sábado, 14 de novembro de 2020

A BONEQUINHA DE VODU

 



     Eu descobri que a Carol tinha morrido somente uma semana depois. E foi por acaso. Sem acreditar, fui catar no Facebook do Artur se era verdade.

     E era. Artur, meu ex-noivo, amor da minha vida, estava viúvo.

     Meu primeiro sentimento foi ficar em choque. Nossa, a Carol... aquela mulher linda e de sucesso, que com seu jeito meigo e doce tirara o Artur de mim, foi atravessar a rua de bike e não enxergou que vinha um carro pra cima dela.

     Ah, que pena.

     Sua trouxa.

     Artur, claro, fez uma postagem repleta de declarações de amor, tipo que a vaca sempre seria seu amor eterno e blá, blá, blá. Depois que o choque passou e eu me recompus, queimei a bonequinho de vodu. Ninguém podia ver aquilo. Ela tinha fios de lã amarelo iguais aos cabelos da Carol. Pintei uns olhinhos verdes e fiz uma boquinha em forma de coração para ficar mais semelhante à puta. Escolhi uma roupinha parecida com as que ela vestia. Depois de pronta pisoteei a bonequinha. Sapateei em cima com toda minha raiva. Cravei uma tesoura bem no meio da barriga dela. Atirei em um canto e até me esqueci disso.

     Agora está todo mundo pasmo com a morte da Carol. Fiquei também, é claro. Fui eu que causei. Misturei o meu vodu com o lixaredo daqui de casa e tudo virou cinzas. Feito ela. Meu próximo passo é fazer um bonequinho do Artur. E ele vai se apaixonar por mim outra vez.


sexta-feira, 4 de setembro de 2020

ELIENE E O REI

 


Quando Eliene abriu a janela do seu quarto ficou surpresa com a quantidade de brumas que cercavam a casa e o bosque inteiro. Não era uma visão que gostasse. A jovem adorava admirar o verde das árvores e o colorido das flores. Mas as brumas estavam densas aquela manhã e até o sol firmar seria por volta do meio dia.

Aborrecida, Eliene foi para a cozinha. Tinha apenas 18 anos, porém vivia sozinha há algum tempo desde que o pai morrera daquela gripe terrível que levara boa parte dos idosos da aldeia. Não era tão ruim viver assim, ela se deu conta pouco tempo depois. Eliene fazia alguns trabalhos nas casas da vizinhança para manter-se. E, algumas vezes, recebia na sua casa viajantes que passavam pela aldeia e precisavam de um pouco de descanso antes de seguirem adiante. Além de hospedá-los, Eliene recebia um dinheiro extra por servicinhos também extras. A vizinhança, era sabido, não via aquilo com bons olhos, principalmente as mulheres. Contudo, Eliene não se envolvia com os homens delas. A jovem não queria complicações na vida sem pretensões que levava.

A bruma estava forte quando pancadas fortes na porta a despertaram do seu trabalho manual. Eliene correu até a porta e assim que a abriu se deparou com um homem alto, de barba e de expressão cansada.

- Preciso de um lugar para ficar - murmurou ele entrando sem convite e cambaleando.

Ela se apressou a pegar um tapete de pele e mantas grossas. Estendeu sobre o chão e o homem caiu duro, exausto, pegando no sono no mesmo instante. Eliene ficou por um tempo observando-o. Ele era belo, o cabelo negro descia pelo pescoço até o ombro. Quem seria? De onde vinha? Será que tinha alguma mulher o esperando em outro lugar?

Eliene se agachou e tirou-lhe as botas pesadas. Os pés estavam gelados e úmidos. Com cuidado, colocou toalhas quentes para aquecê-los. Ele pareceu relaxar. Sabendo que o desconhecido acordaria esfomeado, Eliene preparou uma sopa grossa. Depois sentou, paciente, na cadeira de balanço que era do pai e continuou seu bordado.

Ele acordou por volta das três horas da tarde. No início parecia não saber onde estava. Então focou seus olhos em Eliene que parou ao lado dele com uma tigela cheia de sopa fumegante.

- Fiz para você.

Com um olhar desconfiado, ele pegou a tigela e devorou a sopa. Eliene precisou servi-lo mais duas vezes.

- Quem é você? - ela teve coragem de perguntar depois de algum tempo.

- Valentim. Desculpe chegar desse jeito. Me perdi no meio da bruma. Ela desceu de repente.

Valentim olhou em volta para a casa vazia.

- Onde está sua família?

- Não tenho ninguém - Eliene respondeu pegando a tigela vazia das mãos dele. - Moro sozinha desde que meu pai morreu.

Ela levou a tigela até a tina de água sabendo ser observada pelo homem. Sem olhá-lo disse:

- O senhor pode passar o tempo que precisar nesta casa - ela fez uma pausa. - Costumo hospedar viajantes. É assim que me sustento.

- Qual seu nome? - Valentim perguntou.

- Eliene - ela se voltou e fez o seu olhar mais doce. - Há um quarto nos fundos onde o senhor pode ficar mais bem acomodado.

Eliene o levou até o quarto onde os hóspedes dormiam. Era de bom tamanho, tinha uma cama confortável e um baú para guardar roupas. No canto uma mesa e uma jarra. Eliene a pegou e se virou para Valentim.

- Vou encher de água.

Quando retornou trouxe também um pote de biscoitos.

- Para caso o senhor sentir fome. Servirei o jantar às sete horas da noite.

Ele apenas balançou a cabeça fazendo que sim. Eliene voltou para a cozinha e começou a preparar o jantar. Até quando ele resistiria a ela?

