Capítulo 1
Quando
Marcelo estacionou o carro junto ao meio fio, Samanta perguntou surpresa:
− Você tem certeza de que é esta?
− Eu não iria brincar com uma coisa
tão séria – respondeu ele sorrindo.
Ela
riu alto. Aquela casa era simplesmente demais. Samanta abriu a porta do carro
praticamente em câmera lenta analisando cada detalhe da construção. Em pé, na
calçada, ficou em silêncio até escutar a voz de Marcelo:
− E então? O que você acha?
− Incrível. É a casa que eu sempre
sonhei. Moderna, clean... Podemos entrar?
− Claro – Marcelo pegou as chaves do
bolso e perguntou: − Você acha que eu a traria aqui só para ficar do lado de
fora?
− Ora, eu mataria você!
De
mãos dadas, ambos entraram na casa. O hall e a sala eram de bom tamanho e
Samanta logo se viu pensando na decoração
− Me aparece aconchegante – e ela
apontou para o canto da sala. – Sempre sonhei em ter uma lareira como aquela
ali.
− Você ainda não viu o resto.
Venha − disse Marcelo, puxando-a pela
mão. – Tem muito mais.
Durante
a meia hora seguinte o casal percorreu a casa de dois pisos fazendo planos como
se ela já lhes pertencesse. No final, Samanta enumerou tudo o que tinha
gostado:
− Piscina, banheira de hidromassagem,
lareira, escritório para você, um quarto de casal enorme… O que posso querer
mais? Para mim ela é perfeita. Sem falar que este condomínio é bem bacana.
Marcelo
e Samanta estavam casados há pouco mais de um ano. Modelo famosa, Samanta fazia
ainda alguns trabalhos, optando por ficar o maior tempo possível com o marido.
Já Marcelo era um advogado em ascensão em uma notória firma jurídica. O
casamento ia muito bem. Desde o primeiro dia que se viram nunca mais haviam se
desgrudado.
Porém,
apesar de ambos estarem vivendo momentos de grande paixão, Samanta jamais
poderia suspeitar que Marcelo, poucos anos antes, sofrera uma terrível decepção
amorosa. Aliás, isto era um tabu na vida dele, um assunto que poucos conheciam
e que Marcelo não fazia a menor questão de lembrar. Mulher de rara beleza,
Samanta o fascinara instantaneamente com seus olhos verdes e a pele negra. Em
três meses estavam casados e vivendo intensamente cada instante.
− É só você dizer “sim” e eu ligo para
o corretor – Marcelo apontou para o celular. – A decisão está toda em suas
mãos.
− Ligue para ele agora. Eu quero esta
casa!
Sem
perder tempo, ele telefonou para o corretor acertando uma visita. Samanta já
tinha mil idéias para decorar a casa quando o marido desligou o celular.
− Vou fazer deste lugar o nosso ninho
de felicidade, meu amor. Será que fui piegas demais?
− Acho que sim – sorriu Marcelo,
abraçando-a. – Mas qual é o problema, desde que isso a faça mais feliz?
− Você é o responsável por tudo de bom
que tem acontecido na minha vida – confessou ela. – Mal vejo a hora de me mudar
para cá – Samanta lhe roubou um beijo.
− Vamos dar uma volta pelo condomínio
e conhecer nossos novos vizinhos?
− Claro, estou ansiosa por isto!
O
condomínio agradou em cheio Samanta. Com ciclovia e calçadão para caminhar, ela
se sentiu em casa. De mãos dadas com o marido enquanto faziam o reconhecimento
de área, ela apontou discretamente e exclamou:
− Veja, tem até um supermercado!
− Eu falei que você encontraria tudo o
que precisa aqui – replicou Marcelo, satisfeito com a alegria da esposa.
− Realmente, estou cada vez mais
surpresa. E aliviada.
− Aliviada por quê?
− Não suporto mais o estresse da
cidade. Estou precisando de um lugar calmo para viver. E você também – reparou
ela. – Aquele escritório suga toda sua energia.
− Você repõe todas minhas energias.
− Pensei que eu também tirasse.
− Nas horas certas, sim – Marcelo riu.
− E depois – emendou ela com um
sorriso no rosto, – nossos bebês serão criados com mais liberdade e qualidade
de vida. Este lugar é perfeito para crianças.
Marcelo
ficou em silêncio. O assunto “filhos” era constante na vida do casal, porém
sempre por parte de Samanta. O sonho dela era ser mãe. Ele, no entanto, jamais
revelara que fizera uma vasectomia meses antes de conhecê-la. E não tinha se
arrependido disso mesmo depois de se apaixonar por ela. Crianças, sinceramente,
somente a dos outros. E mesmo assim com alguma distância. Marcelo sabia que
deveria ter contado para Samanta desde o início. Mas não o fizera. Assim, ela
continuava alimentando seu sonho, mal sabendo que com Marcelo isso jamais
poderia se concretizar.
