O casal estava no carro. Ele
dirigia em silêncio. Ela o observava com o canto do olho, incomodada.
Desconfiada.
Já fazia algum tempo que seu
parceiro se comportava de maneira estranha. Luciano estava arredio. Nos últimos
dias vinha evitando a companhia de Adele. Coisas simples que faziam juntos como
ir ao supermercado ou à academia agora eram quase raridade.
Eles estavam juntos há 3 anos.
Foi amor à primeira vista. Luciano, 12 anos mais moço, não titubeou em pegar
suas coisas e ir morar com Adele, no seu belo apartamento. E mesmo com toda a
diferença de idade, o casal tinha um ótimo relacionamento.
Ele não era mais o mesmo desde a
Páscoa, dois meses antes. A rotina do casal começou a ser alterada quando o
Luciano passou a chegar mais tarde do escritório. Muito trabalho, alegava. Adele
sempre acreditou. Advogado no início de carreira, ela sabia o quanto o
companheiro lutava para conquistar seu espaço profissional no mercado. Nunca
reclamou por ele chegar tarde. Pelo contrário, até o apoiou.
De uma hora para outra o sexo
começou a ficar escasso, frio. Foi nesse momento que Adele sentiu o sinal de
alerta acender. Sexo entre eles sempre fora sagrado. A química entre os dois
era notável. Adele nunca sentira tanto prazer na sua vida com outro homem antes
dele. E sabia que Luciano também adorava fazer amor com ela. Mas de repente ele
passou a negar fogo. Muito trabalho, estresse. A justificativa era essa.
Naquela noite ambos seguiam para
o aniversário da prima de Adele. Depois de muita conversa, ela conseguiu fazer
com que Luciano a acompanhasse. E ali estavam os dois no carro. Mudos. Adele
tentou puxar assunto, alguma coisa banal. Ele respondeu aos monossílabos,
ligeiramente irritado.
“Ele tem outra”.
Até então aquela ideia terrível
não havia passado pela sua cabeça. Aliás, ela fizera força para expulsar
qualquer desconfiança. Mas não teve jeito. A suspeita da traição caiu como uma
bomba sobre ela ali mesmo no carro. E Adele quase se sufocou. Será? Será que Luciano
teria coragem de fazer uma sacanagem monstra com ela, depois de tudo o que
viveram juntos? Mesmo depois de todo o apoio que ela lhe deu, tanto
profissionalmente como financeiramente? Seria possível?
Adele chegou a sentir náuseas ao
imaginar essa hipótese. Mesmo que fosse apenas uma suposição, somente em pensar
que estava perdendo sua paixão para outra mulher era algo devastador. Adele
sabia que o seu amor por ele era muito maior do que o dele por ela. Mas isso
nunca importou. Desde que estivessem juntos, é claro.
Luciano deixou o carro com o
manobrista e os dois entraram no elevador. Ele continuava mudo, tentando
disfarçar a contrariedade.
− O que houve, Lu? –
ela perguntou respirando fundo, com medo da resposta – Você está esquisito.
− Só estou cansado – Luciano olhou
para o relógio – Você pretende ficar muito tempo aqui?
Aborrecida, Adele respondeu:
− É o aniversário da minha prima.
Pensei em me divertir um pouco, já que faz tanto tempo que não saímos e não
fazemos nada de diferente.
Era uma cobrança, a primeira de todas.
Adele ficou esperando ansiosa por uma resposta, qualquer que fosse, mas Luciano
ficou mudo outra vez. Aquele silêncio era deprimente.
Assim que entraram no apartamento onde
acontecia a festa, Luciano tratou de se afastar para ir pegar uma bebida. Adele
logo encontrou alguns conhecidos e tentou relaxar. Seu companheiro sumiu. O
lugar era grande e havia muitas pessoas. Ansiosa, Adele o procurou com os
olhos, mal prestando atenção no que seus amigos diziam. Ria de coisas que nem
sabia se eram engraçadas. Bebeu duas taças de champanha de um gole só. Onde
estava ele? Onde Luciano tinha se metido?
