Angelina assistia à novela, calmamente, comendo pipoca. De repente, ouviu um grito agudo e desesperado vindo de alguma das casas. Ela se pôs de pé e a tigela com as pipocas se esparramou no chão sobre Tobi, o cão caramelo e sua única companhia.
Afobada, ela abriu a porta da casa. Logo se deu conta que vinham
lamentos e uivos da casa da frente. A casa onde sua melhor amiga morava.
― Lou! Lou, o que está acontecendo?
A mulher, em pânico,
atravessou a rua, abriu o portão da casa de Lourdes, cruzou o jardim e olhou
pela janela. E a cena que viu foi aterrorizante.
― Ai, meu Deus!
Angelina deu a volta e
tentou entrar na casa. A porta estava trancada. Ela bateu, desesperada.
― Lou, me deixa entrar! Lou!
Não demorou muito Lourdes
abriu a porta e desabou nos pés da amiga, aos prantos.
― O Juarez... o Juarez...
Angelina pulou por cima
da amiga e foi até a cozinha onde o corpo do seu compadre jazia no chão. Ela se
agachou ao lado do homem e deu vários tapinhas no seu rosto. Como não resolveu
nada, começou a distribuir socos mais fortes para ver se o cara acordava.
Lourdes surgiu
tropeçando nos próprios pés e desabou ao lado dela.
― Angelina, ele está... morto?
― Cruzes, parece que sim.
A morte de Juarez era
surreal. A pouco tinha visto o casal chegar feliz, de bicicleta, rindo. Agora o
homem estava morto no piso frio da cozinha. De pau duro. Angelina simplesmente
não conseguia tirar os olhos do volume das calças do falecido.
Lourdes se jogou sobre
o peito do marido chorando cada vez mais forte. Angelina se levantou, zonza. Deveria
chamar o vizinho, o doutor Miguel, o cardiologista da cidade. Quem sabe ele
ainda poderia dar um jeito de salvar o pobre Juarez?
A vizinha da casa da
esquerda apareceu também, entrando pela porta escancarada. Ao chegar à cozinha
deparou-se com a cena caótica.
― Angelina, o que aconteceu?
― O Juarez morreu.
― Bem, mas não é disto que eu estou falando.
Ela fez um sinal com
os olhos para a piroca do morto. Lou continuava com seu pranto, mal se dando
conta de quem estava por ali.
― Pois é... Ele morreu assim. Que situação. Pobre Lourdes.
Apesar da tragédia que
se desenrolava ante seus olhos, Angelina estava tão impressionada com o vigor pós-morte
de Juarez que não sabia o que fazer. Alguém deveria chamar o doutor Miguel. Mas
não seria ela. Angelina queria ficar ali admirando o volume nas calças do
Juarez.
― Por isso que a Lourdes tá chorando tanto ― concluiu a vizinha. ―
Olha o que ela perdeu.
... continua.