− Você não acha? – perguntou ela.
− Acho o quê?
− Os nossos filhos serão muito felizes
aqui. Viverão uma infância de verdade e não presos dentro de apartamentos, em
uma selva de concreto.
− Ah, claro... Aqui é o lugar ideal –
para trocar de assunto, Marcelo rapidamente falou. – Vou deixar você
encarregada das reformas, dos pedreiros, de tudo. Com o novo caso que me deram
na firma não terei tempo de gerenciar as coisas mais de perto.
− Deixa comigo – Samanta concordou
feliz. – Vou adorar me ocupar com a reforma e a decoração da casa. Posso até
consultar você de vez em quando.
− Gostaria muito, mas reconheço seu
bom gosto. Fico tranquilo deixando tudo em suas mãos.
Samanta
deu uma gargalhada gostosa e o abraçou.
− Tenho certeza de que seremos muito
felizes aqui, meu amor.
− Viveremos momentos inesquecíveis
neste lugar.
Eles
mal podiam imaginar o quanto a frase de Marcelo tinha de verdadeira.
Capítulo
2
Devido
ao trabalho de Marcelo e ao tempo livre de Samanta, foi ela quem inspecionou as
reformas que haviam planejado. Tudo estava saindo bem e dentro do cronograma
proposto e o casal não via a hora de se mudar para o condomínio. Todos os dias
pela manhã, Marcelo deixava Samanta na nova casa que tomava a forma que ambos
desejavam e aparecia para buscá-la no horário do almoço e depois no final da
tarde. Ela estava adorando sua nova atividade.
Parada
na calçada, Samanta observava, próxima ao gramado da frente, a paisagista
conversar com o jardineiro. Pelo andar da carruagem, ela teria o mais lindo
jardim do condomínio. Satisfeita, olhou em volta. As ruas calmas e com pouco
movimento eram perfeitas para uma corridinha matutina ou ao entardecer.
De
óculos escuros e com os cabelos cacheados presos no alto da cabeça, Samanta se
destacava em qualquer lugar graças ao seu porte altivo. Por isto não estranhou
quando percebeu, pelo canto do olho, que alguém a observava da casa da frente. Samanta
voltou-se rapidamente para dar o flagra, porém não foi rápida o bastante para
ver quem era. Quem a espreitava escondeu-se atrás das cortinas. O mistério
permaneceu durante o dia inteiro.
Mais
para o fim da tarde, quando Marcelo veio buscá-la após o trabalho, Samanta
comentou:
− Sabe que havia alguém me espionando
na casa da frente? Muita falta do que fazer!
− Certamente era algum fã seu. Deve
estar se achando o cara mais sortudo do mundo porque você vai morar bem na
frente da casa dele. É uma pena, porque quem ganhou a sorte grande fui eu.
− É impossível manter-se modesta ao
seu lado, meu amor – comentou Samanta acariciando o rosto dele.
− Você é a única mulher que eu conheço
que não precisa bancar a modesta.
− Estou tão feliz que nós vamos morar
nesta casa, Marcelo – sussurrou ela enquanto o carro saía do condomínio e
pegava a via movimentada. − Espero que os vizinhos também sejam legais.
− Bem, você tem a capacidade de se
entrosar com qualquer pessoa, qualquer que seja o lugar. Você realmente não tem
com que se preocupar.
− Mas você sabe que muitas pessoas só
se aproximam porque sou relativamente famosa.
− Depois que essas mesmas pessoas lhe
conhecem de verdade, ficam encantadas com seu carisma. Eu me encantei à
primeira vista.
− E eu também – confessou ela com os
olhos brilhantes. – Meu encanto permanece até hoje.
Marcelo
olhou para Samanta perguntando-se o que ela havia visto nele. Não que Marcelo
fosse um homem sem atrativos. Pelo contrário. Mas sua esposa havia desfilado
pelas passarelas de Nova York e Milão ao lado dos homens mais bonitos do mundo.
O fato de ela achá-lo interessante e amá-lo a ponto de se casarem, era
praticamente um milagre.
− Tenho a mais absoluta certeza de que
seremos muito felizes na nossa nova vida – assegurou ele dando um beijo em
Samanta.
