Depois de uma
noite mal dormida, a primeira coisa que Cris fez ao se levantar foi olhar pela
janela do seu quarto. Eram quase dez horas da manhã e havia uma movimentação
estranha no jardim. Empregados de uma empresa de eventos instalavam tendas ao
redor da piscina e mesas por toda a parte. Sem entender nada, Cris colocou a
primeira roupa que viu pela frente e desceu as escadas de dois em dois.
Encontrou o irmão sentado na frente da televisão jogando.
− Você viu o
que estão fazendo lá fora?
André o olhou
com o canto do olho, mais preocupado com o andamento do seu game.
− Claro que
vi. O que tem?
− O que é aquilo?
− Relaxa,
cara. Amanhã é o aniversário de casamento dos nossos pais. O pessoal tá lá fora
arrumando tudo para a festa.
− Puxa vida!
– ele se recostou no sofá se recordando do fato. – Eu nem lembrava mais. Mas
justo no nosso jardim? Onde está enterrada a Te…
− Psiu. As
paredes têm ouvidos.
Cris falou
cochichando:
− Eu bem que
falei que era melhor ter atirado a Terê no rio. Em qualquer rio. Olha o perigo
que estamos correndo agora!
André largou
o jogo e encarou o irmão.
− Escute aqui
– disse ele bem impaciente, – você acha que amanhã as pessoas vão comemorar o
aniversário escavando a cova da Tereza?
− Claro que
não! Isto é ridículo!
− Então fique
na sua. Não dê na vista ou logo vão desconfiar que você está estranho. A
começar por Amanda. Nada escapa daquela garota.
− Está certo
– resmungou Cris ficando em pé, mas não convencido das palavras do irmão.
Tenso, ele
disfarçou e foi até a área de serviço onde podia observar o trabalho intenso
dos funcionários da empresa. Lá fora Marília dava as coordenadas. Ela queria
tudo perfeito. De repente a mãe se plantou exatamente onde Tereza estava
enterrada. O sangue de Cris gelou. A terra estava remexida sob os pés dela. E
se Marília desconfiasse de alguma coisa? Não, aquilo era loucura. Afinal, quem
poderia adivinhar que um corpo estava enterrado ali embaixo?
Não havia
testemunhas.
Só ele.
Poncho.
*
Naquela
noite, véspera da festa, Cris e André resolveram ficar em casa, bem como
Amanda. O outro dia prometia muita diversão e todos tiveram a mesma ideia:
descansar para se esbaldar no domingo.
Na verdade,
Cris não tinha nenhuma vontade de sair. Se pudesse, ficava fazendo plantão no
jardim para confirmar que ninguém se aproximaria da cova de Tereza. André, por
sua vez, assistia a um filme de comédia com os pais. Para ele a vida
transcorria muito normalmente, como se fosse comum uma pessoa ter morrido bem
naquela sala onde todos estavam tão confortáveis. Acabrunhado, ele sentou no
tapete, um pouco afastado dos pais e do irmão. Marília perguntou enquanto
degustava uma bebida:
− Alguma
coisa está incomodando você, meu filho?
André nem
piscou. Cris respondeu rápido:
− Não, mãe.
Está tudo tranquilo. Eu, pessoalmente, estou super tranquilo. Na boa, na paz.
Legal mesmo.
Marília encarou
o filho por alguns instantes. Tinha reparado que o gêmeo vinha mantendo um
comportamento estranho. O que estaria perturbando o garoto? De repente Poncho
ganiu lá fora. Ninguém deu importância. Cris fazia de conta que prestava
atenção no filme, mas seus pensamentos estavam longe. Porém, quando Poncho fez
outro ruído esquisito já dentro da cozinha, Marília explodiu:
− Amanda
deixou a porta da área aberta e o cachorro entrou – ela fez menção de se
levantar para pôr o cão no seu devido lugar. – Vou lá dar um jeito nisto.
Carlos dê uma pausa no filme, por favor.
Cris, no
entanto, ficou em pé primeiro que a mãe. Fez um gesto para que ela permanecesse
sentada e disse já indo em direção à cozinha:
− Deixe que
eu cuido dele.
Calmamente,
Cris se arrastou até a cozinha disposto a tirar seu animal de estimação de
dentro da casa antes que a mãe surtasse. Quando acendeu a luz se deparou com
uma cena pavorosa.
Poncho encarava
Cris com o pé de Tereza na boca.
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