sábado, 27 de dezembro de 2014

UM CADÁVER NO MEU JARDIM (Cap. 4)

Depois de uma noite mal dormida, a primeira coisa que Cris fez ao se levantar foi olhar pela janela do seu quarto. Eram quase dez horas da manhã e havia uma movimentação estranha no jardim. Empregados de uma empresa de eventos instalavam tendas ao redor da piscina e mesas por toda a parte. Sem entender nada, Cris colocou a primeira roupa que viu pela frente e desceu as escadas de dois em dois. Encontrou o irmão sentado na frente da televisão jogando.

− Você viu o que estão fazendo lá fora?

André o olhou com o canto do olho, mais preocupado com o andamento do seu game.

− Claro que vi. O que tem?
− O que é  aquilo?
− Relaxa, cara. Amanhã é o aniversário de casamento dos nossos pais. O pessoal tá lá fora arrumando tudo para a festa.
− Puxa vida! – ele se recostou no sofá se recordando do fato. – Eu nem lembrava mais. Mas justo no nosso jardim? Onde está enterrada a Te…
− Psiu. As paredes têm ouvidos.

Cris falou cochichando:

− Eu bem que falei que era melhor ter atirado a Terê no rio. Em qualquer rio. Olha o perigo que estamos correndo agora!

André largou o jogo e encarou o irmão.

− Escute aqui – disse ele bem impaciente, – você acha que amanhã as pessoas vão comemorar o aniversário escavando a cova da Tereza?
− Claro que não! Isto é ridículo!
− Então fique na sua. Não dê na vista ou logo vão desconfiar que você está estranho. A começar por Amanda. Nada escapa daquela garota.
− Está certo – resmungou Cris ficando em pé, mas não convencido das palavras do irmão.

Tenso, ele disfarçou e foi até a área de serviço onde podia observar o trabalho intenso dos funcionários da empresa. Lá fora Marília dava as coordenadas. Ela queria tudo perfeito. De repente a mãe se plantou exatamente onde Tereza estava enterrada. O sangue de Cris gelou. A terra estava remexida sob os pés dela. E se Marília desconfiasse de alguma coisa? Não, aquilo era loucura. Afinal, quem poderia adivinhar que um corpo estava enterrado ali embaixo? 

Não havia testemunhas.

Só ele. Poncho.

*

Naquela noite, véspera da festa, Cris e André resolveram ficar em casa, bem como Amanda. O outro dia prometia muita diversão e todos tiveram a mesma ideia: descansar para se esbaldar no domingo.

Na verdade, Cris não tinha nenhuma vontade de sair. Se pudesse, ficava fazendo plantão no jardim para confirmar que ninguém se aproximaria da cova de Tereza. André, por sua vez, assistia a um filme de comédia com os pais. Para ele a vida transcorria muito normalmente, como se fosse comum uma pessoa ter morrido bem naquela sala onde todos estavam tão confortáveis. Acabrunhado, ele sentou no tapete, um pouco afastado dos pais e do irmão. Marília perguntou enquanto degustava uma bebida:

− Alguma coisa está incomodando você, meu filho?

André nem piscou. Cris respondeu rápido:

− Não, mãe. Está tudo tranquilo. Eu, pessoalmente, estou super tranquilo. Na boa, na paz. Legal mesmo.

Marília encarou o filho por alguns instantes. Tinha reparado que o gêmeo vinha mantendo um comportamento estranho. O que estaria perturbando o garoto? De repente Poncho ganiu lá fora. Ninguém deu importância. Cris fazia de conta que prestava atenção no filme, mas seus pensamentos estavam longe. Porém, quando Poncho fez outro ruído esquisito já dentro da cozinha, Marília explodiu:

− Amanda deixou a porta da área aberta e o cachorro entrou – ela fez menção de se levantar para pôr o cão no seu devido lugar. – Vou lá dar um jeito nisto. Carlos dê uma pausa no filme, por favor.

Cris, no entanto, ficou em pé primeiro que a mãe. Fez um gesto para que ela permanecesse sentada e disse já indo em direção à cozinha:

− Deixe que eu cuido dele.

Calmamente, Cris se arrastou até a cozinha disposto a tirar seu animal de estimação de dentro da casa antes que a mãe surtasse. Quando acendeu a luz se deparou com uma cena pavorosa.

Poncho encarava Cris com o pé de Tereza na boca.

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