O passarinho
azul apareceu no pátio lá de casa num sábado, de manhã. Abri a janela do meu
quarto e me deparei com ele, no piso de cimento. Pássaro sortudo aquele. Foi
aparecer justo no dia que a Preta, minha gata, resolveu esticar a noitada com
seus amores e isto certamente salvou a vida do bicho. Saí para o pátio decidida
a pegar o passarinho para mim. Ninguém da vizinhança deveria possuir um pássaro
azul. Eu seria a única.
Lá
fora, ao contrário do que eu imaginava, não precisei recorrer a nenhum
artifício para raptá-lo. Com a asa machucada, o passarinho não ofereceu
qualquer resistência quando o segurei junto ao meu peito. Descobri uma gaiola
antiga, minha mãe a limpou enquanto eu acariciava a cabecinha azul-clara e logo
ele estava engaiolado. Providenciei água e fui buscar alpiste no armazém da
esquina. Pronto. O passarinho estava bem abastecido.
Quem
primeiro percebeu que ele não estava feliz foi meu irmão mais novo. Com a
sabedoria de uma criança de seis anos, fui alertada que os olhos do bicho
pareciam tristes. Tentei ignorar aquela informação, mas os olhinhos do
passarinho me seguiam como se me perguntassem quando eu o sacaria daquela
gaiola.
A
Preta chegou quase ao meio-dia, muito disposta para quem passou a noite em
festa. Eu havia colocado a gaiola pendurada no lugar mais alto e inacessível do
quintal, um lugar onde a Preta não seria capaz de escalar. A gata lambeu os
beiços e, com os olhos amarelos brilhantes, sentou-se, na espreita, esperando
que eu deixasse a portinhola aberta ou que a gaiola simplesmente despencasse lá
de cima. Mas eu era cuidadosa demais para que algum desastre semelhante
acontecesse. De qualquer forma, durante todo aquele final de semana tratei de
deixar a Preta muito bem alimentada para que se houvesse algum deslize, meu
passarinho azul não terminasse devorado pela gata.
Segunda-feira,
com muito pesar, tive que ir para a escola, mas meus estudos não renderam. Meus
pensamentos ficaram dentro da gaiola com meu passarinho azul. Como ele estaria
se portando? Será que minha mãe renovaria a água dele? E o alpiste seria
suficiente?
Cheguei
em casa ao meio dia e tudo estava em paz. A Preta continuava rondando e o
bichinho parecia estar se recuperando do problema da asinha. Meu pai sugeriu,
sutilmente, que assim que o pássaro se curasse do machucado da asa, nós o
libertássemos. Tive um ataque. Libertar para quê?! Ele estava sendo muito bem
tratado. Rolava até um monólogo. Eu falava com o bicho, mas ele não piava ou
cantarolava de volta. Talvez quando estivesse mais acostumado comigo...
A
semana foi correndo e o passarinho azul se recuperava além das minhas melhores
expectativas. Eu escutava da minha família que os olhos dele estavam tristes;
eu olhava para o pássaro e não via nada demais. Minha mãe disse que certamente
ele teria fugido de alguma casa e que alguém deveria estar lhe procurando. Mas
eu não queria nem saber. Meu passarinho azul era tão lindo e eu não queria me
separar dele.
No
sábado de manhã, uma semana após a chegada, acordei com seu canto. Foi algo
quase mágico. Meu passarinho agora era um passarinho de verdade! Saltei da cama
e o encontrei voando dentro da gaiola, acho que contente pelo ar da primavera,
cantando, cantando, cantando.
Nunca
ouvi um canto assim. Era algo encantador, que me levou a um mundo mágico,
povoado de pensamentos bons, o mal não existia ali perto de mim. Meu passarinho
azul ficou cantando por mais algum tempo e de repente parou. Parou e pareceu me
encarar com seus olhos tristes. Senti um choque. Voltei ao meu mundo real. De o
alegre cantar dele, voltei ao silêncio do pátio. Mas a magia do pássaro ainda
vibrava como ondas ao meu redor.
Nem
quis pensar demais e abri a portinha da gaiola. Sem mover meus lábios, sem emitir
qualquer som, mas gritando com toda a força do meu coração, eu disse “Vai, vai
embora”. E ele foi. Meu passarinho azul saiu voando da gaiola, cantando. Deu
três voltas em torno da minha cabeça como se me agradecesse e desapareceu.
Nunca mais eu o vi. Ganhou o mundo, espalhando seu canto pela rua e
maravilhando quem cruzou com ele pelo caminho.
Infelizmente,
o encanto que ele me proporcionou não durou muito tempo. E eu desconheço se
existe outro passarinho azul na face da terra. Pelo menos na minha rua não há.
Meu irmão de seis anos disse que todos nós temos um passarinho azul dentro do
coração. Ele canta quando a gente sorri, quando a gente sonha, quando a gente
ama. Eu sorrio, eu sonho, eu amo. E muitas vezes saio a voar por aí.
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