O nome dele, ou melhor, apelido, era
Cacau. Ou Claudiomiro, conforme a certidão de nascimento. O RG apontava 18 anos
quando ele estourou no mundo futebolístico. A sequência de gols que empilhou no
juvenil do time sem expressão que atuava logo chamou a atenção dos dirigentes.
Em pouco tempo já jogava na equipe principal. E, no ano seguinte, seus passes,
dribles e jogadas geniais levaram Cacau a ser contratado por um dos maiores
times do Rio de Janeiro. Não é preciso dizer que a fama chegou rápido.
Não somente a fama. As meninas afoitas
vieram junto. Algumas mais velhas, quase tias, também queriam chegar perto do
Cacau, aquele menino que agora ganhava corpo, encheu o corpo de tatuagem, fez
um penteado imitado por 10 entre 10 garotos e que simplesmente se achava o tal.
Por onde ele passava, gritos
histéricos. Capas de revistas, casinhos amorosos sem compromisso. Era a loucura
das meninas adolescentes. Cacau, o gato. Foi por ele que Suelen se apaixonou
perdidamente. Suelen, vinda da periferia, corpo bem feito, loira de farmácia,
ensandecida de amor (?) pelo Cacau.
Suelen trocou de time de coração para
torcer por seu ídolo. Aliás, o futebol quase ficava de lado. Quando a garota se
sentava vestida com as cores do clube do Cacau, ela assistia a tudo, menos
futebol. Impedimento? Como assim? Seus olhos não desgrudavam da camisa suada
dele, das penas compridas e musculosas, do abdômen tanquinho. Era um homem e
tanto, e com apenas 19 anos! A parede do quarto da Suelen não tinha mais espaço
para tanto pôster do Cacau. Na semana anterior havia rolado no chão com uma
garota da escola depois que essa afirmou em alto e bom som que Suelen era muito
chinelona para namorar Cacau. Depois do barraco, Suelen voltou para casa
orgulhosa de ter quebrado dois dentes da rival e certa de que se ele soubesse
da sua valentia, a pediria em casamento na hora. Isso só não acontecera ainda
porque Cacau jogava em um time longe da sua cidade, distante muitos quilômetros
de onde Suelen vivia. Ela tinha uma certeza, porém. No dia que Cacau pusesse os
olhos nela, se apaixonaria no mesmo instante. E a partir daí Suelen viveria um
conto de fadas.
Quando o time do Cacau veio jogar na
cidade da Suelen, ela simplesmente enlouqueceu. Foi no primeiro tatuador que
encontrou e pediu que ele tatuasse “Forever Cacau” no antebraço, grande, em
letras pretas. Depois arregimentou algumas amigas também fãs do moço e foram
todas para a frente do hotel onde o time estava concentrado, com cartazes,
faixas e muita gritaria. Tanto esforço valeu uma entrevista em rede nacional,
onde Suelen apareceu se debulhando em lágrimas, mostrando a tatuagem feita em
homenagem ao ídolo e declarando que o amava mais que a si mesma. Ao contrário
do que pensava, aquilo não foi o bastante para que alguém a pusesse frente a
frente com Cacau. A única coisa que restou foi Suelen ir ao jogo e ficar se
esgoelando na geral, durante os 90 minutos, pelo nome do astro. O time dele
perdeu, mas naquele dia Suelen voltou para casa com mais de 200 fotos na câmera
fotográfica, muito emocionada. Havia visto seu futuro marido de perto. E então,
a partir desse momento, começou a planejar uma viagem para se encontrar com
ele. Ninguém poderia saber. Era segredo. Suelen simplesmente faria uma trouxa
de roupas e pegaria um ônibus. Depois que conseguisse conhecê-lo, Cacau nunca
mais a deixaria partir. Louco de amor.
Um anúncio mal feito colado em um poste
dizia que Madame Anunciação traz seu amor de volta em 3 três dias. Suelen não
se fez de rogada ao descobrir aquilo. Com o pouco que lhe sobrou da sua bolsa
de estágio, marcou uma hora com Madame Anunciação para que ela apenas lhe
confirmasse o que já sabia: Cacau estava prestes a se tornar todo seu.
Madame Anunciação lhe atendeu em um
ambiente perfumado, com um lenço na cabeça e com uma bela bola de cristal na
frente. Suelen tentava disfarçar o tamanho do seu nervosismo e um pouco de
constrangimento. Porém, quando começou a falar, falou até demais. Contou que
era apaixonada pelo Cacau desde que ele despontara na carreira e que
acompanhava cada passo seu desde então. Descreveu que o seu quarto era tomado
de fotos e posters pendurados por todos os cantos e que nem a tinta da parede
se via mais. Mostrou a tatuagem e a intenção de fazer outra por dentro do
lábio. Revelou que sua vida era a dele e que seu próximo passo era ir até o Rio
de Janeiro, invadir a concentração e declarar todo seu amor. Suelen estava lá
apenas para confirmar que tudo daria certo.
Olhando para a bola de cristal feita de
vidro, atentamente, Madame Anunciação segurou o riso com força. Tentou se
concentrar, pensar em como daria a notícia para aquela deslumbrada infantil.
Não fazia meia hora todos os sites de notícias veicularam a foto de Cacau com
sua nova namorada, uma dançarina peituda e bunduda, loira e bonitona, ambos abraçados,
jurando amor eterno. E ali estava aquela moça, sentada a sua frente, sonhando
em casar com outro deslumbrado pela fama, possivelmente um ignorante que tivera
a sorte de se dar bem no futebol. E que Deus lhe desse juízo o suficiente para
que conseguisse aprender algo com a fama, logo ela, tão efêmera e tão cruel.
A vidente – que nunca foi vidente –
fechou os olhos procurando as melhores palavras. E quando encarou novamente a
mocinha, disparou de uma vez só: você nunca ficará com ele. Não está
escrito em lugar nenhum do universo que vocês se encontrarão um dia.
Suelen tomou um susto. Empalideceu,
balbuciou, tentou argumentar alguma coisa. Madame Anunciação sabia que não era
preciso ser vidente para saber uma verdade daquelas. Com lágrimas nos olhos,
Suelen pagou o que devia e saiu atordoada dali. Não era possível, dizia ela
para si mesma, pensando no seu dinheiro guardado dentro da caixinha para a
viagem que pretendia empreender tão breve. Cacau não será meu, ele não será
meu...
Cega pelas lágrimas, Suelen atravessou
a avenida sem olhar para os lados. Não deu tempo de o ônibus frear.
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