Um gato aparece no pátio da casa de Carol. Mas o que poderia ser uma visitinha amigável se transforma num roteiro de terror. Para não serem atacados pelo bichano, Carol e o marido são obrigados a trancarem a casa inteira. Mas nada parece ser capaz de deter aquele gato negro que de fofo não tinha absolutamente nada.
Era um gato como
qualquer outro. Preto, adulto, de bom tamanho. Apareceu na casa da Carol um
sábado pela manhã vindo não se sabia de onde. Foi descoberto quando a moça
abriu a porta que dava para o pátio. Deu de cara com o bicho a fitando com seus
olhos amarelos. Não parecia muito amigável. Depois do susto inicial, Carol, que
adorava gatos, tentou fazer uma interação com o felino. Não deu certo. Ele
arreganhou os dentes e eriçou os pelos.
— Nossa – Carol se encolheu. Ela
precisava passar pelo gato para ir regar as plantas no fundo do pátio. — Sai
daí. Xô. Xô, gato! Xô!
Ele sequer se moveu. Continuou
encarando Carol como se fosse o dono do lugar. Impaciente, ela atirou um pouco
de água nele. Foi pior. O gato então ficou em pé e Carol recuou com medo de um
ataque. Porém, o gato não parecia querer briga, ainda que permanecesse
encarando Carol com um ar até de deboche.
— Ah, você não vai sair? – Carol
colocou o regador no chão. — Vamos ver quem ganha!
A moça deu meia volta e entrou
na casa, não sem antes fechar a porta por medida de segurança. Não podia se dar
ao luxo do gato invadir a cozinha e roubar a comida. O marido dormia a sono
solto no quarto, mas isto não impediu de Carol sacudi-lo com força.
— Mauro, acorda. Acorda, é
urgente.
Ele abriu um olho, depois outro.
Instantes depois, entre um bocejo e outro, resmungou:
— Que foi?
— Tem um gato lá fora.
Mauro não respondeu logo e Carol
pensou que ele estivesse dormindo outra vez. Ia sacudir o marido de novo quando
ele perguntou:
— Você não gosta de gatos?
— Gosto, mas aquele é esquisito.
Não consegui passar por ele para ir molhar as plantas.
O homem bocejou. Não estava
interessado. A única coisa que queria era curar a ressaca da noite passada.
— Deixa ele lá. Depois o bicho
vai embora.
— E se não for? Mauro, o gato
tem jeito de mau!
Não tendo outro jeito, Mauro se
espreguiçou para todos os lados possíveis e, com os efeitos da bebedeira da
noite anterior, levou um tempo para ficar em pé.
— Vem logo, amor.
Mauro seguiu Carol até a porta
do pátio. Ela apontou para o local e falou com um certo tom de medo na voz:
— O gato tá do outro lado.
— Calma. Você que deixou o bicho
nervoso.
— Ele não é nervoso. Só é
estranho.
Com Carol alguns passos atrás,
Mauro abriu a porta. De fato, o gato continuava ali, sentado outra vez, como se
estivesse aguardando-o. Os olhos do animal fuzilaram o homem que chegou a
prender o ar.
— Epa – disse ele, surpreso. —
Mas o que é isto?
— O que foi, Mauro? – havia
tensão na voz de Carol. — Ele continua aí?
— Sim – Mauro segurava a porta,
ainda no batente. Não deu nenhum passo para frente como se temesse que o gato
reagisse. — Por que ele fica olhando a gente deste jeito?
— Não falei para você? Tem algo
estranho com ele.
Mauro, em sua dignidade
masculina, não podia demonstrar o quanto aquela sensação o desagradava. Sem
tirar os olhos do gato, ele estendeu o braço para trás e pediu:
— Me passa a vassoura.
Carol fez o que o marido pediu e
recomendou:
— Não vá machucar o gato.
— Só quero assustar.
Mauro segurou a vassoura com uma
das mãos e a com a outra mão livre fez um gesto em direção ao gato.
— Sai daqui. Volte para sua
casa.
O gato não se moveu. Permaneceu
sentado no mesmo lugar sem abandonar o ar irônico. Mauro não gostou muito
daquele comportamento.
— Você é bem engraçadinho, não é
mesmo? Se não sair por bem, vai sair por mal. Entendeu bem?
— Mauro – pediu Carol outra vez.
— Você só tem que tirar o gato daqui.
Mal Carol havia terminado de
falar, um grito estridente que mais tarde ela identificou como sendo miado do
gato, feriu seus ouvidos. Em seguida o marido recuou violentamente para trás,
aos urros, tentando afastar o animal que se jogara sobre ele.
Carol gritou junto e por
instantes a casa foi tomada por sons de urros e miados. A visão do marido
tentando desgrudar o gato do peito era horrenda. Sangue escorria do torso do
homem provocado pelas garras afiadas do animal. Na bochecha de Mauro havia três
grandes arranhões. Mauro se debatia, desesperado. Carol segurou a náusea que
lhe subia pela garganta acima, incapaz de qualquer coisa para deter o ataque.
Em algum momento Mauro conseguiu atirar o gato para longe de si. Ainda
atordoado, ele percebeu que o felino se aprumava para uma nova e feroz investida.
Desta vez, contudo, Mauro foi mais rápido. Um chute certeiro acertou a cabeça
do gato que voou três metros adiante no pátio.
Então tudo silenciou. Carol mal
respirava e caminhou com as pernas bambas até ao lado do marido.
— Minha nossa – murmurou ele,
ofegante, olhando para seu próprio peito ensanguentado. Em seguida ele tocou no
rosto e se surpreendeu ao ver as pontas dos dedos manchadas de sangue. — Este
bicho infeliz estava possuído pelo capeta.
— Você matou o gato – Carol
afirmou o óbvio, chocada com tudo o que presenciara.
— E você queria que eu fizesse o
quê? Não viu o que ele fez comigo?
O corpo do gato jazia, inerte,
provocando uma sensação de mal-estar no casal.
— E agora, Mauro? O que a gente
faz?
— Vou levar este bicho daqui.
Ele pode ser de alguém da vizinhança e eu não quero me incomodar.
Mesmo com o sangue escorrendo
pelo corpo, Mauro pegou um saco grande de lixo e jogou o gato lá dentro. Carol
observava a cena com os olhos cheios de lágrimas.
— Pobrezinho...
— Pobrezinho de mim! –
esbravejou Mauro segurando o saco com uma das mãos. — Olha aqui como eu fiquei.
Como eu vou trabalhar na segunda-feira com o rosto cheio de arranhões?
Mauro entrou na casa com o saco
e deixou em um canto. Rápido, ele foi até o banheiro onde passou uma toalha
molhada para remover o sangue. Com um algodão Carol tentou melhorar a aparência
das lesões no rosto.
— Tomara que não infeccione –
sussurrou ela.
— Vou levar o saco para bem
longe daqui. Você vem comigo?
Minutos depois Carol e Mauro
entraram no carro com o saco contendo o corpo do gato no porta-malas. Meia hora
depois, ainda irritado, Mauro atirou o gato no lixão localizado na saída da
cidade. Depois, com Carol fungando ao seu lado, ele partiu pisando fundo no
acelerador.
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