Valentim ficou fechado no quarto até Eliene bater à porta com o jantar servido em uma bandeja. O homem agradeceu e a jovem se retirou, frustrada.

- Que droga... - murmurou.

Ela foi para a cama uma hora depois. O dia ficara frio e um vento soprava lá fora. Ela deitou sob as cobertas e não tardou a pegar no sono. Eliene não soube em que momento da noite tudo aconteceu. De repente, sentiu um peso sobre seu corpo e abriu os olhos, surpresa. A luz da lua entrava pela janela e iluminava Valentim.

- O que o senhor...

- Cale-se - disse ele. - Bem, tanto faz. Ninguém vai escutar você mesmo.

Eliene sentiu os pelos do homem roçando sobre sua roupa. Roupa que logo foi arrancada. Ela gostou daquilo. Na maioria das vezes os homens que passavam pela sua casa eram rápidos. Mas aquele era diferente. Valentim segurou os seios de Eliene e chupou um de cada vez. Ela gemeu um pouco alto e um tapa vibrou no seu traseiro.

- Prostituta - Valentim sussurrou no ouvido dela. - Já me contaram do que você é capaz.

- Quem? Quem foi? - Eliene levantou a cabeça surpreendida com a revelação.

- Cale-se.

A língua de Valentim desceu devagar pelo corpo dela dos seios ao meio das pernas. Ali ele se demorou um pouco mais. Eliene sentia a barba roçando entre as coxas e a cada sugada ela se retorcia. Ah, se pudesse gritar. Uma das mãos de Valentim pousara, firme, sobre a boca de Eliene. Dor e prazer se misturavam nela.

O luar revelou o membro grosso do homem e Eliene deixou escapar um gemido. Oh, não, pensou ela. Não sabia se iria suportar. Não daquele tamanho. E, puxa, Valentim não era nenhum pouco carinhoso.

A primeira estocada fez Eliene lembrar da sua primeira vez. O grito escapou entre os dedos dele que agora mal tapavam sua boca.

- Você não aguenta, vadia? - ele falou ao ouvido dela.

- Por favor... - gemeu a jovem. - Eu não...

Mas Eliene queria mais. Desejava aquele bruto todinho dentro dela. Valentim enterrou seu membro com mais força ainda e Eliene achou que algo dentro dela se partiria.

Eliene cravou as unhas nas costas dele e Valentim gemeu também. Ele mexia cada vez mais forte, alucinado, quase louco. A jovem sentiu os cabelos sendo puxados para trás e sim, ela ia gozar a qualquer momento.

Ambos chegaram ao clímax quase juntos. Eliene sentiu o corpo vibrar e ficar inerte pouco depois. Quem era Valentim? Mal sabia o que era um orgasmo com os outros homens que por lá passaram. 

Ele ficou deitado ao lado dela por um tempo se recuperando do ato. Eliene reprimiu a vontade de encostar a cabeça no peito dele. Valentim não era homem disso. O corpo dela doía, mas nada do que fizera se arrependia. Quando será que ele iria partir? Não podia deixar aquele homem sair da sua vida assim tão fácil. E se escondesse suas roupas? Cansada, ela dormiu e quando despertou na manhã seguinte, Valentim não estava mais ao seu lado.

                                                                              *

Seguiram-se dias solitários para Eliene. Alguns viajantes passaram por sua casa, mas ela se trancou lá dentro recusando-se a atender a porta. Contudo, aquela situação não podia durar para sempre ou ela morrera de fome. Ao mesmo tempo seu coração sofria por aquele desconhecido. Boba! Apaixonar-se por um homem que ficara com ela por poucas horas! Talvez nunca mais o visse. O melhor a fazer era seguir a sua vida e isso significava recomeçar a receber os viajantes que passavam por lá.

Um dia, porém, surgiu um convite. E ele veio bem a calhar. Lourie precisava ir até a cidade adquirir as ervas e essências para a fabricação dos seus perfumes e queria que Eliene a acompanhasse. Àquela altura a despensa da garota estava à míngua e ela aceitou. Além de ganhar um dinheirinho, Eliene desejava respirar novos ares. As pessoas da aldeia a sufocavam com aquelas mentes tacanhas. Ver gente diferente na capital do reino era tudo pelo que ansiava.

A viagem durou um dia inteiro. Cada mulher foi montada em um burro e um terceiro animal levava cestas para trazer de volta os produtos que seriam adquiridos. Lourie e Eliene chegaram à cidade somente à noite e dormiram em uma hospedaria simples. No outro dia pela manhã, enquanto comiam o desjejum, a dona do lugar comentou:

- Vocês chegaram no dia certo. Haverá uma grande festa na cidade. Hoje o Rei reconhecerá seu filho bastardo como o legítimo príncipe herdeiro.

- Que ótimo - Eliene olhou para Lourie. - Podemos ver alguma coisa, não?

- Primeiro a obrigação. Vamos à feira - sentenciou ela muito séria. - Depois teremos tempo para nos divertirmos.

Ambas passaram a manhã toda ocupadas. As horas passaram rápidas e no início da tarde almoçaram na hospedaria. Lourie não era jovem como Eliene e se sentia exausta.

- Pode ir às festividades se você quiser, Eliene. Meus pés parecem estar pegando fogo. Só iremos retornar amanhã para a aldeia.

- Está certo, irei mesmo. Não vou me demorar. Na verdade nem sei se irei conseguir ver alguma coisa. A cidade está cheia.

