As palavras de Gina caíram como um tsunami na sala mortuária. Lourdes empalideceu e precisou se agarrar na cadeira para não cair. Angelina, pálida, olhou da amiga para a mulher e fez a pergunta que todos queriam fazer:
― De qual Juarez você está falando?
Gina, imperturbável, apontou com a cabeça para o defunto.
― Deste aqui.
Devagar, Lourdes se levantou. Ninguém respirava naquele
lugar.
― Deve haver algum engano. Juarez era meu marido há mais de
quinze anos.
― Meu também.
Houve um “oh” que ecoou entre os presentes. Lourdes pensou
que fosse vomitar. Evitou olhar para o corpo do marido ao mesmo tempo em que
algumas peças soltas começavam a se juntar na sua mente.
― Você deve lembrar, Lourdes – a voz de Gina era aveludada
e sedutora. ― de algumas viagens que Juarez fazia. Para você ele dizia que era
a serviço.
Lourdes lembrava muito bem. A última, inclusive, tinha sido
na semana anterior. De fato, Lourdes implicava com as viagens frequentes, mas
não teria porque duvidar da fidelidade do marido. E quando Juarez voltava, era
com os braços cheios de presentes e mais amoroso do que nunca.
― Era para a minha casa que ele ia. Não moro muito distante
desta cidade.
― Ah... – fez Lourdes pouco à vontade, sentindo os olhares
dos familiares e amigos sobre ela. A impressão era que um par de chifres
nascia, lentamente, em sua testa. ― E o que você quer aqui? Veio fazer jus a
sua pensão por viuvez?
Mas Gina não demonstrava estar disposta a brigar. Sua
expressão era de dor quando retrucou:
― Não quero nada. Juarez era a única coisa que eu queria.
Ele prometeu que iria se separar de você para ficar comigo. Bem, nenhuma de nós
duas ficou com ele. Boa tarde a todos.
Antes de sair, Gina se inclinou sobre o caixão e beijou os
lábios do falecido. Depois, tão elegante quanto entrou, saiu da sala mortuária
sem dizer mais nada.
Por uns trinta segundos o local permaneceu em silêncio.
Lourdes, envergonhada, tentava processar tudo aquilo. Chegou mesmo a imaginar
que fosse alguma brincadeira de mau gosto. Mas, à medida que os minutos passavam,
mais fios soltos se uniam e Lourdes foi obrigada a admitir que estava sendo
corna há muito tempo.
― Venha, tia, senta aqui com a gente.
Branca, Lourdes sentou entre a irmã e a sobrinha, sem
conseguir articular uma palavra. Angelina estendeu a ela um copo com água e
açúcar quando, na verdade, Lourdes queria parar no primeiro bar e encher a
cara.
O clima ficou estranho na sala mortuária. As pessoas,
chocadas, se afastaram do caixão, como em protesto, e também constrangidas pela
situação. Aos poucos, uma forte raiva foi tomando conta de Lourdes. Fechou os
olhos e contou até cinquenta, pois a vontade que tinha era de desferir uma
voadora no caixão e fazer Juarez voar longe.
Depois daquele fato, o velório transcorreu de uma maneira atípica.
Lourdes se recusou a chegar perto do caixão. Quando o enterro saiu e alguns
amigos seguraram o caixão para levar ao crematório, Lourdes não se aguentou e
berrou:
― Quantos de vocês sabiam que o desgraçado levava uma vida
dupla?
Lorena pegou a irmã pelo braço, tensa.
― Calma, Lou.
― Estou muito calma. Se estivesse nervosa, já teria eu
mesma incendiado o Juarez.
Ninguém tinha coragem de falar nada. As amigas de Lourdes
se aproximaram e fizeram um círculo em torno dela como se quisessem protegê-la
e evitar que tomasse alguma atitude mais extrema. Durante a cerimônia de
despedida, Lourdes não falou nada. Amigos fizeram alguns discursos em homenagem
ao morto, mas todos eles estavam desconfortáveis. Por fim, quando o caixão foi
enviado para o crematório, Lourdes não se aguentou e disparou, ferina:
― Não vejo a hora de jogar as cinzas deste infeliz no lixão
da cidade.
... continua.
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