De repente a prima de Adele a puxou
pelo braço dizendo:
− Venha comigo, quero lhe mostrar o
que o Rodolfo me deu de presente.
Zuleica a conduziu entre os convidados
até seu quarto. De Luciano, nem sinal. Quando se viram ambas sozinhas, Zuleica
fez a pergunta:
− O que está acontecendo, afinal? Você
está se sentindo bem?
− É o Luciano – Adele queria se
embebedar – Ele está muito esquisito. Não sei o que fazer.
− Esquisito como?
− Esquisito, Zuleica! Estranho demais!
–ela fez uma pausa e confessou envergonhada – Acho que ele tem outra mulher.
− Mas vocês sempre se deram tão bem!
− Faz uns dois meses... Não temos mais
cumplicidade. Pouco conversamos, pouco saímos. Não lembro mais a última vez que
transamos.
− Não consigo acreditar. E onde ele
está agora? Nem vi vocês juntos desde que chegaram.
− Boa pergunta. Meu companheiro – ou
ex – desapareceu.
− Calma, Adele. Não se precipite. Ele
pode estar com algum problema no escritório e não quer preocupar você.
− Duvido. Ele teria me dito. É outra
coisa. Tem mulher no meio.
− Vamos voltar para a festa. Tire do
seu rosto esta tensão toda. Disfarce e faça de conta que está tudo sob
controle.
− Se fosse fácil assim…
− Vamos procura-lo, está bem? Talvez
ele esteja procurando por você justo neste momento.
Ambas as mulheres voltaram para a
festa. Adele conseguiu por no seu rosto o belo sorriso que ficou congelado como
uma máscara. Luciano não estava em parte alguma. Entredentes ela comentou com a
prima:
− Acho que ele foi embora da festa.
− Por aqui – disse Zuleica com os
olhos atentos – Talvez ele esteja na cobertura tomando um ar. Vamos até lá.
O coração de Adele pulava dentro do
peito. Aquilo já era demais. Nunca Luciano a abandonara em lugar nenhum. Ele
estava passando dos limites.
− Não falei? – Zuleica estava radiante.
As duas primas pararam na entrada da cobertura. Algumas pessoas estavam lá
fora, conversando e apreciando a incrível vista da cidade. Luciano também. De
costas. No celular.
− Com quem será que ele está falando?
– Adele sentiu um aperto no coração.
− Com algum amigo – garantiu Zuleica –
Vá lá, não fique parada aqui imaginando coisas.
Respirando fundo e levemente
estonteada pelo champanhe, Adele foi ao encontro de Luciano. Ele não a viu. Nem
suspeitava que sua companheira estivesse se aproximando. O papo dele se
desenrolava aos monossílabos, Adele mal entendia o que Luciano conversava. Mas
pelo tom de voz, logo percebeu que não era sobre trabalho.
− Luciano…
A voz dela não passou de um sussurro.
Apesar disso Luciano voltou-se rapidamente. Ele não teve tempo de disfarçar o
susto.
− Está certo. Falo com você amanhã –
Luciano desligou o celular, guardando-o no bolso.
O casal ficou se encarando por alguns
segundos. Constrangida Adele perguntou:
− Atrapalhei você?
− Claro que não – e ele sorriu sem
graça – Era o Antônio. Estávamos conversando sobre um processo cabeludo que eu
peguei. Até foi bom você ter chegado. Não estava com o mínimo saco para conversar
sobre trabalho agora. Vamos descer para a festa?
Dali para frente a tensão diminuiu.
Luciano passou a se comportar esplendidamente, como antigamente. Atencioso, permaneceu
ao lado de Adele, participou das rodinhas dos amigos dela e estava simplesmente
encantador. Em certo momento, Zuleica a puxou para o lado e segredou:
− Eu não disse?
Adele sorriu aliviada. Certamente que
era um problema no escritório. Coitado, não o deixavam relaxar nem depois do
expediente.
...
continua ...
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