A capital do reino fervilhava. Muitas pessoas de fora haviam vindo para conhecer o príncipe herdeiro. Eliene ganhou as ruas da cidade e, no início, ficou assustada com a movimentação. A aldeia era pura paz e tranquilidade. Mas a cidade era um lugar onde as pessoas se esbarravam a todo instante, os odores a sufocavam, os homens a encaravam de um jeito rude e selvagem. Porém, Eliene logo se acostumou com a balbúrdia, falatório e risadas. Ora, não era tão ruim assim. Depois de caminhar por algumas ruas Eliene já estava gostando de tudo. A aldeia, de fato, era um lugar muito, muito monótono.

Ela perguntou para um homem onde seria a festa e, depois de saber o caminho, para lá se dirigiu cada vez mais animada. De repente, Eliene se viu em um descampado com muitas tendas coloridas e algazarra. As pessoas estavam instaladas em bancos de madeira ao redor e agitavam flâmulas coloridas para dois cavaleiros que simulavam uma luta com lanças. Extasiada, Eliene conseguiu achar um lugar onde tinha uma boa visão do espetáculo. Tudo era fascinante. Os dois homens, vestidos com armaduras que brilhavam sob o sol, protagonizaram uma batalha memorável. A tudo Eliene assistia boquiaberta, esquecida que estava lá para conhecer o futuro rei. Depois que a luta acabou, trombetas soaram. As pessoas silenciaram e Eliene se encolheu no lugar onde estava alojada. Do outro lado do campo, bem em frente à Eliene, um homem mais velho se ergueu. Levaram alguns segundos para que ela se desse conta que aquele era o Rei. Nunca o tinha visto na vida. O homem vestia uma túnica branca e sobre ela um manto dourado. Já tinha uma certa idade, mas era um homem ainda bonito, barba bem feita, boa altura. Ao lado de Eliene algumas mulheres suspiraram, extasiadas. Ela chegou a se emocionar. Nunca imaginou que algum dia teria oportunidade de conhecer o Rei. Diziam que era um homem muito bom. Viúvo, sem filhos, todos sabiam do seu drama na sucessão do reino. Pelo visto, esse problemão não existia mais.

O Rei começou a discursar, porém o vento levava suas palavras para longe. Eliene pouco escutava, mas ela não se importava com isso. Era um momento grandioso na vida do reino e Eliene segurava as lágrimas por fazer parte também.

Então ela escutou, em meio ao silêncio respeitoso dos súditos, um nome conhecido. Valentim.

Príncipe Valentim.

Eliene sentiu um soco no peito e cambaleou. Seus olhos se ajustaram mais na figura alta e morena que surgiu ao lado do Rei.

Era ele.

Valentim.

                                                                            *

Atormentada. Foi assim que Eliene se sentiu quando visualizou Valentim em pé ao lado do Rei. Em seguida ambos foram até o centro da arena para oficializar o ato do reconhecimento do príncipe herdeiro. Eliene teve vontade de agitar os braços, gritar, enfim, fazer qualquer coisa para chamar a atenção dele. Mas nada fez. Ele sequer a veria no meio daquela multidão. Talvez não a reconhecesse. Ou a ignorasse mesmo. Eliene assistiu - o coração martelava tanto dentro do peito que até se sentiu mal -, a cerimônia prosseguir. Depois que tudo acabou, Rei e Príncipe se retiraram da arena e as pessoas presentes começaram a festejar. Vinho e cerveja rolavam soltos. Havia uma mesa enorme com leitões assados para os súditos se servirem. A música alegre incentivava as pessoas a dançarem umas com as outras. Um homem fedido agarrou Eliene pela cintura e ela lhe desferiu um forte tapa no rosto.

- Não me toque - gritou, raivosa. - Eu pertenço ao Príncipe Valentim!

Era noite já. Eliene voltou para a hospedaria ainda pasma com tudo o que presenciara. Lourie reparou que a moça estava esquisita, mas Eliene alegou cansaço.

No outro dia, antes de o sol nascer, Lourie e Eliene voltaram para a aldeia carregadas com óleos, ervas e essências. Chegaram somente ao entardecer e Lourie entregou um saquinho de pano à moça.

- Aqui está sua recompensa. Obrigada por ter me acompanhado.

Eliene apertou com força o saquinho colorido entre os dedos.

- Muito obrigada. Eu estava precisando muito - ela fez uma pausa. - Muito mesmo.

- Faça bom proveito.

Eliene entrou em casa e fechou a porta à chave. Respirou fundo, os olhos cerrados. Os vizinhos só se deram conta que Eliene havia abandonado a aldeia no final da tarde do dia seguinte.


domingo, 26 de julho de 2020

TUDO QUE EU QUERIA (erótico)






Analu abriu o guarda-roupa, empolgada. Xô, azar! Xô, olho gordo! Glória aos céus! Depois de muito flerte e sorrisinhos escondidos, finalmente o gato da assessoria jurídica a convidara para uma saída. Analu era pé no chão. Não se deixava entusiasmar por qualquer um. Ah, mas o Leandro era diferente. Inteligente, carismático e dono de um sorriso enlouquecedor. Nove entre dez colegas de Analu estavam encantadas por ele. Mas quem vencera aquele primeiro round fora ela.

               Um vestidinho cor-de-vinho na altura do joelho foi o escolhido para a noite de estreia. A calcinha de renda também. Não que pretendesse transar no primeiro encontro. Mas... talvez a tentação fosse mais forte. No horário marcado Analu estava no hall do prédio se sufocando com o próprio perfume (será que exagerara na dose?) e tentando disfarçar a ansiedade. Precisava se mostrar autoconfiante e não uma menininha insegura. Afinal, já tinha 35 anos.  E, puxa, estava na hora de pensar em um romance sério para seu futuro.

