Uma vez por mês Dona Iara reunia as amigas
para um chá animado. Ela abria a casa e oferecia quitutes doces e salgados.
Estas reuniões já eram famosas, mas para Clarissa era a primeira vez. Ela
ajudou a avó a preparar as gostosuras e, quando já estavam todas as senhoras
reunidas, Mariana chegou.
Clarissa passou a observar seus movimentos,
não tão discreta como deveria. Apesar de toda a descontração presente, Mariana
sentava ereta, agarrada à bolsa, só falando alguma coisa quando era perguntada.
Os cabelos estavam presos em um coque horroroso conforme a opinião de Clarissa,
deixando-a com aparência de mulher mais velha. Quem teria sido o homem que
partira o coração de Mariana para deixá-la tão retraída? Que coisa, disse a
moça para si mesma enquanto bebericava o chá. Naquele momento o olhar de ambas
se encontrara e Clarissa ficou tão constrangida em ser pega no flagra que
engoliu o chá direto, queimando a garganta. Ela tossiu, quase engasgada e
Mariana lançou mais um dos seus sorrisinhos tímidos, parecendo querer falar
alguma coisa. Clarissa pegou um pedaço de bolo e tentou disfarçar, olhando para
outro lado.
As duas só foram ficar frente a frente na
hora das despedidas quando Mariana resolveu quebrar o gelo e perguntar:
— Não soube mais do moço bonito?
Clarissa não teve coragem de dizer que da
última vez que o vira aterrissara sobre vários sacos de lixo. Era melhor não
falar sobre aquilo, ainda mais que Mariana presenciara o vexame.
— Nunca mais – mentiu Clarissa tentando não
ficar vermelha. — Acho que foi tudo uma miragem minha.
Mariana riu de forma contida.
— Quando menos esperar quem sabe você topa
com ele em alguma esquina?
A jovem torceu para que Mariana fosse uma
espécie de vidente.
— Espero que você esteja certa e que isto
não aconteça quando eu estiver para ir embora.
Em voz baixa, Mariana disse quase para si
mesma:
— Espero que você tenha mais sorte do que
eu tive.
— Hein?
Mariana se calou subitamente e caminhou
apressada para porta. Clarissa ficou parada no mesmo lugar, olhando para aquela
figura misteriosa que era amiga da sua avó. Seria tão interessante se tivesse a
oportunidade de entrar escondida na casa dela e tentar desvendar os seus
segredos... Talvez Mariana fosse uma bruxa e ninguém soubesse. Com suas roupas
escuras, dava bem para desconfiar que Mariana mexesse com ciências ocultas.
Clarissa se arrepiou todinha.
*
O dia estava particularmente tedioso.
Clarissa havia saído de bicicleta pela manhã, mas não encontrara ninguém.
Estava bem desconfiada que Dani já nem estivesse mais na cidade. Será que sua
procura havia sido inútil todo aquele tempo? Para piorar, tivera um sonho
romântico com ele e nem isto deu certo. Acordou justo na hora do beijo com a
avó fazendo barulho com as panelas na cozinha.
Por volta das cinco horas da tarde Dona
Iara pediu que ela fosse até o armazém comprar mais farinha para preparar os
doces. Clarissa deu graças a Deus. Assim poderia dar uma voltinha, ainda que o
dia estivesse feio, ameaçando chuva. Com o dinheiro dentro do bolso da calça
jeans, ela se dirigiu sem muita pressa até o estabelecimento do seu Joca. Não
era muito longe da casa da avó.
Clarissa comprou o que pretendia e saiu de
lá comendo um picolé de chocolate. Vinha distraidamente saboreando o picolé
quando viu, na calçada contrária, Dani caminhando calmamente. Era ele, sem
dúvida nenhuma. E mais bonito que nunca.
Ele vestia a mesma roupa e desta vez
Clarissa pôde observar melhor os traços do seu rosto, ainda que estivesse do
outro lado da rua. Era uma pena que não estivesse com o celular para tirar uma
foto e mostrá-lo para sua avó. Com certeza, Dona Iara também iria se apaixonar por
ele.
O rapaz seguia na direção contrária e não
reparou Clarissa parada, sem ação, a encará-lo fixamente. O picolé desabou no
chão, quase aos pés dela. Por alguns instantes, Clarissa não soube o que fazer.
A avó esperava a farinha. Dani já estava tirando uma boa distância dela. A
chuva ameaçava cair e nem de bicicleta ela estava. E agora? O que fazer?
Clarissa deu meia volta e foi atrás dele. A
coragem para falar com Dani sumira por completo, mas pelo menos tentaria ver
para onde ele iria. Com sorte, descobriria onde o rapaz morava ou pelo menos o
hotel que se hospedava. As pernas tremiam quando teve que apressar o passo para
não o perder. Somente esperava que Dani não se afastasse tanto da casa da avó
Iara.
Por mais que tentasse ser rápida, era muito
difícil acompanhar os passos de Dani. Quando ele dobrou a primeira esquina,
Clarissa o perdeu de vista completamente. Foi preciso que a garota corresse
para alcançá-lo. Não podia deixar que ele se distanciasse de vez. Algo lhe
dizia que não teria outra chance como aquela.
