Henrique estava
frente à cunhada no salão da mansão. Ele conhecia aquele lugar muito bem.
Passara sua infância lá, entre brincadeiras e travessuras com o irmão Álvaro.
Quando os pais faleceram, Álvaro já estava de casamento marcado com Marília. Henrique
nunca gostara dela. Marília era outra mulher por dentro. Era uma pena que
Álvaro não tivera tempo de se livrar daquele embuste.
— Fiquei sabendo
que houve uma morte aqui ontem. Mais uma – disse ele, implacável. A
conversa que tivera com a moça Lucinda pela manhã o enchera de dúvidas e depois
de certezas. E no final do dia descobrira, casualmente, que ela estava
desaparecida.
Marília estava
sentada no sofá macio, ainda do tempo da mãe de Álvaro e Henrique. Claramente
ela não se sentia à vontade. A visita inoportuna do cunhado estava atrapalhando
seus planos.
— Pobre Julieta –
murmurou ela. — Uma empregada excelente. Acreditamos que bebeu demais e foi
para o rio de madrugada.
— Qual o motivo
que teria ela para beber? Julieta vinha tendo algum problema com você?
A pergunta foi
direta. Marília o encarou, surpresa.
— Comigo? De
jeito nenhum. Sempre me dei bem com todos os empregados.
Fico surpresa com este
seu questionamento.
— Fiquei sabendo
que ontem uma moça veio à força para cá. João a trouxe do cemitério. Qual o
motivo?
— Qual o seu
interesse em…
— Tem relação
com o meu irmão? Com a morte dele?
Não estava nos
planos de Marília entrar em atrito com o cunhado. Ele era esperto demais. E a
odiava.
— É uma maluca.
João a viu chorando várias vezes no túmulo do Álvaro. Pensei que fosse alguma
namorada perdida dele. Fiquei intrigada e com raiva, ora esta! Mandei João trazê-la
para cá.
— O que ela
respondeu?
Henrique não
estava disposto a ser simpático e Marília começava a se sentir acuada.
— Negou tudo, é
claro. Depois eu vi que era maluca e a mandei embora. Não entendo tantas
perguntas!
— Eu soube que a
moça que você diz que é doida desapareceu. Você tem alguma coisa a ver com
isto?
Marília sentiu
as faces ficarem avermelhadas. Não podia se deixar trair.
— Eu? Pelo amor
de Deus, Henrique! Eu já falei que a mulher tem um parafuso a menos! Deve ser
por isto que desapareceu.
Naquele exato
momento os gritos de João foram ouvidos do lado de fora e Henrique se pôs de
pé. Marília permaneceu sentada, sem coragem para levantar. Seus instintos lhe
diziam que algo estava dando errado.
— É João? –
perguntou Henrique indo até a janela. — Seu empregado anda meio nervosinho, não
é mesmo?
Antes ainda de Henrique
chegar à janela, um tiro foi disparado. Henrique e Marília se entreolharam,
assustados. Ela ficou em pé e de tão nervosa esbarrou em um vaso que se
espatifou ao lado do sofá.
— Mas o que é
isto? –
Marília estava apavorada. João não daria um tiro por nada. Quando percebeu a
movimentação de Henrique em direção à porta, ela gritou: — Tome cuidado! Podem
ser bandidos!
Henrique não deu
ouvidos à cunhada. Correu até a varanda a tempo de ver Lucinda se embrenhando
no bosque escuro e João no seu encalço. No chão o empregado ferido se contorcia
de dor. Havia gritaria dos empregados e correria para salvar o homem. Marília
apareceu na varanda e desceu alguns degraus parando ao lado de Henrique.
Àquela altura ela já sabia que sua farsa estava em vias de ser descoberta. Não viu João em lugar nenhum.
— O que houve?
— Chame o
socorro imediatamente. João tentou matar um dos seus empregados e agora quer
fazer o mesmo com Lucinda!
Marília viu
quando Henrique colocou a mão na cintura e retirou uma pistola do coldre.
Balbuciou:
— O que você vai
fazer?
— Salvar a moça.
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