                Leandro apareceu quinze minutos depois do combinado. Àquela altura Analu já imaginava ter sido vítima de um bolo. O desanimo já se desenhava quando uma caminhonete parou bem em frente à calçada do seu prédio e uma buzina soou. Ufa, era ele.

                Armada do seu melhor sorriso, Analu entrou no carro surpresa com o luxo. Uau. Lindo e com carrão. Não importava o atraso.

                — Oi, desculpe me atrasar ─ ele olhou para Analu, preocupado. — Tive problema em receber o carro.

                — Ah, você o emprestou para alguém?

                — Na verdade, meu primo quem me emprestou. Eu não tenho carro.

                Analu sentiu um princípio de frustração. Oi? Não tem carro? Se locomove como, então? Como se adivinhasse seus pensamentos, Leandro disse em seguida:

                — Eu circulo por aí de bicicleta.

                — Oh, é mesmo? ─ Analu sorriu não muito à vontade. — Até mesmo para o trabalho?

                — Sim ─ confirmou Leandro. — A grana tá curta. Preciso economizar.

                Cruzes. Analu sorriu amarelo e apertou a bolsa. Tudo bem, o cara não tinha grana. O futuro que Analu ousou imaginar com ele já se desfazia ante seus olhos. Pois bem. Onde ele iria levá-la para jantar?

                — Você tem ideia de onde quer ir?

                Leandro fez a pergunta e pegou Analu de surpresa. Opa. Achou que ele já tivesse algo em mente. Ainda mais que ele não tinha tanta grana.

                — Eu pensei em... ─ Analu imaginara em ir a um restaurante tailandês novo que abrira dez dias antes e que fazia já o maior sucesso. Muita gente descolada e badalada ia lá. Mas pelo visto... Talvez uma churrascaria fosse mais barato. — Tem uma churrascaria aqui perto muito boa. E mais para frente uma galeteria incrível. O que... você acha?

                — Por mim tudo bem.

                — Que ótimo.

                Sem assunto. Analu, decepcionada, se viu sem papo para continuar. Tão lindo, mas pobre. Ah, meu Deus. Era bom demais para ser verdade. O carro prosseguiu pela avenida e o silêncio reinava. Que chato. Então ela decidiu perguntar:

                — Anda muito de bicicleta?

                Leandro sorriu. Pelo visto aquele assunto era o preferido dele.

                — Bastante. Faço trilhas finais de semanas com a turma. Bom demais.

                Analu, sedentária, chegou a sentir certo cansaço imaginando Leandro subindo e descendo morros nos dias de folga.

                — Uau. Imagino.

                Leandro apontou para frente e perguntou:

                — Tem uma galeteria ali. É aquela?

                — Sim ─ Analu não via a hora de comer alguma coisa. Assim não tinha obrigação de conversar com ele. — Ela é muito boa.

                — Certo. Vou estacionar.

                Enquanto Leandro manobrava o carro no meio fio, Analu sentiu um pingo de suor escorrer espinha abaixo. Imaginou o que diria para suas amigas. Todas a incentivaram para sair com ele como se Leandro fosse a solução de todos os seus problemas. Talvez nem para uma transa aquele encontro servisse. Quando ambos já estavam fora do carro e Analu sorria sem graça para ele, Leandro fez um gesto com a cabeça para uma casa de sucos do outro lado da rua.

                — O que você acha?

                Analu sequer sabia para onde ele apontava ou o que queria dizer. Franzindo a testa perguntou:

                — Hein?

                — A casa de sucos. Os produtos são naturais e deve ser mais barato. Topa?

                Minha nossa.

                — Se eu topo? ─ Analu teve vontade de dar uma gargalhada de puro desgosto. — Que mal tem?

                Pouco depois ambos estavam sentados frente a frente em uma mesinha pequena em um ambiente um tanto apertado. Leandro pediu sanduíche natural e um suco verde. Sem fome, contendo a irritação, Analu optou por um pastel assado de galinha.

                — E para beber, senhora? ─ perguntou a atendente, educada.

                Veneno.

                — Uma Coca-Cola bem gelada, por favor.

                Leandro a encarou como se não entendesse o que ela queria dizer com aquele pedido insólito num estabelecimento de produtos naturais.

                — Colega, aqui só tem bebidas que fazem bem para a saúde.

                “Colega”. Fora assim que Leandro a chamara. Colega? Bom, ambos trabalhavam juntos. Vai que ele estivesse esquecido o nome dela? Tudo era possível, inclusive Analu enfiar a mão no meio daquele rosto tão bonito.

                — Suco de melancia ─ ela respondeu se perguntando se era muito cedo para voltar pra casa.

                A atendente se afastou e Analu e Leandro se encararam meio sem jeito.

                — Então... você trabalha há muito tempo na empresa? ─ Leandro perguntou tentando criar assunto onde não tinha.

                — Ah, faz uns... cinco anos? Sim, mais ou menos isto. Bem, e você chegou há uns...

                — Seis meses ─ Leandro completou a frase. — Gosto muito de lá. E você?

                — Eu também.

                — Nossos pedidos estão chegando.

                A atendente apareceu como por encanto frente a eles e colocou os pedidos de cada um sobre a mesa. Analu lembrou que gostaria de estar saboreando uma comida tailandesa e se deprimiu. As meninas não iriam acreditar no seu azar.

                — Você curte sexo a três?

                Aquela pergunta veio tão repentinamente que Analu quase se engasgou com o pastel.

                — Oi?

