Era uma manhã agradável e ensolarada. Lourdes abriu as janelas e se deparou com seu jardim florido e com algumas borboletas coloridas sobrevoando a grama. Aqueles dias brilhantes de primavera eram os preferidos do Juarez. Muito frequente, o casal saía para caminhar pelo bairro, encontrando os vizinhos e batendo longos papos. Dias felizes.
Imediatamente, Lourdes
afastou as lembranças da mente, voltando a sentir a sua mágoa e ódio contra o
marido morto. Já passavam 15 dias do falecimento. O fato de descobrir, em pleno
velório, que Juarez levava uma vida dupla era tão doloroso que Lourdes não
sabia se iria conseguir superar aquilo tão cedo.
Valentina apareceu na
sala, bocejando. Foi direto para a cozinha pegar uma xícara de café.
― Bom dia, tia Lou. Eu preciso
ir à faculdade hoje. Talvez eu fique o dia inteiro por lá. Você vai ficar bem?
― Ora, claro que vou.
Era a primeira vez que Lourdes
ficaria sozinha de verdade desde a morte de Juarez. Até então, a sobrinha não havia
desgrudado dela. Por alguns segundos, Lourdes ficou com medo de si própria.
Será que suportaria a solidão e todos seus fantasmas a assombrando sem dó? Bem,
mas não tinha alternativa. Valentina precisava retomar sua vida. E Lourdes, a dela
própria.
Uma hora depois Valentina saiu e
Lourdes se viu olhando para a casa vazia. Na primeira meia hora chorou encolhida
na poltrona. Depois, com vergonha da sua fraqueza, resolveu limpar a casa
inteira, atividade que a deixou envolvida até a hora do almoço. Sem fome, optou
por não comer nada. Mas, apesar do cansaço, ainda se sentia angustiada. Foi
quando resolveu preparar alguma receita. Só não sabia o que fazer ainda.
De dentro do armário, Lourdes
tirou a farinha de trigo, açúcar e baunilha. Depois pegou o leite e chocolate
em pó. Descobriu leite condensado escondido no fundo do armário. Provavelmente,
Juarez havia comprado e escondido para comer sozinho. Bem feito, morreu antes.
Com todos os ingredientes a sua
volta para preparar algum tipo de iguaria saborosa, Lourdes não sabia nem por
onde começar. Lembrou-se da ocasião da morte de Juarez. O homem morrera de pau
duro no meio da cozinha. Ali mesmo, onde ela estava. Sorrindo, maquiavélica,
Lourdes resolveu homenagear o falecido.
Depois de 40 minutos Lourdes
olhou para a bancada e quase se aplaudiu. Diante dela havia cerca de 20 pãezinhos
em forma de piroca. Umas maiores, outras menores, ao gosto do freguês. Ou da
freguesa. Era só assar e ver como ficavam. Ela não sabia bem o que fazer com
aquilo, mas tinha certeza que Valentina iria morrer de rir quando visse sua
produção.
Lourdes não saiu do lado do
forno até as pirocas gourmet ficarem assadas. Já sobre a mesa, Lourdes pegou
uma delas para provar. A maior de todas. Incrível. Lou saboreou de olhos
fechados. Nunca havia provado uma piroca daquela qualidade.
Já passava das duas horas da
tarde e a temperatura lá fora já passava dos trinta graus. Lourdes resolveu
tomar um banho, enquanto pensava o que fazer com aquela fornada de pirocas.
Comeria tudo? Venderia? Pensou em engolir uma inteira sem mastigar na frente de
Régis, o vizinho gato. Ele poderia, quem sabe, deixar de ser só simpático e
tomar uma atitude de homem.
*
Angelina bateu na porta da
casa de Lourdes e foi logo entrando. Escutou o som do chuveiro ligado e
percebeu que a amiga estava no banho. Com sede, foi até a cozinha pegar um copo
de água.
― Minha Nossa Senhora, o que é isto?
Lourdes, o que deu em você?
Com os olhos arregalados,
Angelina se aproximou da mesa e pegou uma piroca. Não era das maiores. Ela a
analisou, cheirou, chegou à conclusão que era um pãozinho e decidiu que deveria
provar.
Era uma delícia.
De olhos fechados, Angelina
devorou a piroca gourmet sentada no chão, deliciada com o sabor. Nunca havia
comido nada assim. Já estava pensando em pegar uma piroca maior quando Lourdes
apareceu na cozinha e a flagrou naquele estado.
― Tira a boca da minha piroca!
Continua...
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