Getúlio só voltou ao trabalho um mês depois, longe
de se recuperar do seu luto. Durante suas noites mal dormidas, não conseguia
acreditar que novamente tivera azar no amor. Fora uma fatalidade, dissera o
médico. Possivelmente Mariana sofria de alguma doença do coração e não
suportara tanta emoção. Após a morte da mais bela mulher da cidade, a
comunidade entrou em um período de comoção. Alguns casamentos foram adiados.
Afinal, uma noiva morrera durante as palavras do padre e muitos casais acharam
que a igreja era amaldiçoada. Enquanto o padre não benzeu a igreja, nenhuma
união ali se formou. Alheio a tudo, Getúlio voltou ao trabalho, nem percebendo
que a sua volta já pipocavam várias solteiras ansiosas em casar com ele.
Sem conseguir esquecer a noiva, Getúlio não se
mostrou interessado em mais nenhuma outra mulher. Mergulhou no trabalho como um
louco. Abria a farmácia às sete horas da manhã para fechar somente passando das
oito horas da noite. Na hora do almoço corria até a casa onde viveria com
Mariana, fazia um lanche rápido e voltada para a lida. Era a maneira que
encontrara para tentar fugir da dor. Assim foi sua vida durante os primeiros
meses após a partida dela. Casa-trabalho-trabalho-casa. Recusava todos os
convites dos amigos para sair, beber uma cerveja ou jogar futebol. Foi quando o
primo Josué, companheiro de infância, resolveu passar uns tempos com Getúlio.
Tinha como missão fazer com que o amigo saísse daquela maldita depressão.
Josué chegou em uma tarde de quarta-feira. Tão boa
pinta quanto o primo, o rapaz desceu do ônibus na rodoviária causando sensação.
Até chegar à farmácia onde Getúlio trabalhava, de mala e cuia, meia dúzia de
mulheres mais afoitas o seguiram cheias de risinhos e promessas. Getúlio o pôs
para dentro e fechou a cortina de ferro antes que o local fosse invadido, rindo
bastante. Aliás, era a primeira risada que o homem soltava em meses.
Depois de se cumprimentarem efusivamente, Josué
segurou o primo pelos ombros e declarou em alto e bom som:
— Puxa, cara! Você está pele e osso!
— Bem… ─ Getúlio se sentiu envergonhado. — Não tenho
sentido muita fome nos últimos tempos.
Josué se caracterizava pelos gestos expansivos e bom
humor.
— Isto vai mudar a partir de hoje! De agora! Vamos
sair daqui, comprar carne e fazer um grande churrasco! O que você acha? Não
aceito “não” como resposta!
A proposta sacudiu o espírito triste de Getúlio.
Ora, por que não?
— Ainda faltam duas horas para a farmácia fechar.
Não posso sair agora.
— Deixe disso, pare de trabalhar, criatura! Está na
hora de você se divertir um pouco.
Getúlio não discutiu. Em menos de 15 minutos os dois
primos estavam no açougue comprando a carne para o churrasco. Depois passaram
no mercadinho da Dona Maria onde levaram cerveja. A noite fechou animada. Os
dois amigos comeram e beberam até depois da meia noite. Getúlio riu das
aventuras e desventuras amorosas do primo, mas muito pouco contou da sua vida.
Quando foi dormir já estava se sentindo melhor, mais leve. Levantou às seis
horas da manhã bem disposto. Josué ficaria por lá algumas semanas e estava
dormindo quando Getúlio saiu para trabalhar. Boa gente seu primo, pensou ele
enquanto se dirigia assoviando para a farmácia. Pena que não chegara antes.
*
Josué se encarregou de fazer com que Getúlio
voltasse à vida. Não demorou muito para que Getúlio começasse a encarar a vida
com mais otimismo. Mesmo assim, não se sentia preparado para um novo
relacionamento. Mariana ainda era a única mulher da sua vida. Guardava todas as
fotos dela dentro de um baú que ficava em um cantinho do seu quarto. Não
deixava ninguém chegar perto dos retratos, nem mesmo a moça que limpava a casa
semanalmente. Sentia ciúmes. Nem mesmo Josué tinha autorização de chegar perto
do baú.
Se Getúlio não queria namorar ninguém, com o primo
era ao contrário. Josué, com toda sua pinta de galã, era a sensação da cidade.
Já no primeiro mês de estada partira três corações. Josué sempre tinha algo
novo e engraçado para contar para o primo.
Tudo aconteceu em uma noite fria onde uma chuva fina
e persistente gelava até os ossos. Josué voltava do mercadinho encolhido dentro
do seu casaco. Ninguém lhe avisara que na cidadezinha onde o primo Getúlio
morava fazia tanto frio. Josué estava fazendo planos de dar uma passada na loja
de modas da Clotilde no dia seguinte quando se deparou com uma cena estranha.
Sentada no banco da praça uma moça vestida de branco parecia solitária e
triste. Mas o que faria alguém, seja lá quem fosse, sozinha em uma noite fria
ao relento?
Josué diminuiu seus passos, na dúvida se deveria se
aproximar dela. Mesmo com a cabeça baixa, era possível reparar que a jovem
possuía grande beleza. Encantado, o homem decidiu ir falar até lá. Talvez
estivesse perdida, ora essa. Justo naquele momento, um amigo de Josué passou de
carro buzinando para lhe chamar atenção. Ele levou um susto, quase deixou as
poucas compras caírem. Josué acenou para o outro e voltou os olhos em seguida
para a moça.
Ela não estava mais ali.
Josué deu uma volta em torno de si mesmo,
praguejando. Bastara dois segundos distraído para que a moça se evaporasse. Frustrado,
Josué voltou para casa. Encontrou o primo na cozinha preparando o jantar.
Getúlio estranhou quando reparou a expressão esquisita de Josué. Nunca o vira
tão sério.
— O que houve? A chuva deixou você mal-humorado?
Josué largou a sacola com compras sobre a mesa, com
força. Encarou o primo e disse:
— Você nem sabe o que aconteceu.
Getúlio se surpreendeu com a atitude de Josué, tão
tenso.
— Algo grave, pelo visto.
— Eu vinha caminhando pela rua debaixo desta
chuvinha irritante. De repente olhei para o lado e vi uma moça. Cara, nunca vi
mulher tão linda. Ela estava sentada no banco da praça, sozinha.
— Com este tempo? Esperando alguém?
— Não faço a menor ideia. Pensei se deveria me
aproximar dela ou não. Quando decidi que sim, seu compadre Carlos passou
buzinando e eu me distraí. Neste meio tempo ela sumiu.
Josué se mostrava inconformado.
— Sumiu como?
— Sei lá, de repente ela não estava mais sentada no
banco da praça. Em meio segundo, levantou, foi embora e eu a perdi de vista.
— Quem será, hein? ─ Getúlio continuou remexendo na
comida, intrigado. — Não deve ser daqui da cidade.
Josué sentou em um banquinho e aceitou o copo de
cerveja que o primo lhe estendeu.
— Amanhã eu vou voltar. Talvez eu tenha sorte de
encontrá-la.
— Quem sabe?
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