No outro dia, logo depois do café, Dona Laura e Francesca já estavam
prontas para iniciar novamente a aventura. O único entrave era Magda. Justo
naquela manhã ela acordara com um resfriado e decidiu trabalhar em casa pelo
menos naquele turno.
Sentadas na varanda, frente ao jardim, Francesca torceu as mãos, nervosa:
— E agora, Dona Laura?
— Acho que podemos arriscar. Não há motivos para Magda ir atrás de nós.
Além de estar resfriada, ela marcou algumas reuniões de trabalho aqui na casa.
Seria muito azar nosso se ela for justamente conferir o que estamos fazendo do
outro lado da propriedade.
Francesca pensou um pouco.
— A senhora tem toda razão. Mas o improvável também pode acontecer.
A conversa era feita aos sussurros.
— Francesca, minha filha, eu não aguento mais esperar. Mal dormi esta
noite. Vamos arriscar. O que temos a perder?
“Meu emprego”.
A moça, porém, guardou para si seus receios. No fundo também estava
curiosa para saber no que aquilo tudo iria resultar. Quinze minutos depois as
duas já estavam ao lado do poço. Com as mãos trêmulas, Francesca pegou a pá.
— Vou cavar do outro lado.
Sem perder tempo e a toda hora olhando por cima do ombro para conferir se
alguém se aproximava, Francesca iniciou o trabalho. Dona Laura tentou
tranquilizá-la:
— Calma, Francesca. Eu a avisarei caso veja alguém nas proximidades.
O dia não estava tão quente, mas mesmo assim a testa da jovem brilhava de
suor. Ao fim de vinte minutos ela já estava quase desistindo. Segurou a garrafa
de água que Dona Laura lhe estendeu e confessou:
— Será que meu sonho foi só um maldito sonho? Estou começando a
desconfiar que sim.
Dona Laura se mostrou decepcionada.
— Você está fazendo o que pode, Francesca. Se não encontrar nada, vou
manter a esperança que um dia meu Gregório vai voltar.
— Tentarei mais um pouco – suspirou ela, recomeçando a escavar.
Francesca segurou a pá com força e a enterrou um pouco mais fundo desta
vez. Subitamente, ela parou e olhou para o buraco, a testa franzida.
— O que foi, Francesca?
— Tem algo aqui... Eu não sei o que...
Ela remexeu com a pá mais fundo no buraco. Fragmentos de ossos surgiram
ante seus olhos.
— Dona Laura... – iniciou ela, tensa. — Parecem ossos.
— Meu Deus! Traga-me aqui para que eu possa ver – pediu a senhora,
remexendo-se, nervosa, na cadeira de rodas.
A pá foi levada com terra e pedaços de ossos misturados. Dona Laura
arregalou os olhos.
— O que a senhora acha que é?
A voz trêmula da velha disse ao segurar um fragmento de osso:
— Vá em frente. Acho que estamos próximas de resolver o maior mistério da
minha vida.
Francesca recomeçou a cavar e não demorou muito para um osso de maior
tamanho surgir em meio a terra. Mal respirando, ela cavoucou com a pá até achar
mais outros ossos e, por fim, o crânio de uma pessoa. Dona Laura a fitava sem
ter ideia do que Francesca havia encontrado.
— O que você achou aí?
O crânio encarava Francesca com suas órbitas escuras. Ela recuou alguns
passos lembrando do homem do jardim. Era tudo muito surreal.
— Francesca... o que você está vendo?
— Dona Laura, eu… − sem encontrar palavras para se expressar, Francesca
finalmente se agachou e pegou o crânio. — Veja.
Dona Laura colocou as mãos no peito, pasma e emocionada.
— Meu Gregório – sussurrou ela, estendendo as mãos para segurar a cabeça.
Francesca caminhou até Dona Laura e, em silêncio, pôs o crânio no colo da
senhora. Algumas lágrimas escorreram dos olhos dela e a jovem ficou sem ter o
que dizer naquele momento tão doloroso.
— Bem... não temos como saber se realmente é o Gregório, Dona Laura.
— É ele, sim – retrucou ela acariciando o crânio e sujando, sem se
importar, as mãos de terra. — Meu coração está dizendo que é meu marido mesmo.
Quem o odiava tanto para fazer tamanha maldade?
Depois de alguns segundos de silêncio, Francesca perguntou, sentindo um
aperto no peito:
— O que a senhora pretende fazer agora?
— Dar um enterro digno a ele. Meu esposo já ficou tempo demais longe da
família.
Ela suspirou fundo mais uma vez e Francesca reparou que Dona Laura se
esforçava para manter a serenidade.
— Francesca, vá pegar um saco na cozinha para colocarmos os ossos do
Gregório. A polícia tem que ser avisada também, embora isto de nada vá
adiantar.
— Dona Laura, e sua filha? O que a senhora irá dizer a ela?
— A verdade. Viemos até aqui e descobrimos o corpo do pai dela.
A jovem estremeceu. Magda iria ficar louca quando soubesse que Francesca
desobedecera a suas ordens. Seu destino agora estava traçado. Seria demitida em
poucas horas.
— Eu sei o que a Dona Magda irá dizer. Que estes ossos não pertencem ao
pai dela – a voz saiu trêmula.
— Ela não terá como negar, Francesca! Gregório entrou em contato com
você! Que culpa você tem se ele a escolheu?
— Mas foi um sonho, Dona Laura! Pode ser tudo uma enorme coincidência. Só
teremos certeza com um exame de DNA! – rebateu a moça muito tensa, pressentindo
o pior.
— Que se faça DNA, então! Vá lá, pegue o saco. Com Magda me entendo eu.
Uma hora mais tarde Francesca e Dona Laura fizeram o caminho de volta
para a mansão. No colo da senhora, o saco preto contendo os ossos do marido.
Magda estava em uma reunião de trabalho e Dona Laura decidiu esperar até a
noite para conversar coma filha.
— O que são mais algumas horas para quem esperou 40 anos? – perguntou
Dona Laura a uma apavorada Francesca.
A jovem não disse nada. Seu coração estava apertado somente de imaginar
que a bomba ainda estava para explodir.