quinta-feira, 15 de outubro de 2015

CLAUDIOMIRO, O CARA

Claudiomiro, ou melhor, Cacau, tinha 18 anos quando estourou no universo futebolístico. A sequência de gols que empilhou no juvenil do time sem expressão que atuava logo chamou a atenção dos dirigentes. Em pouco tempo já jogava na equipe principal. E, no ano seguinte, seus passes, dribles e jogadas geniais levaram Cacau a ser contratado por um dos maiores times do Rio de Janeiro.

A fama chegou rápida e trouxe de arrasto mulheres de todas as faixas etárias. Cacau encheu o corpo de tatuagens imitando seus outros colegas de profissão e inventou um penteado maluco copiado por 10 entre 10 garotos. Ele era o tal.

Sua presença desencadeava gritos histéricos de hordas de adolescentes em surto sexual. Capas de revistas, casinhos amorosos sem compromisso, treinos e jogos. Esta era a vida do Claudiomiro. Suelen se apaixonou perdidamente por ele. Suelen, vinda da periferia, bonitinha, loira de farmácia, ensandecida de amor pelo astro em ascensão.

Suelen trocou de time de coração para torcer por seu ídolo. Sentada e uniformizada frente à TV durante as partidas, ela assistia a tudo, menos futebol. Impedimento? Como assim? Os olhos não desgrudavam da camisa suada dele, das penas compridas e musculosas, do abdômen tanquinho. Era um homem e tanto, e com apenas 19 anos! A parede do quarto da Suelen não tinha mais espaço para tanto pôster do Cacau. Na semana anterior havia rolado no chão com uma garota da escola depois que a outra afirmou em alto e bom som que Suelen era muito chinelona para namorá-lo. Depois do barraco, Suelen voltou para casa orgulhosa de ter quebrado dois dentes da rival. Pena que o Cacau morava longe da sua cidade, distante muitos quilômetros de onde Suelen vivia. Ela tinha uma certeza, porém. No dia que Cacau pusesse os olhos nela, se apaixonaria no mesmo instante, perdidamente. E a partir daí ambos viveria um conto de fadas.

Quando o time do Cacau veio jogar na cidade da Suelen, ela simplesmente enlouqueceu. Foi no primeiro tatuador que encontrou e pediu que ele tatuasse “Forever Cacau” no antebraço, grande, em letras pretas. Depois convocou algumas amigas também fãs do moço e foram todas para a frente do hotel onde o time estava concentrado, com cartazes, faixas e muita gritaria. Tanto esforço valeu uma entrevista em rede nacional, onde Suelen apareceu se debulhando em lágrimas, mostrando a tatuagem feita em homenagem ao ídolo e declarando que o amava mais que a si mesma. Ao contrário do que pensava, aquilo não foi o bastante para que alguém a pusesse frente a frente com Cacau. A única coisa que restou foi Suelen ir ao jogo e ficar se esgoelando na geral, durante os 90 minutos, pelo nome do astro. O time dele perdeu, mas naquele dia Suelen voltou para casa com trocentas fotos no celular, muito emocionada. Havia visto seu futuro marido de perto. E então, a partir desse momento, começou a planejar uma viagem para se encontrar com ele. Ninguém poderia saber. Era segredo. O plano era sair de casa durante a madrugada e pegar um ônibus para o Rio de Janeiro. Daria um jeito de conhecê-lo e deixá-lo perdido de amor. Suelen confiava no seu taco.

Um anúncio mal feito colado em um poste dizia que Madame Anunciação traz seu amor de volta em três dias. Suelen pegou o pouco que sobrou da sua bolsa de estágio e marcou uma hora com a cartomante. Só queria que ela confirmasse o que já sabia: que Cacau muito em breve seria todinho seu.

Madame Anunciação lhe atendeu em um ambiente perfumado, com um lenço na cabeça e uma bela bola de cristal na frente. Suelen, constrangida e nervosa, logo contou o motivo da sua visita. Falou até demais. Revelou que acompanhava a vida de Cacau desde o início da carreira dele, que o quarto era tomado por fotos e posters gigantes e que tinha certeza que um dia iriam casar. Só queria uma confirmação antes de pegar o ônibus fugida para o Rio. Mostrou a tatuagem e a intenção que tinha de fazer outra por dentro do lábio.

Olhando atentamente para a bola de cristal feita de vidro, Madame Anunciação segurou o riso com esforço. Mais uma trouxa. Precisava manter o foco e não se trair. Não fazia meia hora havia visto em vários sites de notícias, fotos de Cacau com sua nova namorada, uma dançarina peituda e bunduda, loira e bonitona, ambos abraçados, jurando amor eterno. E ali estava aquela moça, sentada a sua frente, sonhando em casar com outro deslumbrado pela fama, possivelmente um ignorante que tivera a sorte de se dar bem no futebol. Que Deus lhe desse juízo suficiente para conseguir aprender algo com a fama,  tão efêmera e tão cruel. E que fizesse grana de uma vez.

A vidente – que nunca foi vidente – fechou os olhos procurando as melhores palavras. Quando encarou novamente a mocinha, disparou de uma vez só:

— Você nunca ficará com ele. Não está escrito em lugar nenhum do universo que vocês se encontrarão um dia.

Suelen tomou um susto. Empalideceu, balbuciou, tentou argumentar alguma coisa. Com lágrimas nos olhos, Suelen pagou o que devia e saiu atordoada dali. Não era possível, dizia ela para si mesma, pensando na grana guardada dentro da caixinha para a viagem que pretendia empreender tão breve. Cacau não será meu, ele não será meu...

Cega pelas lágrimas, Suelen atravessou a avenida sem olhar para os lados. Não deu tempo de o ônibus frear.


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