Sem
pedir licença, a mulher entrou no quarto praticamente esbarrando na moça.
—
Feche a porta, por favor.
Francesca
fez o que Magda mandou, ainda sem imaginar o que estava causando todo aquele
desconforto na patroa.
—
Hoje minha mãe contou que você sonhou com meu pai.
Ela
sacudiu a cabeça confirmando que sim. Ainda não tinha noção do que Magda queria
realmente.
—
Você sabe o que isto causou?
Engolindo
em seco, Francesca respondeu:
—
Não, senhora.
—
Francesca, minha mãe é uma mulher velha e obcecada com o desaparecimento do meu
pai. Ele sumiu há muitos anos, mas para ela foi ontem. Então, para agradá-la,
você resolve dizer que teve um sonho com ele.
—
Sonhei mesmo, senhora – interrompeu Francesca. — A surpresa de nós duas
aumentou quando eu vi a foto.
—
Deixe-me concluir. Não me interrompa. Este seu sonho, ou seja lá o que for,
parece que fez o marido da minha mãe ressuscitar. Ela está vivendo uma expectativa
que não existe.
—
Que expectativa? – Francesca se sentiu incomodada com aquele assunto.
—
Ela acha que o desaparecido irá entrar pela porta da frente a qualquer momento.
—
Não é bem isto. Nós conversamos a respeito sobre o fato, Dona Laura tem ciência
que muito provavelmente ele está morto.
—
Você tem noção do que causou a ela?
—
Não me consta que eu tenha lhe feito mal.
—
Ela acha que o marido vai voltar. Nós sabemos que isto não irá acontecer. Minha
mãe poderá ficar tão triste que temo que adoeça.
—
Dona Laura está com os dois pés no chão. Não acredito que ela esteja iludida de
alguma forma.
—
Quero lhe dizer a uma coisa – Magda aproximou-se um pouco, ameaçadora. — Não
comente mais sobre este assunto com minha mãe. Esqueça este seu maldito sonho.
É melhor você andar na linha ou isto poderá custar seu emprego – ela respirou
profundamente. — Tenha uma boa noite.
Magda
passou reto por Francesca e bateu a porta com força ao sair. Assustada,
Francesca sentou na cama pensando em tudo o que Magda havia lhe dito. Ela simplesmente
distorcera tudo. Nem por um momento Dona Laura estava imaginando que Gregório
iria aparecer. A curiosidade era saber o motivo de ele ter surgido nos sonhos
dela. O que Gregório queria? O que ele precisava dizer?
*
No
outro dia tanto Francesca como Dona Laura evitaram conversar sobre o sonho ou
até mesmo Gregório. Francesca estava bastante incomodada, mas tentou disfarçar
o quando pôde. Dona Laura também parecia pouco à vontade.
Magda
se juntou a elas somente no jantar como se nada tivesse acontecido. Francesca
mal abriu a boca e Dona Laura comentou somente assuntos triviais. Mais tarde
Francesca se deu conta que Magda apenas participou do jantar para controlar as
duas.
Mas
na hora de dormir, quando Dona Laura estava acomodada na sua cama e Francesca
se preparava para ir ao seu quarto, a senhora recomendou:
—
Se você tiver algum sonho diferente, não se esqueça de me contar.
*
Depois
do almoço, no dia seguinte, Dona Laura disse:
—
Acho que vou tirar uma soneca, Francesca. Por que você não aproveita este tempo
para tirar uma folguinha?
Francesca
concordou.
—
Talvez eu possa dar um passeio pelo jardim. Prometo não demorar.
—
Pretendo ficar repousando ate próximo às 16 horas. Uma grande amiga minha virá
tomar o chá das cinco comigo. Você também está convidada.
—
Certo. Estarei aqui a tempo de deixar a senhora bem bonita!
Meia
hora depois Francesca estava no jardim acompanhada de Max, o labrador negro da
família. Magda não gostava que o animal ficasse dentro de casa e quando ele
percebeu que teria companhia, pulou faceiro ao redor da moça.
Seria bom dar uma espairecida. Na noite anterior Francesca havia tido um
sonho. Aliás, um sonho muito ruim. Magda tinha lhe demitido. Ela ainda trazia
no peito uma espécie de angústia como se realmente a notícia houvesse sido real.
Bem, talvez não estivesse muito longe da realidade se ela ousasse revelar seus
sonhos.
— Vamos, Max! O dia está bonito, vamos correr!
O cachorro realmente estava disposto a se divertir. Correu alguns metros
à frente de Francesca e se virou para esperá-la. Depois de alguns instantes,
Francesca o alcançou, ofegante.
— Puxa, você é rápido demais para mim. Vamos!
Max saltou à frente outra vez, animado. A jovem o acompanhou do jeito que
pôde, feliz de poder correr e esquecer um pouco das suas inquietações. O jardim
parecia não ter fim. Depois de completar uma volta inteira, Francesca se atirou
no gramado. Estava exausta, mas sentia-se aliviada. As angústias por ora haviam
se dissipado. Deitada, de olhos fechados, ela percebeu quando Max se acomodou
ao seu lado.
— Max, você acabou comigo – resmungou ela, sentindo as pálpebras pesarem.
O cão deu um pequeno ganido enquanto Francesca permanecia deitada e
relaxada sob a brisa suave.
— Acho que vou ficar para sempre aqui, sabe?
A voz não passava de um sussurro. O relaxamento foi lhe levando para um
estado de sonolência. Francesca tinha uma leve noção do que acontecia ao seu
redor. Max continuava ao seu lado, paciente. Ao longe era possível escutar
vozes e sons característicos da cozinha. Não se moveu. Era bom ficar assim,
longe de tudo e todos. Principalmente longe de Magda e suas ameaças.
Os passos que Francesca escutou em meio ao seu torpor não a fizeram abrir
os olhos. Imaginou ser algum empregado vindo buscar Max ou coisa parecida.
Fosse o que fosse, ela iria permanecer no local mais um pouco. Ainda faltava um
bom tempo para ter com Dona Laura.
Max deu um pequeno latido como se estivesse assustado. Francesca não deu
bola. Aquilo iria passar dentro em pouco. Porém, quando Max ganiu baixinho como
se estivesse vendo alguma coisa, Francesca resolveu entreabrir os olhos em meio
ao sono.
Gregório estava a poucos metros dela.
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