                — O que você acha de sexo a três?

                Era sério aquilo? Pela expressão de Leandro tudo indicava que sim.

                — Você está me perguntando se eu curto suruba?

                Ele deu uma risadinha.

                — Suruba e sexo a três não são a mesma coisa.

                — Não sei bem a diferença. Mas eu não curto. Próxima pergunta?

                — Você já transou com outra mulher?

                Analu largou o pastel com raiva sobre a mesa. A situação, que já era bem ruim, se tornava mil vezes pior.

                — O que você pretende com este tipo de pergunta?

                — Conhecer você melhor. Não foi para isto que nos encontramos?

                —Você está comigo faz quinze minutos e quer saber da minha vida e preferências sexuais ─ Analu estava possessa. — No mínimo é bem esquisito.

                — Ora, esquisito por quê? Você vem me encarando na empresa faz dois meses. Piscadinha, sorrisinhos... Para que tudo isto? Por que gostou dos meus olhos azuis?

                Analu tentou replicar, mas Leandro continuou, firme e direto:

                — Você é uma mulher bonita, Analu. Confesso que seu tipo me atrai ─ ele baixou o tom de voz e acrescentou. — Para sexo. Não pense que convidei você para sair e ficarmos falando sobre nossas carreiras. Fui direto com você para não perdermos tempo. Você gosta de sexo? Ou não?

                Meia hora depois Analu e Leandro estavam em um motel, cada um arrancando sua roupa como se aquela trepada fosse a última das suas vidas. Fazia dois anos que Analu não transava com ninguém. E sua última experiência fora com um idiota de pau pequeno. Mas, quando ela viu o tamanho do pinto de Leandro, todas as suas memórias recentes apagaram. Ele era simplesmente demais.

                Leandro, nu, deitou-se na cama, displicente. Segurou o pau e com ele fez um sinal para Analu.

                — Vem me chupar.

                Ela se aproximou devagar e engatinhou pela cama até sua boca alcançar o pau de Leandro. Quantos centímetros? Uns 22. Nunca transara com alguém daquele tamanho. Devagar, Analu abocanhou o pau de Leandro enquanto acariciava suas bolas. Tudo nele era gostoso. A mão dele começou a forçar a cabeça dela para baixo, primeiro devagar. Depois com mais força. Analu achou que iria se engasgar e chegou a fazer um gesto para Leandro parar. Mas o efeito foi o contrário.

                — Você não aguenta a pressão, vadia?

                Ele empurrou mais três vezes a cabeça de Analu até que finalmente a soltou. Analu sentou na cama aproveitando para respirar. Quando olhou para ele reparou que Leandro a encarava, sádico. Não sabia se deveria temê-lo ou aproveitar a situação.

                — Quero seu cu ─ sussurrou ele. — Quero ver se você vai aguentar.

                Analu chegou a piscar. Ah, não. Dar a bunda, não. Sempre dera por obrigação e para paus com menos calibre. Só de olhar para o pau de Leandro sentiu dor.

                — Acho que não ─ ela ousou dizer.

                Mas foi tudo muito rápido. Leandro a virou de bruços sobre a cama e abriu as pernas dela com brusquidão. Quando Analu soltou um grito ele bateu na bunda dela com força.

                — Algum homem já te tratou assim, Analu?

                Nunca. Nunca mesmo. Que medo, pensou ela. Mas por que estava tão excitada?

                — Não ─ ela sussurrou.

                — Então quero ver você gritar.

                Cada estocada do pau de Leandro era um grito de Analu. Ela não economizou ao mesmo tempo em que morria de vergonha. O motel inteiro deveria estar ouvindo os urros dela. Leandro, montado em cima dela, era como um animal. Enquanto ele comia sua bunda, Analu sentia os dedos dele puxando cada fio do seu cabelo. Era algo que ela nunca havia passado antes. Transar daquele jeito era como assistir aqueles filmes pornôs que os ex-namorados adoravam assistir e não cumpriam nem a metade.

                A sessão de sexo anal levou uns dez minutos. Analu via estrelas e se pegou pedindo mais. Quando Leandro gozou dentro dela e caiu para o lado, Analu se deu conta que estava molhada de suor. Prostrada sobre a cama, ela o encarou de olhos semicerrados. Leandro parecia morto ao seu lado, também extenuado. Depois de um tempo ele disse:

                — Você é tão apertadinha... Nunca souberam comer você, não é?

                Analu decidiu sentar. Dolorida, ela se acomodou melhor sobre a cama.

                — Talvez não. Você é algum tipo de ator pornô?

                Leandro soltou uma risada.

                — Eu? Nunca pensei nisto.

                — Acho que vou tomar um banho.

                Ela saltou da cama e caminhou a passos lentos até o banheiro. Agora sabia o que significava a expressão “arrombada”. Achou que nunca mais voltaria ao normal quando deixou a água quente cair sobre seu corpo. Então o box do chuveiro abriu meio que bruscamente. Era Leandro.

                — Ainda não comi sua buceta.

                Analu se excitou ainda que o corpo estivesse todo dolorido. O membro entrou rasgando e Leandro segurou os braços dela para cima, imobilizando-a a cada metida. O orgasmo não demorou a vir. O suor misturou-se com a água do chuveiro e a porra do Leandro. Os dois apoiaram as costas nas paredes do box buscando ar. Sem dúvida, Analu teria uma grande história para contar para suas amigas.

                A noite terminou uma hora e meia depois quando Leandro a deixou bem na frente do prédio. Ambos trocaram um rápido beijo e um “até amanhã”. Analu entrou no apartamento, deixou a roupa pelo caminho e se jogou na cama.

