domingo, 1 de maio de 2022

PARA SEMPRE TODO MEU


 

Primeiro que não aceitei quando tudo aconteceu. Fiquei louca, surtada, psicótica. Nosso relacionamento era incrível. Muito amor, paixão e sexo. Sexo todos os dias. Nossos amigos morriam de inveja. Como assim trepar todos os dias?

Pois é, queridos. Eu e o Daniel transávamos todos os dias.

Até aquela maldita madrugada.

No meio de uma trepada quente, muito quente, o Dani teve um AVC. Sério. O cara passou mal durante o ato. Achei que fosse brincadeira. Uma brincadeira muito sem graça. O socorro levou vinte minutos para chegar. Levaram o Dani pelado para o hospital, inconsciente, meio morto.

O amor da minha vida nunca mais recobrou a consciência.

Em estado vegetativo Daniel voltou para casa um mês depois. Não havia o que fazer com ele. Minha vida, então, se resumiu a cuidá-lo. Tudo o que eu fazia era pelo Dani. Esqueci-me de mim. Algumas pessoas me diziam que aquilo não era vida. Que o Dani jamais iria querer viver daquele jeito. Mas eu me empenhava em deixá-lo vivo. Mesmo a consciência dele estando em um mundo distante, pelo menos o corpo estava ali, limpo, perfumado e todinho meu. Talvez nunca o Dani tenha sido tão meu em todo nosso relacionamento.

À medida que o tempo passava, minha vida foi se ajustando em torno da vidinha dele. Comecei a trabalhar online, cuidava dele, participava de reuniões via zoom, cuidava dele, ia pra feira, cuidava dele, recebi até amigos para churrascadas enquanto o Dani dormia no quarto, cheiroso e penteado. Todo meu.

Em um domingo acordei como se fosse mais um dia normal. Preparei uma bandeja de café, pão e bolos (minhas refeições eram no quarto com ele onde eu contava tudo o que estava acontecendo na minha vida e no mundo lá fora) e abri a porta com um sonoro bom dia.

Dani estava morto.

Minhas mãos afrouxaram, a bandeja espatifou no chão, gritei. Não. Eu não podia aceitar aquilo. Não queria perdê-lo uma segunda vez. Queria aquele corpo pra mim para todo o sempre, já que a mente do meu amor estava vagando pelo espaço há tanto tempo.

Então tive uma ideia. Uma grande ideia.

*

Para todos os efeitos o Dani continuava vivo. Desde o AVC eu nunca deixei ninguém mais vê-lo. Dani não tinha mais parentes vivos ou próximos, então foi muito fácil fazer isto.

Ninguém sabe que ele morreu. Ninguém sabe que o Dani está empalhado no nosso quarto, sentado na poltrona favorita dele.

Ninguém precisa saber que despachei a cama hospitalar de madrugada e queimei toda a medicação que ele tomava. Até o ar ficou mais respirável lá em casa. Não havia ninguém mais doente.

Bem, Dani ficou meio estranho empalhado. Mas é ele. Dani continua comigo. E ninguém tem nada que ver com minhas escolhas. É crime? Não. 

Vivo feliz com ele. Conversamos, conto minhas histórias, rimos. Eu não estou louca.

Tenho culpa por amar tanto assim?


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