Ela acordou
depois de um tempo, sem saber exatamente onde estava. O lugar era abafado e
pouco iluminado. As janelas estavam fechadas, pregadas firmemente com pedaços
de madeira. O coração de Lucinda disparou. Havia sido sequestrada. Talvez
estivesse na mansão, em cativeiro.
Lucinda sentou
na cama, desnorteada e apavorada. A cabeça estava dolorida. Passou a mão na parte
de trás e encontrou um galo, sinal que havia levado uma pancada. Não se
lembrava de muita coisa também. Vagamente veio a sua mente a imagem de dois
homens descendo de um carro, sem dar chance de ela tentar sequer fugir. Não
sabia o que fazer. Estava à mercê das maldades da família Malta. Eles já haviam
matado Julieta. A próxima, com certeza, seria ela.
O pavor tomou
conta de Lucinda e gotas de suor escorreram pelas suas costas. Levantou da
cama, desesperada, e foi direto para a porta que, como era de se esperar,
estava trancada. Furiosa e temendo o pior, Lucinda esmurrou a madeira diversas
vezes. Não teve coragem de pedir ajuda. Aquilo atrairia seus algozes e Lucinda
temia ser torturada. Sem ter o que fazer ou para onde fugir, a moça sentou na
cama dura e cobriu a cabeça com as mãos. Não tinha a menor ideia de que horas
eram. Esperava que a mãe e as irmãs já tivessem se dado conta da sua ausência e
acionado a polícia.
Subitamente,
Lucinda escutou passos do lado de fora e eles ficavam mais fortes à medida que
se aproximavam do lugar onde ela estava. Lucinda rezou para passarem reto pela
porta, porém, escutou a chave entrando na fechadura. Pouco depois duas pessoas
entraram na peça abafada, uma delas segurava um lampião. Lucinda levou alguns
segundos até se dar conta que estava novamente à frente de Marília e João.
Lucinda se
encolheu sobre a cama. Ambos pareciam estar furiosos. Marília entregou o
lampião para o empregado e avançou na direção de Lucinda. Ela bem que tentou se
afastar, mas Marília foi mais ágil. Pegou Lucinda pelos cabelos e a sacudiu
violentamente:
— O que você foi
fazer na empresa do meu cunhado?
— Me solte, por
favor – implorou Lucinda, usando as mãos para afastar Marília. — Eu não estive
lá.
— Não ouse me
enganar! – Marília deu mais puxão e a soltou de forma brusca. — Você é muito
atrevida! Desde quando ousa desafiar os Malta?
Ela respirou
fundo. Encarou Marília e percebeu que a mulher estava disposta a tudo. João,
posicionado mais para o canto, observava a cena com atenção, pronto para agir
se fosse preciso.
— Estou quieta
no meu canto. Sempre estive. O máximo que fiz foi orar no túmulo do seu marido
– Lucinda massageou o couro cabeludo dolorido pelos puxões. — Me deixe ir
embora, minha mãe deve estar preocupada.
Marília ignorou
a súplica de Lucinda.
— O que Julieta
disse para você ontem no jardim?
— Não me disse
nada. Mal falei com ela! – Lucinda sabia não estar sendo convincente. — Apenas
falamos sobre o tempo.
A gargalhada de
Marília soou tão sinistra que Lucinda ficou toda arrepiada.
— Você deve me
achar com cara de trouxa! Pensa que vou deixar você se safar?
Naquele momento
João se moveu. Lucinda ficou mais apavorada que podia. Ele seria o seu
torturador, então? Contudo, João passou reto pela cama onde ela estava e se
dirigiu até as janelas pregadas por madeira. Marília o olhou, tensa. O homem
encostou o ouvido na janela e fechou os olhos. Parecia tentar ouvir alguma
coisa. Lucinda olhou de um para o outro, sem saber o que fazer. Talvez aquele
fosse um bom momento para fugir.
De repente, João
falou, pregando um susto em Lucinda. A voz dele estava estranha.
— Alguém chegou,
Dona Marília. Tenho a impressão que pelo barulho do motor é o carro do Doutor Henrique.
— Que inferno! –
rugiu ela. Olhou para Lucinda e deu-lhe um empurrão que a fez cair do outro
lado da cama. — Nós voltaremos. É só o tempo de eu despachar aquele idiota e
virei novamente acertar as conta com você. Em definitivo.
João falou em um
tom mais baixo para Marília:
— Devíamos ter
dado cabo dela logo que a trouxemos para cá.