                Que noite.

 


sexta-feira, 24 de julho de 2020

OS PERFEITINHOS







Ele era um príncipe. Nossa, como era bonito o Pedro. Nós éramos colegas de faculdade desde o primeiro semestre, porém eu não fazia parte da turminha dele, os descolados. Eu observava-os de longe, tímida, mas ansiando muito fazer parte daquele círculo de amigos (eram entre oito, meninas e rapazes) que pareciam tão divertidos, de bem com a vida, sem problema nenhum...

Na minha cabeça Pedro realmente não deveria ter preocupações. Rico, carismático, carrão último modelo. Pedro namorava a Alice, sua versão feminina. Formavam um lindo casal. E eu morria de inveja dela, daquele rosto de porcelana, o corpo perfeito, do sorriso cristalino. Eu queria - precisava - achar um defeito nela, mas nunca encontrei.

Até que... rolou aquela festa.

Festa do curso. Nunca curti muito estas paradas, mas minhas amigas decidiram ir e, como eu não queria ficar para trás, fui junto. O Pedro estaria lá, não que isso fosse adiantar alguma coisa. Porém... esperança eu tinha muita. Coloquei meu melhor vestido preto e fui.

A festa foi numa casa noturna. De cara percebi que aquele não era meu lugar, contudo as meninas estavam animadíssimas e resolvi entrar na onda. Até funk dancei. Achei que seria bom pirar um pouquinho. O Pedro eu vi de longe com a namorada. Ele me pareceu meio loucão. Diferente. Não era aquele cara alegre que me encantava todos os dias na faculdade. Sei lá.

Em algum momento da festa eu precisei ir ao banheiro. As amigas da Alice e a própria estavam lá. Risadinhas, gritinhos. Eu, tão insignificante, fui ignorada por elas. Tudo bem. Eu não fazia parte daquela tribo. As meninas também estavam doidonas. Quando me aproximei da pia para lavar as mãos percebi o motivo de tanta euforia. Me enojei. Elas estavam cheirando alguma droga. 

Então... Pedro deveria fazer o mesmo, não?

Minha cabeça dava voltas. A turminha dos descolados e de bem com a vida precisava de uma "ajuda" para se manter feliz. Sem isso a vida deles era um inferno. Que triste vida, sinto muito por vocês, Alice e Pedro. Acho até que vocês se merecem.

Saí daquele banheiro puxando a minha perna mais curta e ajeitando meus óculos fundo de garrafa.

A perfeitinha era eu.

sábado, 18 de julho de 2020

A RAINHA DAS REDES









Quem nunca havia ouvido falar em Sthepanie MonteBlanco? Ex-modelo, Steph era a digital influencer mais famosa do país. Tudo o que ela vestia, comia ou fazia virava tendência. O seu canal do YouTube possuía mais de dois milhões de seguidores. No Instagram Steph também era rainha. O corpo perfeito foi conquistado à base de dietas da moda. As aulas de ginástica eram compartilhadas nas redes sociais.

Stephanie Monteblanco era um fenômeno. As mulheres queriam ser Steph. Até o marido dela era um gato. Sabe aquele termo “casal perfeito”? Então…

 — Eu sempre quis ser ela.

 Roberta admirava uma foto de Stephanie em um site da internet. Diva em um biquíni branco em alguma praia paradisíaca. Roberta engoliu a terceira folha de alface ao mesmo tempo em que apalpava a camada de gordura que cobria a barriga.

 — Mas ainda falta um tempo – emendou ela.

 A mãe preparava um bolo cheiroso na cozinha.

 — Tempo para quê, minha filha?

— Para eu ficar sequinha igual à Steph. Vai chegar o dia que eu vou vestir aquele mesmo biquíni branco.

— Ah, isto mesmo, Roberta. Foco. Quer um pedacinho de bolo de chocolate?

A quarentena não tirara o foco de Roberta. Ela precisava emagrecer vinte quilos. Doze já tinham se evaporado graças às dicas incríveis de Steph. Depois que perdesse o que faltava, Roberta iria tingir o cabelo de louro tal qual sua diva. Stephanie era sua fonte de inspiração. E de milhões.

Até que um dia... a própria Steph cansou. Cansou e causou. Sem que ninguém pudesse adivinhar, Steph, num ato de libertação, decidiu postar não apenas uma, mas várias fotos sem filtro, sem photoshop, sem retoque.

Quando os fãs se depararam com Steph ao natural, foi como se iniciasse um incêndio de grandes proporções. Roberta ficou chocada por várias horas e chegou a afirmar que era tudo montagem. Não, a sua diva suprema não era aquela figura pálida, com pancinha e com estrias na bunda. O cabelo loiro estava longe de ser aquele digno de propaganda de xampu.

— Não posso acreditar que esta é a Steph real – balbuciou Roberta em transe. — Ela é quase igual a mim.

A mãe de Roberta encarou a filha e soltou uma risada sonora.

— Rá! Sempre soube que ela não era grande coisa!

No decorrer dos dias que se seguiram, Steph despiu-se do seu personagem e continuou postando suas fotos reais para elogio e aversão de muitos. Roberta decidiu parar de segui-la nas redes sociais.  Vê-la como uma mulher comum a deprimia. Roberta conseguiu perder o peso que faltava, mas foi de tristeza. Meses depois Steph largou de vez as redes sociais. E sumiu.

Então surgiu uma nova musa. Antonia Lacave, Corpo perfeito, voz sedutora, uma ruiva de parar o trânsito e fechar o comércio. Roberta, ao descobri-la, passou a segui-la no Insta e no YouTube como se Antônia fosse uma religião.

