Renata lutou contra a vontade de contar
ao marido sobre o episódio no balanço. Ele iria desdenhar novamente. Mas o
cheirinho da filha não abandonou suas narinas mesmo depois do almoço, quando
Maria foi posta no bercinho para dormir. Claudio precisou sair, deixando-a
sozinha em casa. Para se distrair, Renata preparou o bolo de chocolate
preferido de Carol e somente depois de pronto se lembrou de que a filha não
estaria ali para saborear.
Lágrimas vieram aos olhos dela
quando cortou com a faca uma pequena fatia. Não seria bom chorar naquele
momento. Estava na hora de Maria tomar a mamadeira e não queria que o bebê se
assustasse. Renata colocou o pedaço do doce em um pratinho e levou para a filha
mais nova provar. Com as pernas pesadas, ela subiu as escadas lentamente, mas,
antes de chegar ao quarto, escutou as risadas de Maria. Achou estranho. Não
havia sequer uma televisão ligada. O que estaria distraindo tanto a pequena?
Ela abriu a porta sem se
preocupar em fazer silêncio. Ao contrário das outras vezes, Maria sequer olhou
para a mãe. Para espanto de Renata, a garotinha estava em pé no berço, olhando
para frente. Os bracinhos estavam estendidos como se quisesse o colo de alguém.
E ela ria. Dava gargalhadas. Parecia estar muito feliz.
Um arrepio percorreu a coluna de
Renata. À frente de Maria havia apenas a parede amarelo-clara, repleta de
quadrinhos coloridos, entretanto era nítido que a bebê enxergava algo.
Ou alguém.
Carol. Ela estava lá visitando a irmãzinha.
- Carol, a mamãe está aqui.
A voz de Renata saiu como um
murmúrio. Trêmula, ela deu alguns passos para frente, sem tirar os olhos do
local que prendia a atenção de Maria. E de repente tudo passou. A garotinha
encarou a mãe de dentro do berço com uma expressão estranha, como se a culpasse
por ter quebrado todo aquele encanto. Carol havia ido embora. Renata sentiu o
coração apequenar até se tornar quase nada.
Claudio chegou somente no final
da tarde e encontrou Renata tensa andando de um lado para outro na sala, com
Maria no colo. Ao vê-la daquele jeito pressentiu que algo ocorrera. E não devia
ser nada bom.
- Aconteceu… alguma coisa?
Renata colocou a filha no tapete
e se aproximou dele com os olhos brilhando, apesar da ansiedade.
- Algo incrível se passou aqui
hoje.
- O que foi? – ele perguntou
desconfiado do que seria. Mais uma das loucuras da esposa.
- Maria enxergou Carol hoje à
tarde.
Lentamente Claudio deixou suas
coisas em cima da mesa e se voltou para Renata, escolhendo bem as palavras.
- Como você sabe o que Maria
enxerga?
- Entrei no quarto e a bebê
estava olhando para frente, os bracinhos estendidos e dando enormes gargalhadas
– Renata torcia as mãos ao falar. – Lembra como Carol gostava de pegar Maria no
colo e se divertiam? Foi como era antes… antes dela ficar doente.
Ele suspirou, sem muita
paciência.
- Escute, Renata. Você sabe como
são os bebês. Maria estava simplesmente se divertindo sozinha.
- Divertindo-se com a irmã. Você
não acredita em mim?
- Entendo que a morte de Carol
esteja mexendo ainda com você, mas…
- Não quero discutir sobre isto,
Claudio – retrucou Renata magoada. – Eu sei que nossa filha quer manter contato
conosco. Eu sei! Se você fosse mais sensível, poderia sentir a presença dela
também.
- Está certo – Claudio decidiu
contemporizar tendo em vista o nervosismo da esposa. – Prometo de agora em
diante tentar ficar mais conectado com estes assuntos espirituais, está bem? Só
preciso de um tempo.
Renata sorriu, mais aliviada. Era
tudo o que queria escutar. Claudio a envolveu em um longo abraço, preocupado
com a sanidade mental da esposa.
Até onde aquela loucura iria?
Com o suposto apoio do marido,
Renata se sentiu melhor. Preparou um jantar saboroso, serviu o bolo de
chocolate e conseguiu manter uma conversação com ele sem tocar nenhuma vez no
nome da filha morta. A paz durou até ambos irem dormir. Renata pegou no sono
assim que pôs a cabeça no travesseiro. Acordou duas horas depois com sons de
passos pela casa.
No mesmo momento ela sentou na
cama e no segundo seguinte calçava os chinelos. O coração estava a mil quando
abriu a porta do quarto. Os passinhos de Carol ainda se faziam ouvir, desceram
as escadas e ganharam o andar de baixo. Uma bola se formou no peito de Renata.
Ela estava lá! Carol, sua filinha perdida voltara! Tropeçando nas próprias
pernas, Renata se precipitou corredor afora e quando se deu conta já estava quase
no jardim. Podia escutar o som do balanço indo de um lado para o outro lá fora.
Tinha certeza de que dentro em breve se depararia com filha de cachos louros
andando no brinquedo de lá para cá. Havia sido um pesadelo e Carol estava viva!
Aquele terror estava no fim.
Renata escancarou a porta
triunfantemente, com o nome de Carol na ponta da língua para ser chamado.
No jardim imperava a solidão. E o
balanço permanecia imóvel.