Lucinda
estremeceu. Ambos saíram do lugar, deixando-a trêmula e enjoada. Doutor Henrique
estava tão perto... Mas jamais iria saber que ela estava por lá, presa sabe-se
lá Deus onde, à beira da morte. Se gritasse bem alto, talvez Doutor Henrique
fosse capaz de escutar alguma coisa.
Passaram-se
poucos minutos e novamente Lucinda escutou passos vindos pelo corredor. Era
como se alguém estivesse correndo. Achou que João tivesse voltado para terminar
o serviço enquanto Marília distraía o cunhado. Mas não entregaria sua vida
assim tão fácil. A porta foi aberta bruscamente e era nítido que a pessoa não
fazia a menor questão de ser discreta. Lucinda soltou um pequeno grito. Não era
João.
*
Um rapaz jovem e
magro, de aproximadamente 17 anos, entrou rápido no quarto. Ele foi logo
dizendo enquanto pegava Lucinda pelo braço:
— Venha de uma
vez. João e Dona Marília vão ficar um tempo com o Doutor Henrique. É a sua
chance de escapar com vida daqui.
Lucinda não
conseguiu articular nenhuma palavra. Estava assustada demais. O garoto trancou
novamente a porta e a puxou por um corredor iluminado somente por velas.
— Onde estou? –
ela conseguiu perguntar, em voz baixa, pisando fininho para não ser ouvida por
mais ninguém.
— Você não
precisa falar tão baixo aqui. Estamos nos subterrâneos da mansão. Há muitos
anos era comum torturarem os escravos aqui embaixo. É o que pretendem fazer com
você se não dermos o fora o quanto antes.
A pele de
Lucinda se arrepiou toda mais uma vez. O menino olhou para ela e se apresentou:
— Meu nome é
Mateus. Eles afogaram minha tia Julieta ontem no rio.
— Eu… eu
presumi. Falei isto também para o Doutor Henrique hoje.
Os olhos de
Mateus brilharam. — Jura? Puxa, espero que ele consiga fazer alguma justiça por
aqui.
Mateus conduziu
Lucinda pela penumbra do corredor. Em seguida, dobraram à direita e subiram uma
escada. De tão nervosa, Lucinda tropeçou e caiu duas vezes, machucando os
joelhos. No alto da escadaria, havia uma porta. Mateus olhou para Lucinda que
vinha logo atrás e sussurrou:
— Vamos ficar o
mais silenciosos possível agora. Esta porta sai na cozinha e o salão onde eles
estão fica próximo. Vamos tentar fazer você chegar o quanto antes ao jardim.
Depois, corra!
Lucinda mal
balançou a cabeça. As pernas já estavam bambas. Pediu aos céus que realmente
tivesse forças para fugir quando chegasse o momento. Na cozinha duas mulheres
os aguardavam com o semblante carregado. Quando viram Mateus e Lucinda fizeram um
sinal para seguirem em frente. O casal se esgueirou pelas paredes da grande
cozinha até chegarem à porta. Logo Lucinda se viu ao ar livre. Recém anoitecera
e havia ainda alguma luminosidade no céu. Outro empregado esperava Lucinda do
lado de fora. De relance, ela enxergou uma caminhonete branca na frente da
mansão. Devia ser a do Doutor Henrique.
— Venha – disse
o empregado mais velho pegando o braço de Lucinda. — Você precisa sair daqui
antes que os assassinos a vejam.
Porém, Lucinda
não pôde sequer se afastar o quanto gostaria. Uma voz grossa e asquerosa gritou
da varanda da mansão:
— Ei! Para onde
você está levando esta mulher?
Lucinda olhou
para trás e deparou-se com João mirando uma espingarda na direção dos dois. O
homem que a acompanhava ainda gritou:
— Corra até o
portão! Há uma pessoa esperando você lá.
Naquele momento
um tiro certeiro o atingiu no coração, tingindo sua camisa branca imediatamente
de vermelho. Ouviram-se vários gritos, inclusive o da própria Lucinda. Ela
olhou na direção de João. Ele já havia deixado a varanda e avançava
perigosamente na sua direção.
— Pode parar aí,
sua vagabunda.
Lucinda não teve
um segundo sequer de hesitação. Deu meia volta e se embrenhou no bosque que
havia na lateral da casa. Sabia que mais adiante o rio cruzava os limites da propriedade.
Seria por lá que ela haveria de fugir.
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