Cris
chegou a se sentir tonto. Apagou a luz quase no mesmo instante que a acendeu e
fechou a porta que separava a cozinha da sala com um estrondo. Pegando Poncho
pela coleira, o garoto arrastou o cachorro até o jardim. Por nenhum momento o
cão soltou o pé de Tereza que exalava um fedor pavoroso.
− Solta
este troço, Poncho! – murmurou Cris sacudindo o bicho para que ele largasse o
pé.
Mas não
teve jeito. Poncho parecia estar gostando muito do pé de Tereza e mantinha os
dentes cravados ali. A cova havia sido escavada pelo cão e Cris, apesar do
escuro, pôde ver o cobertor cor-de-rosa de Amanda por entre a terra.
− Solta,
Poncho! Puta que pariu, cachorro, solta esta merda!
Como o
cão não havia jeito de largar o pé de Tereza, Cris pegou um balde, encheu de
água e jogou sobre ele. O bicho latiu, incomodado, e o soltou. Mais que
imediatamente, Cris chutou o pé para dentro da cova, empurrou com um cabo de
vassoura bem para o fundo e pulou histérico sobre a terra até que esta ficasse
lisa. Com a calça embarrada e um cão molhado sacudindo-se todo ao seu lado,
Cris era a imagem do desamparo. Para não correr o risco de Poncho desenterrar o
corpo inteiro, o garoto se viu obrigado a amarrá-lo junto à casinha. E que lá
ficasse de castigo a noite toda.
Amanda
observou a cena do seu quarto, no terceiro piso da casa. Um cachorro esfomeado,
um irmão transtornado, um pé humano enfiado dentro de uma cova rasa, a
empregada desaparecida.
Sua
família era demais.
*
Cris
passou reto pela sala, ignorando pais e irmão. Não passou despercebido a
sujeira das calças do jovem e sua pressa em alcançar o andar de cima. Carlos
murmurou:
− Acho que ele se desentendeu com o
Poncho.
André sentiu o coração acelerar.
Pressentindo que algo havia acontecido – e grave −, ele disfarçou e disse:
− Bem, se vocês me dão licença,
estou achando este filme uma merda e vou dormir. Boa noite.
− Mas você não acabou de dizer que o
filme era excelente? – perguntou Marília sem entender nada.
Aquela altura André já estava na
metade das escadas, quase no encalço do irmão. Ela olhou para o marido e
comentou:
− Estes dois garotos estão muito
estranhos. Você não acha?
− E alguém é normal nesta família?
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