Vinha eu pelo caminho,
perdida nos meus pensamentos. Será que conseguiria finalmente agradá-lo? Na
sacola do supermercado eu trazia um quilo de filé mignon. Custou caro. Mas eu
estava a seis meses tentando desesperadamente agradar Romeu. Sem sucesso. A
intimidade que eu pensei que viria com a convivência não se confirmou. Isso me
chocou. Com os outros nunca tive esse tipo de problema. Mas Romeu era difícil,
complicado. Primeiro tentei agradá-lo com meus carinhos. Mas com ele, um tanto
arisco, não havia a reciprocidade que eu desejava. Minha mãe disse para que nós
começássemos a sair juntos. Eu tentei. Ele não gostou. Preferia sair sozinho.
Romeu,
pela sua própria natureza, era um ser noturno. Todas as noites – com exceção
daquelas em que chovia – ele saía para fazer suas festas. E eu ficava sozinha.
Sentia-me abandonada. Meu apartamento ficava vazio sem a presença dele. E
quando ele voltava parecia não se importar com meus sentimentos. Seus olhos
verdes me fitavam indiferentes. E eu não dizia nada, submissa a sua arrogância.
Certa noite olhei pela janela alguns minutos depois de Romeu sair. Flagrei-o
com a Valentina. E ela era uma gatinha. Fiquei com ciúmes e tranquei a janela
para não ver mais nada. Altas madrugadas e ele chegou. Senti-o se acomodando ao
meu lado, na minha cama. Devia estar tão cansado da farra que se esticou e
dormiu.
Por
isto que eu vinha agora com o filé mignon. Era a minha última cartada,
prendê-lo pelo estômago antes que Romeu resolvesse sair um dia e nunca mais
voltar. E eu não queria ser mais uma nas estatísticas das abandonadas. O que
diria para minhas amigas? Nenhuma delas ía com a cara do Romeu. Achavam-no um
egoísta. E eu o achava um mimoso. Aqueles olhos verdes diziam tanta coisa… e
ele até que fazia um carinho em mim quando estava disposto. Porém, eu não me
contentava mais só com aquilo. Eu queria mais de Romeu. Queria que ele ficasse
todas as noites comigo e não passasse literalmente por cima de mim quando se
levantasse primeiro pela manhã. Romeu era independente demais. Igualzinho ao
pai. Um dia minha mãe me disse para eu dar “um chute no alemão”. Fiquei
chocada. Durante uma semana não falei com ela. Bem que eu sentia uma certa
animosidade entre os dois. Quando minha mãe ía me visitar, Romeu saía da sala,
acintosamente. E eu nunca tive coragem de levar Romeu na casa dela.
Simplesmente não daria certo. A única coisa que eu desejava era ter um pouco
mais de intimidade com Romeu… tornar nossa convivência mais prazerosa,
amigável. Queria encurtar a distância inexplicável que havia entre nós dois.
Quando
cheguei em casa e coloquei a chave na fechadura, já sabia de antemão que Romeu
não estaria na porta para me receber. Infelizmente já estava acostumada com
isto. Deparei com ele deitado no sofá,
preguiçoso, recuperando-se da noite anterior e porque não dizer, se preparando
para a próxima. Seus doces olhos verdes brilharam. Acho que deve ter farejado o
cheiro da carne. Romeu desceu miando do sofá, não sem antes ter largado seus
pêlos amarelos sobre o móvel. Agachei-me e acariciei sua cabecinha. O sem
vergonha se roçou nas minhas pernas ronronando. Ele já sabia para quem era a
carne. Interesseiro, Romeu miou enquanto eu brincava com ele. Até ficar de
barriguinha para cima ele ficou para me satisfazer. Quem nos visse naquela cena
amorosa, poderia imaginar que havia uma relação estreita entre a dona e seu
gato. Quase íntimos, digamos assim. Ledo engano. Romeu, mesmo com o filé mignon
que me custara caro, jamais seria meu. Muito menos da Valentina, a gata siamesa
e cheia de charme da vizinha de baixo. Romeu era meu só no nome. De resto, ele
era da noite. Os gatos são da noite. São livres. São independentes. Tudo o que
eu queria ser. Vou vir uma gata na próxima reencarnação.
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