— Amor... Que
barulho é este?
Álvaro levantou
a cabeça perdido debaixo da camisola sexy da esposa. Não, ele não queria perder
a concentração. Talvez fosse só o vento lá fora ao redor daquele chalé
escondido na serra.
— Não é nada,
benzinho. Relaxa.
Tatiane bem que
tentou. Sentiu a língua do marido entre suas pernas e fechou os olhos. Ah,
estava tão gostoso... Mas havia algo do lado de fora do chalé que não a deixava
desfrutar daqueles momentos com Álvaro.
De repente, o
ruído esquisito aumentou e cessou quase no mesmo instante. Tatiane sentou na
cama, se desvencilhou do marido e apontou um dedo trêmulo para o lado de fora
do chalé.
— Amor, tem
alguma coisa rondando a casa.
Álvaro suspirou.
Aquela viagem havia sido planejada há um mês. A vida atribulada dos dois, cheia
de compromissos profissionais havia esfriado um pouco a relação. O final de
semana na serra era muito esperado por ambos. E agora... um ruído qualquer,
muito provável que fosse o vento, perturbava a esposa.
Será que Tati
não queria transar e inventara uma desculpa ridícula daquelas?
— Tudo bem –
Álvaro levantou de um salto. Iria resolver o problema, se é que havia algum, e
voltaria para terminar o que tinha começado. — Eu não demoro.
O homem deu um
rápido beijo em Tati e desapareceu porta afora. Ela se aconchegou no cobertor e
esperou o marido, tensa. O coração, acelerado, não era por causa do sexo quente
interrompido pelo meio.
Um grito,
praticamente um urro, menos de um minuto depois, fez Tati se encolher. Ela
olhou atarantada em direção à porta esperando que Álvaro voltasse.
Mas... o grito
era dele!
— Álvaro!
Tatiane jogou o cobertor
quentinho para o lado e saiu da cama sem se lembrar de pegar um agasalho. De
camisola, sentiu o vento rodopiar ao seu redor enquanto atravessava a sala. O
silêncio dominava o lugar.
— Álvaro –
gritou ela de novo. Não houve resposta.
O coração de
Tati apertou. Talvez fosse uma brincadeira dele. O marido era de pregar peças,
dar sustos, coisinhas que a irritavam muito. Por alguns instantes ela se convenceu
que era aquilo mesmo. Mais uma brincadeira infeliz de Álvaro.
Tati abriu a
porta do chalé. O vento a atingiu em cheio, frio, porém ela não deu muita importância.
— Amor! Onde
você está?
Nenhuma
resposta. Tati, apesar do frio que congelava sua pele, atravessou a varanda. O
chalé ficava no meio do nada, alugado para justamente o casal passar momentos
íntimos e privados. Agora, contudo, Tatiane se sentia arrependida de não haver
nenhum vizinho por perto. Com as pernas trêmulas, de frio e medo, ela deu a
volta na casa, sentindo a relva úmida lhe gelar os pés. O vento fazia barulho e
aquilo a irritava. Os nervos começavam a ficar a flor da pele. Um barulho no
bosque ao redor lhe arrepiou os cabelos. O mesmo som. Passos. Um uivo. Não
era... humano.
Ela pensou
seriamente em voltar para casa, pegar o celular e tentar chamar a polícia.
Depois lembrou que não havia sinal naquele maldito lugar e, se Álvaro não
aparecesse, significava que ela estava completamente sozinha. Mesmo assim, Tati
foi parar na piscina, atrás da casa.
E deu um grito
que ecoou pelo espaço.
*
O corpo de
Álvaro boiava na piscina. A água, escura pelo sangue. O pescoço do homem estava
aberto e seus olhos, arregalados, fitavam o céu estrelado. As pernas de Tati
dobraram e ela quase caiu. Contudo, não teve tempo de sequer de desmaiar ou
chorar sua dor. O som dos passos e galhos quebrando aumentou de forma
considerável.
A única
alternativa possível era fugir. E foi o que ela fez. Tati deu meia volta e
correu até o portão. Dali eram cinco quilômetros por uma estradinha de terra
até chegar a uma rodovia. Depois mais quinze minutos de carro até a cidade mais
próxima. Ou seja, Tati sabia estar em maus lençóis. Abriu o portão com um puxão
e machucou as mãos. Nem se deu conta que os dedos sangravam. A estradinha
estava mal iluminada pelas estrelas, agora encobertas por uma nuvem infeliz.
Não tinha coragem de olhar para trás. Passos pesados a alguma distância eram
possíveis ouvir. Tati corria o mais que podia, contudo sabia ser um alvo fácil.
A coisa que assassinara seu marido parecia estar prestes a terminar o serviço
com ela própria. Restou entrar bosque adentro, se embrenhar pelo meio da mata
para, quem sabe, despistar a coisa.
Sim, porque não
era humano quem quase decapitou Álvaro. Só podia ser um monstro que já tinha
escolhido quem seria sua próxima vítima.
Porém, entrar no
bosque para se esconder da coisa logo não se mostrou uma ideia tão boa assim.
Aliás, para aquele caso não existiam boas soluções. Enquanto corria,
atarantada, com galhos batendo no rosto e tropeçando nas raízes das árvores
imensas, Tatiane se deu conta que a coisa deveria muito bem conhecer todos
aqueles caminhos, trilhas e esconderijos dali. Portanto, não adiantaria de nada
se embrenhar pela mata escura. A coisa logo a encontraria. Tati continuou
correndo, caindo e se levantando. Decidiu que lutaria até o fim pela sua
sobrevivência. Era isso que Álvaro esperava dela.
Os passos atrás
de Tati aumentaram de intensidade. Um ronco, uma coisa bufando, não parecia
estar tão distante assim. Cada passo seu era um castigo para os pés nus. Galhos
quebravam próximo dela, a respiração era forte daquilo que a perseguia. Tati já
não tinha força para gritar (não adiantaria nada, ela sabia), e o ar lhe
faltava. Cada vez que se enfiava mata adentro sabia que suas chances de sair
viva diminuíam. Mas qual a alternativa? Parar? Esperar a coisa lhe comer viva?
Não. Apesar das
dores nos pés, do rosto arranhado pelos galhos e do peito arfante, Tati seguiu
correndo como se tivesse asas nos pés. Até que tropeçou numa raiz grossa e caiu
no chão, rolando duas vezes.
Não teve tempo
de sentir mais dor. Mas, sem conseguir ficar de pé, ligeiramente estonteada,
Tati andou de quatro por alguns metros. Não tinha forças para levantar. A coisa
se aproximou a ponto de ela sentir um hálito quente bem perto da sua orelha.
O pânico se
instalou de vez. Tati se voltou bruscamente e com os olhos e o punho da mão
fechados, acertou alguma coisa, algo duro que, em seguida, tombou. Tati abriu
os olhos, já recuando, sentada no chão. Um homem de cabelos louros, aparência
simples e jovem, a encarava com os olhos arregalados, massageando a testa
machucada.
— Quem é você? –
finalmente Tati conseguiu articular as palavras. — Foi você quem matou meu
marido?
O cara ficou de
pé. Era franzino e com ar perdido. Não teria força para dar um empurrão em
Álvaro, que havia sido um homem forte. Não. Definitivamente, aquele rapaz não
era a coisa.
Ou era?
— Venha, moça –
ele estendeu uma das mãos calejada pelo trabalho duro. O som dos passos
trepidantes havia passado. O bosque, então, mergulhara num estranho silêncio. —
Venha comigo. Prometo que estará a salvo a partir de agora.
... CONTINUA...