No outro dia tingiu o cabelo de vermelho.



domingo, 12 de julho de 2020

SOZINHA EM CASA (Conto de suspense)



Desliguei a televisão antes da meia noite. Fechei as cortinas, atirei em cima da mesa as revistas que inutilmente tentei ler e preparei-me para ir dormir.

Aliás, dormir não era bem o termo certo. Rolar na cama seria mais apropriado. Há alguns dias meu sono me abandonara. Quando eu conseguia cerrar os olhos os sonhos mais tenebrosos invadiam minha mente.

Eu havia perdido meu bebê há dez dias.

Depois uma gravidez muito esperada, na 12ª semana tudo chegara ao fim e nenhum médico soubera me dizer o motivo. Naquela terrível segunda-feira voltei para casa com minha alma aos pedaços e escondi todas as roupinhas que já tinha comprado dentro de um baú. E nunca mais o abri outra vez.

Meu marido não sabia do tamanho da minha dor e eu não pretendia me fazer de vítima para ninguém. Precisava manter minha aura de mulher forte e sofri em público durante dois dias. Depois, me fechei em mim mesma. Só eu poderia viver aquele tipo de dor.

Eu estava sozinha em casa. Uma viagem a negócios de última hora fez com que meu marido pegasse um voo às sete horas da noite. Controlei o ímpeto de pedir para que ele ficasse, porém calei-me. De repente vi-me abandonada em um apartamento grande e, subitamente, vazio. Liguei a televisão no mais alto volume, acendi todas as luzes da casa. Minha mãe me ligou antes das dez horas da noite e perguntou como eu estava.

Tudo estava ótimo. Omiti que o vento lá fora me perturbava e que precisava tão somente de algumas horas de sono. Desliguei o telefone e assisti a quase duas horas de programas sem graça nenhuma. Troquei de canal a cada vez que aparecia um bebê na tela.

Por fim, cansei de tudo. Apaguei todas as luzes do apartamento. Lá fora ainda ventava. A lua cheia iluminava meu quarto quando me escondi debaixo das cobertas pesadas. Senti um pouco de sono. Talvez conseguisse dormir algumas horas seguidas e acordar renovada na manhã seguinte.

 

Foi aquele chorinho de bebê que me despertou exatamente às três horas da manhã. Até então eu dormia bem, sem sobressaltos e sem sonhos. Vi-me de olhos arregalados olhando para o teto. O luar ainda clareava meu quarto.

Silêncio.

Fiquei atenta para qualquer som diferente. Talvez alguma vizinha tivesse algum bebezinho novo ou fosse até mesmo um filhote de gato. O certo é que tudo estava silencioso. Lá de cima eu não escutava sequer o barulho de uma buzina. Não era nada. Acomodei-me novamente e fechei os olhos.

Aquele som.

Desta vez sentei-me na cama no mesmo segundo. Havia alguém – um bebê! – dentro da minha casa. Escutei de novo. Meus cabelos na nuca se arrepiaram todos. O choro parecia ser de alguma criança com poucos dias de vida. Estava próximo demais. Era pouco mais de três horas da madrugada e um bebê chorava na minha sala.

Joguei as cobertas para o lado e saí do meu quarto. Eu precisava atravessar o corredor para chegar até a sala e procurei o interruptor de luz. A princípio não acreditei que eu estava sem luz em casa. A única luminosidade vinha da lua e mesmo assim não resolvia muito. Fiquei tensa e meu coração disparou. Aquele corredor escuro não parecia muito convidativo para atravessar.

E o chorinho continuava.

Respirei fundo. Alguma coisa estava acontecendo naquele apartamento. Alguém estava brincando comigo. Senti medo, mas raiva também. Tateando as paredes caminhei de pés descalços e sem fazer qualquer ruído até minha sala. Quando parei na entrada, o som cessou.

Na semi-escuridão eu conseguia enxergar algumas coisas. O sofá, a mesa de jantar, as estantes, o lustre. A sala era grande. Alguém podia estar tentando se esconder atrás dos móveis ou das cortinas. Mas como alguém conseguiu escalar dez andares sem ser visto?

Tentei novamente o interruptor de luz e nada. A cortina se mexeu. Havia uma circulação de vento que entrava pela casa e fazia balançar meus cabelos. Será que era isso que sacudia a cortina também? Lembrei que eu guardava as velas dentro do balcão. Ajoelhei-me, tensa e trêmula, procurando por elas dentro do móvel. Quando as encontrei, acendi a maior de todas. Algo passou por trás de mim naquele momento. Dei um pulo e fiquei em pé sufocando um grito.

Pus a vela a minha frente como tentando me defender de algum ataque. Contudo, não havia ninguém. Ninguém deste mundo, pelo menos. Pois junto à janela havia um vulto. Uma mulher. E ela trazia algo nos braços.

Engoli em seco. Eu mal podia enxergá-la direito. Os cabelos compridos também se balançavam ao sabor do vento. O vestido longo não disfarçava a barriga de gravidez. No colo dela havia uma trouxinha. A mulher parecia estar segurando um boneco.

Engoli em seco. E o bebê chorou.

— Quem é você? - perguntei em pânico.

Minha voz, no entanto, mal saiu. Eu sentia minhas pernas bambas, sem forças para dar um passo em direção à porta da frente. Queria pedir por socorro, mas ninguém iria acreditar que eu estava vendo uma mulher na minha sala, grávida e segurando um bebê.

