Francesca precisou colocar um pouco de maquiagem antes de descer para o
chá. Pretendia contar para Dona Laura sobre o ocorrido depois do jantar, quando
estivessem somente as duas. Se Magda soubesse de qualquer coisa, suas malas
estariam na frente da mansão antes mesmo de o sol nascer.
Mesmo tentando aparentar que tudo estava bem, Francesca várias vezes
percebeu o olhar de Dona Laura sobre si. O chá serviu para acalmar a jovem, mas
ela quase não conseguiu saborear os petiscos de Sofia. Algumas vezes Francesca
teve a impressão de ver alguma sombra próxima às cortinas ou mesmo um vulto
passando pelo lado de fora da janela. Não teve certeza se realmente era
Gregório ou sua imaginação. O certo era que aquele assunto estava deixando seus
nervos em frangalhos. Não sabia exatamente como dizer tudo aquilo para Dona
Laura sem que Magda um dia viesse a saber de tudo.
Foi após o jantar que a conversa finalmente aconteceu. Sofia levou os
pratos para a cozinha e Magda estava recolhida ao seu quarto. Na sala de jantar
estavam apenas Dona Laura e Francesca.
— O que você tem, menina? O passeio no jardim não lhe fez bem?
Apreensiva, Francesca olhou para cima, em direção ao quarto de Magda.
Dona Laura a tranquilizou:
— Fique calma. Minha filha só sairá de lá amanhã.
Mesmo com esta garantia, Francesca ainda sentia as mãos trêmulas.
— Dona Laura, não foi um sonho.
— Ah, eu sei que não foi. Realmente Gregório veio falar com você.
Acredito nisso.
Francesca balançou a cabeça fazendo que não.
— Ele apareceu de novo, Dona Laura. Hoje de tarde, no jardim.
A senhora arregalou os olhos e levou a mão à boca.
— De novo? – ela perguntou aos sussurros. — O que ele disse agora?
— Ele pediu que eu que lhe transmitisse uma mensagem. Por favor, Dona
Laura – Francesca implorou, engolindo em seco. — Sua filha não pode saber de
nada. Ela irá me demitir se a senhora comentar alguma coisa.
— Ela não saberá de nada. Magda é muito cética para estas coisas.
Conte-me. O que Gregório disse? Estou com urticária!
— Ele me disse… que está perto do poço.
Um silêncio se formou na sala. Lágrimas vieram aos olhos da velha
senhora.
— Oh, minha querida... pobrezinho. Então... ele está enterrado ao lado do
poço?
— Não sei. É o que Gregório deu a entender. Foi ele quem me levou até a
parte antiga da casa.
— Quase não vamos até aquele lado. Nem lembrava que havia um poço
abandonado por lá.
— E agora, Dona Laura? O que iremos fazer?
— Escavar
*
Para decepção de Francesca e Dona Laura, uma forte chuva caiu desde as
primeiras horas da manhã na cidade. Próximo à janela, ao lado de Francesca, a
senhora comentou:
— Não acredito que a sorte nos abandonou justo neste momento tão crucial.
Francesca tentou contemporizar:
— A senhora já esperou 40 anos. O que é mais um dia ou dois?
— É muita coisa, minha jovem, para quem já passou dos oitenta. Rezo todas
as noites para que eu não morra sem antes saber o que aconteceu com meu
Gregório. E logo agora que estamos tão perto, desaba este temporal.
— Dona Laura, a chuva não vai cair para sempre. Ouvi Sofia comentar que a
previsão é que o tempo melhore até o meio da tarde.
— Espero que a meteorologia acerte desta vez. Não gostaria de perder mais
nenhum dia da minha vida nesta busca sem fim.
De fato, o sol saiu por volta das três horas da tarde, animando a ambas.
Dona Laura se encarregou de conseguir uma velha pá com um dos empregados,
alegando que iria plantar algumas mudas do outro lado da casa. Assim, sem que
ninguém as incomodasse, ambas se encaminharam para a parte antiga da casa.
Francesca chegou a experimentar um friozinho na barriga quando parou a cadeira
de rodas de Dona Laura próximo ao poço. A velhinha suspirou:
— Posso morrer sem saber quem tirou a vida do meu marido, mas pelo menos
estou prestes a saber onde ele passou os últimos 40 anos.
— Por onde eu começo, Dona Laura? Ele não me disse exatamente o lugar
onde está.
— Comece do lado que você quiser, Francesca. Quem o matou não deve tê-lo
enterrado tão fundo assim.
Francesca estava ciente de que aquele trabalho poderia durar vários dias.
Mas estava disposta a arregaçar as mangas e tentar descobrir se realmente
Gregório se encontrava ali. Felizmente não fazia muito calor quando Francesca
começou a escavar. Dona Laura trazia no colo uma pequena sacola com água
mineral e uma toalha.
— Meu único medo – confessou Francesca empunhando a pá, — é que Dona
Magda apareça por aqui.
— Ah, não se preocupe. Ela não costuma vir para estes lados. Desde que a
casa foi reformada não lembro de Magda ter os posto os pés aqui.
— Graças a Deus. É muito bom saber – Francesca enxugou o suor da testa
com o dorso da mão. — Que desculpa daríamos a ela?
— Simples. Um novo canteiro de flores.
Francesca cavou por uns bons 25 minutos. A terra era boa de escavar, mas
ao final daquele tempo o resultado fora nulo. Novas nuvens de chuva começaram a
chegar.
— Vamos parar por hoje, Francesca – pediu Dona Laura, olhando para o céu.
— Acho que vai cair outra tempestade. Deixe a pá por aí mesmo.
As duas entraram na mansão no exato momento que outra chuvarada passou a
cair.
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