Os pais e a irmã, Amanda, chegaram um
pouco antes das oito horas da noite. Cris e André encontravam-se tranquilamente
sentados no sofá assistindo a um filme, dividindo uma panela de pipoca.
− E então? Tudo bem por aqui? –
perguntou Marília colocando a bolsa sobre a mesa.
− Tudo ótimo – responderam ambos com
o olhar fixo na televisão.
− Onde está Tereza?
Tinha que ser ela. Amanda, a irmã
mais velha. Coroada a rainha de fazer perguntas inoportunas desde que se
conhecia por gente.
− Saiu mais cedo – disse André com a
boca cheia de pipoca e sendo observado discretamente pelo outro gêmeo.
− Como assim foi embora?
Marília se plantou na frente dos
filhos com as mãos na cintura. E arrematou:
− O combinado era que ela ficasse
aqui até nós chegarmos.
Cris não conseguiu responder nada.
André, sempre o mais despachado, disparou:
− Ela recebeu um telefonema um pouco
antes do almoço e saiu correndo.
Um telefonema do além, disse Cris
para si mesmo e quase se engasgou com a pipoca.
Marília olhou para o marido e disse:
− Você escutou esta, Carlos? A Terê
recebeu uma ligação e deixou os guris sem almoço.
Carlos a recém tinha se atirado em
uma poltrona, esticando as pernas.
− Muito estranho. Quem iria ligar
para ela? Que eu saiba, Terê não tem parente nenhum.
− Tem, sim – atalhou Amanda pegando
um pouco da pipoca dos irmãos. – Aquele irmão bêbado que volta e meia aparece
do nada para pedir dinheiro emprestado a perder de vista.
− Então foi ele – deduziu Marília
contrariada. – E vocês comeram o quê?
Na verdade, Cris e André haviam se
esquecido de almoçar devido aos acontecimentos. Lá pelas quatro horas da tarde
sentiram fome e comeram ambos um sanduíche ralo. André respondeu:
− Um sanduíche. Ou dois.
− Por esta eu não esperava. Terê
nunca nos deixou na mão. Algo aconteceu.
Amanda falou:
− Bem, alguém terá que ir para
cozinha preparar alguma coisa para a gente comer. Pelo visto a Terê não deixou
nem o jantar pronto.
− Eu terei uma boa conversa com ela
– Marília não escondia sua contrariedade.
Cris quase se engasgou de novo.
André manteve os olhos fixos na TV e a boca cheia de pipoca.
− Cadê meu vaso?
O grito de Marília foi tão agudo que
o restante da família se assustou. Cris olhou para André que olhou para Cris.
Então o primeiro respondeu contrariado:
− O Poncho derrubou. E quebrou.
− O quê? O cachorro entrou aqui?
Era terminantemente proibido que o
cachorro entrasse na casa.
− Er… foi tudo muito rápido, mãe. De
repente ele estava aqui dentro e… derrubou o troço.
− Muito bem! O meu vaso de porcelana
chinesa se resume a um troço!
− Marília, por favor – se meteu
Carlos desejando um pouco de paz. – Aquele vaso era uma das coisas mais feias
que eu já tinha visto na vida. O Poncho merece um osso extra. Falando em osso,
meu amor, estou morrendo de fome. Que tal você ir para a cozinha fazer uma
coisinha para a gente comer?
Amanda se aproximou da mãe e
pegou-lhe o braço.
− Vamos, mãe. Eu ajudo você. Deve
ter algum macarrão instantâneo mofando dentro do armário.
As duas desapareceram na cozinha
para alívio dos três homens. Carlos murmurou:
− Estranho a Tereza desaparecer
assim, né? Logo ela, tão sensata.
− Ô… − fez André.
A paz durou apenas cinco minutos. De
repente Amanda veio da cozinha e perguntou em alto e bom som:
− Vocês queimaram alguma coisa na
churrasqueira?
Sim, eles haviam queimado. A bolsa e
o celular de Terê haviam sido destruídos hora depois de a mulher ter sido
enterrada no jardim. Cris encontrara os pertences dela sobre o balcão da
cozinha e o irmão tivera a brilhante ideia de incinerar tudo na churrasqueira.
Bem, ele que respondesse agora. E foi o que o gêmeo fez, surpreendendo a Cris
por sua frieza:
− Precisei queimar uns trabalhos
antigos da faculdade.
− Não era mais fácil rasgar tudo? –
perguntou Amanda, cética.
− Não.
Cris sequer olhou para os dois
irmãos que trocavam aquele diálogo surreal.
− Está incomodando você? – André fez
a pergunta enchendo a boca com muita pipoca.
− De jeito nenhum.
Amanda desapareceu na cozinha e Cris
cutucou o irmão. Percebeu que André deixou escapar o ar preso devagarinho. Eles
precisavam manter os olhos abertos.
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