Mas e se fosse meu filho? Aquela mulher estava segurando meu filho nos braços. Sim, havia sido ela que roubara o bebê de mim e agora estava ali, na minha sala, zombando da minha cara.

— Devolva meu bebê.

Nada. Fui tomada de uma imensa raiva. Eu queria meu bebê de volta. A mulher o roubara de mim. Agora eu estava entendendo tudo. Uma alma de outro mundo levara meu filho e isso a medicina jamais conseguiria explicar.

— Eu quero meu bebê agora! - vociferei.

Sem saber como, avancei como uma leoa em direção à mulher, segurando a vela com força. À medida que me aproximava a raiva também me consumia e era possível enxergar os traços da mulher que trazia meu bebê nos braços. Apenas poucos passos nos separavam agora. A criança começou a chorar mais alto e um forte vento entrou vindo de alguma janela escancarada. Coloquei a vela na mesa e estiquei meus braços para alcançar meu filho.

O grito que eu dei atravessou os mundos. A luz voltou de repente e vi-me frente a frente com uma mulher muito parecida comigo. Ela vestia um longo vestido branco até os pés, sujo de sangue. A dor que trazia nos seus olhos era muito parecida com aquela refletida pelo meu espelho todos os dias. Tentei pegar a criança dela, mas a mulher a segurou fortemente. Eu não podia enxergar o rostinho do bebê, uma fralda o encobria. Fiquei furiosa e atemorizada. Mas o bebê era meu e não iria deixá-lo fugir de mim de novo.

Entramos em luta corporal. Grudei-me nos cabelos dela, ao mesmo tempo em que ela parecia fazer o mesmo comigo. Apesar da luta, nem por um momento a mulher soltou a criança. Eu sentia o hálito fétido dela no meu rosto e um cheiro de queimado também. Meus gritos deveriam estar sendo ouvidos por toda a vizinhança. No prédio ao lado as luzes começaram a ser acesas.

Gritos que já não eram mais os meus se faziam ouvir no corredor do meu prédio, na porta do meu apartamento. Comecei a sentir calor e uma sensação de queimação. Mesmo assim não interrompi a luta. A mulher cravou as unhas podres no meu rosto e eu fiz o mesmo. Alguém meteu o pé na porta no exato momento que ela se voltou para a janela, sorriu diabolicamente e jogou o bebê dez andares para baixo. Fui salva um centésimo de segundo antes de me jogar atrás do meu filho.

*

Acordei-me dois dias depois deitada em uma cama de hospital. Estava com os braços enfaixados devido às queimaduras. Meu couro cabeludo doía. Um vizinho havia me agarrado pelos cabelos evitando que eu saltasse atrás do meu filho.

Meu filho?

Algumas cenas daquela noite pavorosa vieram a minha mente. E tudo começou a ficar claro. Eu surtara. Enxerguei um vulto que era eu mesma. Lutei contra mim na ânsia de trazer o bebê de volta. Nada daquilo havia acontecido. Minha mente produzira imagens. Eu havia enlouquecido por poucos minutos e quase havia me matado.

Meu marido se aproximou, abatido, da minha cama. Parecia que ele não dormia há muito tempo.

— Como você está? – ele perguntou, passando a mão nos meus cabelos.

— Bem – Era verdade. Desde que tinha perdido a criança era a primeira vez que me sentia perto do meu normal.

— Bem mesmo?

— Claro, não estou mentindo.

— Por que você não contou que estava passando por problemas? – cobrou ele. — Eu não teria viajado aquela noite.

— Desculpe, meu amor... Não pensei que eu estivesse tão mal. Acho… que o estresse foi grande demais.

— O que aconteceu, afinal?

— Escutei um choro de criança, de madrugada. Levantei-me para ver o que era e não havia luz. Acendi uma vela e deparei-me com uma mulher próximo à janela segurando um bebê. Tive certeza que era nosso filho. Avancei contra ela e entramos em luta. Depois…

— Depois você quase botou fogo na casa. Em seguida quase se atirou pela janela. Se não fosse pelo vizinho do lado, você teria se jogado de dez andares. Isso não deve ficar assim. Você vai começar um tratamento psiquiátrico assim que sair do hospital.

Concordei imediatamente. Aquele episódio me dava calafrios. Jamais poderia imaginar que minha mente pudesse chegar tão longe. Jurei a mim mesma que pediria ajuda caso algo semelhante acontecesse outra vez.

Passei o resto do dia bem. Alimentei-me normalmente e distrai-me com a visita de amigos. Tentei ignorar a cara de espanto e algumas perguntas mais inconvenientes. No outro dia eu daria alta e já estava planejando uma curta viagem com meu marido. Era tudo o que eu precisava, disposta a iniciar uma nova vida.

A noite chegou e com ela meu sono. Depois de conversar algum tempo com meu marido, preparamo-nos ambos para dormir. Eu me sentia calma e sem dor. Para minha felicidade dormi logo. Acordei-me às três horas da manhã com um choro de criança.

Sentei na cama, tal qual a outra noite. Só que desta vez foi pior. O pânico parecia mais real. Meu parceiro dormia ferrado e não escutou meus chamados. Lembrei-me que o quarto poderia estar localizado perto da maternidade e fiquei mais aliviada. Porém, como o choro persistia, resolvi levantar-me para tirar a dúvida.

Abri a porta do quarto. O posto das enfermeiras ficava um pouco afastado. O choro cessou. Definitivamente a maternidade não era naquele andar. No fim do corredor algo se mexeu. Fiquei com os olhos vidrados ao deparar-me com aquele vulto vindo em minha direção.

Ele trajava um manto negro e trazia uma foice na mão.