Francesca acordou pontualmente às sete da manhã. A luz do sol entrava
através da veneziana, anunciando um lindo dia de sol. Mesmo assim, foi com
certo peso no coração que a jovem se levantou naquele dia. Ela sabia bem o que
lhe deixava assim. Dona Laura, antes de ir para cama lhe contara sobre a
difícil conversa que tivera com Magda. Francesca escutou tudo com o peito
apertado. Magda não a pouparia por ela e Dona Laura terem ido tão longe a ponto
de descobrir a ossada de Gregório ou seja lá quem fosse. A velha senhora
contara as palavras rudes e irônicas com as quais a filha havia se dirigido a
ela e Francesca ficara chocada.
Devagar e tentando se preparar para um dia que seria complicado,
Francesca se vestiu com as mãos trêmulas. A última visão que tivera antes de ir
dormir e se despedir de Dona Laura havia sido o saco com ossos posicionados no
canto do quarto. A intenção era acordar, pôr os ossos dentro de uma caixa e em
seguida fazer um enterro simbólico, sem alarde nenhum. Tudo em segredo para não
atrair a atenção, comentário ou investigação sobre Gregório.
— Vamos levantar, Dona Laura? – Francesca entrou no quarto e foi direto
afastar as cortinas e abrir a janela. — Está um dia lindo lá fora.
De propósito, Francesca ignorou o saco com os ossos no canto do quarto e
aproximou-se da cama. Dona Laura continuava dormindo serenamente.
— O que a senhora acha de tomarmos o café da manhã no jardim?
Francesca sentou ao lado da cama e pôs a mão sobre a de Dona Laura.
Retirou-a imediatamente com um pequeno grito.
— Dona Laura? – ela cutucou a senhora no ombro, levemente. — Por favor,
acorde.
A moça sabia que Dona Laura não iria acordar nunca mais, mas até então
aquilo parecia ser inacreditável. A expressão serena da senhora contrastava com
o rosto conturbado de Francesca. A jovem ficou em pé, se apoiando na cama para
não cair. Por alguns instantes a visão ficou turva e Francesca pensou que fosse
desmaiar. Depois de respirar fundo diversas vezes, ela deu meia volta, indo em
direção à porta. Precisava chamar um médico.
Médico? Para quê? Dona Laura estava morta.
Os pensamentos confusos de Francesca estavam lhe pondo nervosa. Precisava
se acalmar para poder transmitir a notícia direito. Francesca abriu a porta com
violência e saiu com tanta impetuosidade do quarto que caiu de joelhos no chão.
Levantou-se em seguida e percorreu o corredor praticamente trocando os pés. Lá
de cima escutou vozes na sala. Era Magda no celular. Francesca e ela se
encararam por alguns instantes. Era possível perceber nos olhos frios da mulher
toda a sua raiva.
— Dona Magda! – chamou Francesca quase sem voz.
Imediatamente, Magda desligou o telefone. Francesca desabou no chão de
vez, aos prantos.
— Francesca! – o berro de Magda foi ouvido em toda a casa. — O que
aconteceu com ela?
Os gritos de Magda atraíram os empregados. A jovem, sem conseguir se
levantar, ficou o tempo suficiente no chão até ser amparada pelos colegas. E
quando Magda conseguiu alcançar o quarto de Dona Laura, realmente não havia
mais nada a fazer.
O enterro de Dona Laura foi concorrido. Magda colocou os ossos do pai
dentro do caixão da mãe e o manteve fechado durante toda a cerimônia. O dia foi
muito triste. Os empregados pareciam perdidos e Francesca teve a impressão de
ver Gregório à cabeceira do caixão durante alguns momentos. Abalada, Francesca
tentava assimilar tudo o que acontecera. A única certeza que tinha é que Dona
Laura tinha partido feliz.
Magda, passado o choque inicial, tentou a duras penas manter a serenidade
durante o dia inteiro. Vestida totalmente de preto, cabelos presos e óculos
escuros, Magda mal abria a boca para agradecer as condolências. Francesca
tentou ficar o máximo possível longe dela. Pretendia desaparecer da mansão logo
depois do enterro. Não queria sequer saber do que teria direito a receber.
Todos os seus instintos diziam para que fosse embora de lá o quanto antes.
O enterro aconteceu no jazigo da família e Francesca acompanhou de longe.
Antes mesmo de terminar, ela retornou para a mansão. Precisava arrumar as
malas. Sabia que havia um ônibus que saía da rodoviária às nove horas da noite.
Era neste que Francesca pretendia embarcar. Caso o perdesse, estava disposta a
permanecer na rodoviária esperando o próximo, fosse a hora que fosse. A mansão
que gostara tanto, de repente parecia carregada de uma energia ruim.
O dia estava anoitecendo quando Francesca fechou a última mala. Não havia
sequer avisado aos colegas que pretendia ir embora. O lugar se mantinha
silencioso e triste. Uma vez ou outra Francesca escutava algum barulho vindo da
cozinha. Sofia certamente estava preparando alguma coisa para Magda comer. Consultou
o relógio. Era hora de desaparecer da mansão.
A porta se abriu de repente e Francesca se voltou com um pequeno grito.
Magda estava parada à porta, recém-vinda do enterro. Não estava mais com os
óculos escuros. Por isto, quando Francesca se deparou com os olhos gelados de
Magda, um arrepio percorreu sua espinha.
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