terça-feira, 9 de janeiro de 2024

UM CONTO DE MISTÉRIO - PARTE 10

 


Era uma manhã agradável e ensolarada. Lourdes abriu as janelas e se deparou com seu jardim florido e com algumas borboletas coloridas sobrevoando a grama. Aqueles dias brilhantes de primavera eram os preferidos do Juarez. Muito frequente, o casal saía para caminhar pelo bairro, encontrando os vizinhos e batendo longos papos. Dias felizes.

 

Imediatamente, Lourdes afastou as lembranças da mente, voltando a sentir a sua mágoa e ódio contra o marido morto. Já passavam 15 dias do falecimento. O fato de descobrir, em pleno velório, que Juarez levava uma vida dupla era tão doloroso que Lourdes não sabia se iria conseguir superar aquilo tão cedo.

 

Valentina apareceu na sala, bocejando. Foi direto para a cozinha pegar uma xícara de café.

 

― Bom dia, tia Lou. Eu preciso ir à faculdade hoje. Talvez eu fique o dia inteiro por lá. Você vai ficar bem?

― Ora, claro que vou.

 

Era a primeira vez que Lourdes ficaria sozinha de verdade desde a morte de Juarez. Até então, a sobrinha não havia desgrudado dela. Por alguns segundos, Lourdes ficou com medo de si própria. Será que suportaria a solidão e todos seus fantasmas a assombrando sem dó? Bem, mas não tinha alternativa. Valentina precisava retomar sua vida. E Lourdes, a dela própria.

 

Uma hora depois Valentina saiu e Lourdes se viu olhando para a casa vazia. Na primeira meia hora chorou encolhida na poltrona. Depois, com vergonha da sua fraqueza, resolveu limpar a casa inteira, atividade que a deixou envolvida até a hora do almoço. Sem fome, optou por não comer nada. Mas, apesar do cansaço, ainda se sentia angustiada. Foi quando resolveu preparar alguma receita. Só não sabia o que fazer ainda.

 

De dentro do armário, Lourdes tirou a farinha de trigo, açúcar e baunilha. Depois pegou o leite e chocolate em pó. Descobriu leite condensado escondido no fundo do armário. Provavelmente, Juarez havia comprado e escondido para comer sozinho. Bem feito, morreu antes.

 

Com todos os ingredientes a sua volta para preparar algum tipo de iguaria saborosa, Lourdes não sabia nem por onde começar. Lembrou-se da ocasião da morte de Juarez. O homem morrera de pau duro no meio da cozinha. Ali mesmo, onde ela estava. Sorrindo, maquiavélica, Lourdes resolveu homenagear o falecido.

 

Depois de 40 minutos Lourdes olhou para a bancada e quase se aplaudiu. Diante dela havia cerca de 20 pãezinhos em forma de piroca. Umas maiores, outras menores, ao gosto do freguês. Ou da freguesa. Era só assar e ver como ficavam. Ela não sabia bem o que fazer com aquilo, mas tinha certeza que Valentina iria morrer de rir quando visse sua produção.

 

Lourdes não saiu do lado do forno até as pirocas gourmet ficarem assadas. Já sobre a mesa, Lourdes pegou uma delas para provar. A maior de todas. Incrível. Lou saboreou de olhos fechados. Nunca havia provado uma piroca daquela qualidade.

 

Já passava das duas horas da tarde e a temperatura lá fora já passava dos trinta graus. Lourdes resolveu tomar um banho, enquanto pensava o que fazer com aquela fornada de pirocas. Comeria tudo? Venderia? Pensou em engolir uma inteira sem mastigar na frente de Régis, o vizinho gato. Ele poderia, quem sabe, deixar de ser só simpático e tomar uma atitude de homem.

 

*

 

Angelina bateu na porta da casa de Lourdes e foi logo entrando. Escutou o som do chuveiro ligado e percebeu que a amiga estava no banho. Com sede, foi até a cozinha pegar um copo de água.

 

― Minha Nossa Senhora, o que é isto? Lourdes, o que deu em você?

 

Com os olhos arregalados, Angelina se aproximou da mesa e pegou uma piroca. Não era das maiores. Ela a analisou, cheirou, chegou à conclusão que era um pãozinho e decidiu que deveria provar.

 

Era uma delícia.

 

De olhos fechados, Angelina devorou a piroca gourmet sentada no chão, deliciada com o sabor. Nunca havia comido nada assim. Já estava pensando em pegar uma piroca maior quando Lourdes apareceu na cozinha e a flagrou naquele estado.

 

― Tira a boca da minha piroca!

 

Continua...



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