto não está bom. Voltou inteirinho – comentou Dona Iara pegando as compras de dentro do cestinho.

Clarissa cheirou o pastel.

— Acho que está gostoso, sim. Mas é que aconteceu outra coisa.
— Que outra coisa? – Dona Iara se mostrou curiosa.

A moça acomodou a bicicleta na varanda e seguiu a avó até a cozinha.

— Eu vi um rapaz – confessou Clarissa um pouco envergonhada.
— Rapaz? Quem? Tem nome?
— Aí que está o problema. Não sei. Será que ele é daqui?

Dona Iara riu.
  Cinquenta por cento de chances de ele ser turista. Me conte. Como ele é?
 — Loirinho, alto, magro... Ah, ele é tão bonito! – Clarissa se encostou-se à geladeira. — Ele me encarou por alguns instantes e depois sumiu na feira – ela não quis contar que foi atrás do rapaz. — E evaporou-se!

 Ora, que desagradável. Acho que você terá que dar mais voltas de bicicleta pelas redondezas para tentar encontrá-lo.

— Sim, pensei nisto.

Durante aquela manhã, enquanto ajudava a avó preparar suas encomendas, bem que Clarissa tentou afastar o garoto louro dos seus pensamentos. Mas era difícil esquecer aqueles olhos tão expressivos pousados nela. Clarissa nunca namorara sério até então. Os garotos que se aproximaram dela eram jovens comuns, sem grande conteúdo, nada que a cativasse. Tão diferente daquele desconhecido, o jovem sem nome, parado no meio da feira, em uma atitude de quem não iria comprar coisa alguma. Ele estaria fazendo o quê, então? Esperando alguém? Clarissa decidiu chamá-lo de Daniel, ou simplesmente Dani.

Será que Dani tinha alguma namorada? Bem possível que sim. Dani era bonito demais para ficar sozinho.

 — Ai, meu Deus... – gemeu ela enquanto mexia com uma colher de pau um dos doces saborosos da avó. — Quando eu vou vê-lo de novo?




... CONTINUA...