A corrida deu resultado. Ele estava um
pouco longe, é verdade, mas ao alcance da sua visão. Seu objetivo era saber
onde Dani iria entrar. Clarissa tinha a impressão que a qualquer momento Dani
sumiria, pois ele caminhava muito depressa. Tinha alguma noção que estava se
afastando demais de casa e somente esperava que soubesse fazer o caminho de
volta. Coitada da avó. Ela já deveria estar bem preocupada com a sua demora.
“Desculpe, vó”, pediu a jovem, mentalmente,
tentando diminuir a culpa que sentia. Clarissa se sentia ofegante, mas não
pensou por nenhuma vez em desistir. A perseguição durou em torno de vinte
minutos. De repente, Clarissa se viu em um bairro mais afastado, arborizado e
tranquilo. Dani caminhou até o fim da rua e, de repente, olhou para trás.
Clarissa diminuiu os passos, segurando com
força o pacote de farinha. Dani havia parado frente a algum lugar e havia
voltado a cabeça na sua direção. A garota não tinha certeza, mas a impressão
era que o rapaz olhava diretamente para ela.
— Ai, meu Deus... – gemeu, as pernas
fracas. — E se ele voltar? O que eu vou dizer?
Dani ficou mais alguns instantes olhando
para o lado de Clarissa. Depois, lentamente, o rapaz entrou em algum lugar que
ela não soube precisar o que era. Uma casa?
Por uns cinco minutos, Clarissa ficou parada,
tentando se recuperar. A emoção era grande. Consultou o relógio. Já fazia mais
de quarenta minutos que saíra de casa. O correto era dar meia volta e retornar.
Mas ela sabia que não faria aquilo. Estava perto demais de descobrir onde Dani
morava. Bastava caminhar mais um pouquinho e desvendar de vez aquele mistério.
E no outro dia, quando estivesse mais calma e com mais tempo, pegaria a
bicicleta e voltaria naquele bairro. Estava fora de cogitação de sair daquele
lugar sem saber onde Dani tinha entrado.
As pernas ainda estavam moles quando
Clarissa tomou a direção que Dani havia seguido. Cada passo dado, o coração
acelerava mais. Era uma emoção esquisita, aliada a um friozinho na barriga.
Clarissa não sabia o que fazer se ele estivesse na frente da casa. Talvez Dani
estivesse lhe esperando.
— Acho que não vou suportar... – disse
Clarissa para si mesma rindo de nervosa.
À medida que prosseguia, a bonita rua
ficava mais arborizada. As casas possuíam lindos e grandes jardins na frente.
Não havia muitas pessoas por ali. Nenhum carro passava. Era tudo calmo demais.
Depois de passados cinco minutos, Clarissa
chegou a uma casa com um muro feito de pedras grossas. Na verdade, a casa não
era vista da rua. Um caminho de pedras serpenteava terreno acima e desaparecia
entre as árvores lá em cima. Tinha quase certeza que havia sido ali que Dani
havia entrado. Havia uma placa de madeira entalhada, um tanto malcuidada, pregada
em uma árvore à vista de quem passava.
— Hospedaria Castelo de Pedra – leu
Clarissa, lentamente. — Hospedaria?
Um relâmpago riscou o céu e Clarissa deu um
pulo. Nuvens grossas de chuva pairavam sobre o céu e a moça soltou um pequeno
grito. Foi quando realmente sentiu medo. Estava em um bairro estranho,
praticamente deserto e longe de casa. Fora atrás de um cara com quem que nunca
trocara uma palavra na vida e não sabia sequer se ele era do bem ou do mal. Além
disso, uma chuvarada iria cair a qualquer momento e Clarissa morria de medo de
temporais. Era melhor voltar de uma vez.
O temporal caiu quando ela estava a cinco
minutos de casa. Dona Iara a esperava no portão, protegida por uma sombrinha.
Quando viu a neta toda molhada correndo debaixo da chuva, deixou escapar um
suspiro de alívio.
— Por onde você andou, menina? – Dona Iara a puxou para dentro de casa.
Clarissa entregou o pacote de farinha, bem embrulhado em uma sacola
plástica. Pelo menos aquilo estava seco.
— Fui dar uma volta. Mas acho que estiquei demais o caminho.
Dona Iara pegou a farinha e colocou sobre a mesa. Depois se voltou para
a neta com as mãos na cintura.
— Foi só isto mesmo? Não foi se encontrar com ninguém?
— Não, vó! – ela negou imediatamente. Precisava convencer Dona Iara. — Estava
tudo tão monótono que decidi aumentar a volta. Mas acho que exagerei...
— Nunca mais faça isto sem me avisar. Fiquei muito preocupada. E ainda
havia o temporal que estava por cair.
— Desculpe. Não tive a intenção. Perdi a noção do tempo. Pelo menos a
farinha voltou seca.
— Vá se secar de uma vez antes que pegue uma gripe que estrague suas
férias.
Quando mais tarde Clarissa se deitou na cama para dormir, o sono não
veio logo. A angústia havia sido sua companhia desde que descobrira que Dani
havia entrado em uma hospedaria. Ora, então ele estava somente de passagem pela
cidade. Isto era ruim demais. A qualquer momento Dani poderia partir e então
Clarissa nunca mais o veria. Precisava fazer alguma coisa urgente.
Precisava voltar mais uma vez àquele lugar.
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