Capítulo
3
Dia
da mudança. No interior da casa, Marcelo indicava onde os móveis deveriam ser
colocados. Do lado de fora, além de verificar se os seus pertences estavam
sendo bem transportados, Samanta observava disfarçadamente a casa da frente, a
espera que o “espião” que a observara na vez passada aparecesse novamente por
detrás das cortinas. Infelizmente para ela, nada aconteceu. Nenhum vulto
suspeito apareceu na janela, a porta da frente se manteve fechada o tempo todo
e parecia que realmente não havia ninguém na casa. Dando de ombros, Samanta se
consolou pensando que teria muito tempo para descobrir quem a havia espionado.
Uma
mão bateu no ombro dela e Samanta levou um susto. Uma mulher simpática, de
aproximadamente 45 anos e baixinha lhe sorria com todos os dentes possíveis.
Sorrindo também, Samanta cumprimentou:
− Olá, bom dia.
− Olá, como vai você? Meu nome é Laura
e seremos vizinhas. Vim aqui lhe dar boas vindas em nome do nosso condomínio.
Ambas
trocaram dois beijinhos e Samanta ficou na dúvida se ela não seria a moradora
da frente.
− Oh, muito obrigada. E você? Mora
onde?
− Do lado da sua casa. Estamos apenas
separadas por um muro.
− Que ótimo! – exclamou Samanta. –
Depois que estiver tudo arrumado, eu convido você para tomar um chá comigo.
Você gosta de chá? Ah, eu nem me apresentei. Meu nome é Samanta.
− E quem não sabe disto? Já faz tempo
que eu vejo você embelezando as capas das revistas de moda de todo o país.
− Depois que casei com Marcelo somente
faço alguns trabalhos eventuais. Prefiro bancar a dona de casa. É bem menos
cansativo, acredite.
− Escute, Samanta – disse Laura cada
vez mais simpática. – Quando chegam moradores novos no condomínio, nossa
associação costuma oferecer uma pequena recepção para que todos possam se
conhecer e manter este clima de cordialidade que reina aqui. O que você acha de
eu organizar um encontro assim em torno de você e seu marido?
− Eu acho ótimo. Afinal, eu preciso
conhecer meus vizinhos. Quando seria?
− Bem, hoje é terça-feira... Que tal
na sexta? Fica bom para vocês?
− Sim! – garantiu Samanta animada. –
Para mim fica perfeito e tenho certeza que para Marcelo também.
− Então está combinado. Vou avisar os
nossos vizinhos. Sexta-feira, às 21 horas. Pode ser?
− Claro!
− Na minha casa, então.
− Eu tenho certeza de que vou adorar
conhecer todos vocês.
*
− Eu não vou.
Samanta
colocou as mãos na cintura. Ambos estavam parados no meio do quarto, ainda com
as roupas dentro das malas e as portas do closet escancaradas esperando que
alguém pusesse ordem na bagunça. Marcelo se despiu atirando a calça e a camisa
para cada canto. A única coisa que ele queria era uma ducha relaxante.
− Marcelo, por favor! Não seja
antipático.
− Não é que eu seja antipático. Sou
apenas antissocial, só isto.
− Bem, então está na hora de você
começar a se socializar.
− Justo na sexta-feira? – perguntou
Marcelo, já nu e pronto para entrar no banho.
− Qual o problema?
− Sabe como eu vou estar na sexta? Um
caco – ele tentou fugir da conversa se enfiando dentro do banheiro. Samanta foi
atrás.
− Marcelo, é muito feio deixar as
pessoas falando sozinhas.
− Não fiz isto – protestou Marcelo
experimentando a água. – É que estou ansioso por um bom banho. Nosso dia foi
pesado.
− Se você não for, eu irei sozinha –
ameaçou ela.
− Sozinha? Vai me deixar sozinho em
uma sexta à noite?
− Você vai ficar sozinho porque quer.
Estou lhe dando a opção para me acompanhar.
Ele
ficou em silêncio por alguns instantes, enquanto se metia embaixo da água.
Depois disse:
− Sabe o que eu havia planejado para a
gente na sexta-feira? Um jantarzinho romântico, um bom vinho…
− Meu amor, teremos todas as noites de
sexta-feira das nossas vidas para um programa como esse. Vamos, não seja
ranzinza. Eu não posso desmarcar, já concordei com a Laura. A esta altura ela
já deve ter convidado os outros moradores. Imagine que chato ter que ligar
cancelando tudo? As pessoas vão pensar que somos um casal antipático!
− Está bem – concordou ele, depois de
algum tempo em que o único som audível foi o da ducha. – Já que você faz tanta
questão…
− Faço questão, sim. Tenho certeza que
nós iremos ter uma noite muito agradável.
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