sexta-feira, 30 de dezembro de 2016

SOMENTE NOS MEUS SONHOS (Cap, 6)




Por precaução, Lucinda pediu para o motorista do carro parar uma quadra antes. Depois, mal o veículo se afastou, encaminhou-se a passos lentos até a sede da empresa. Somente então se deu conta do tamanho da sua ousadia. Henrique Malta era o dono todo poderoso daquele lugar. Ele certamente teria coisa mais importante para fazer a receber uma total desconhecida com uma ideia maluca. Lucinda tinha a clara impressão que não passaria sequer da recepção.

Entrar no prédio não foi difícil. Lucinda nunca havia estado em um lugar tão chique. Uma recepcionista bem arrumada a encarava detrás de um balcão. Foi para lá que Lucinda se dirigiu lembrando que não tinha ensaiado nada para dizer.

— Bom dia – cumprimentou a recepcionista, formalmente. — Em que posso ajudá-la?
— Preciso falar com o Doutor Henrique Malta – a voz de Lucinda era praticamente um sussurro.
— Tem hora marcada?

Meu Deus. Não havia pensado naquilo. Com o coração acelerado, ciente de que da recepção não passaria, Lucinda disse:

— Não.

A moça alcançou para Lucinda um crachá escrito “visitante” e indicou:

— Pegue o elevador. 4º andar.
— Obrigada – respondeu Lucinda, afastando-se rapidamente antes que alguém interrompesse seu trajeto.

Ela entrou no elevador e quando informou ao ascensorista o andar que pretendia ir, esperou da parte dele uma reação. Nada.

O elevador chegou ao andar da presidência e Lucinda se viu subitamente em um local sofisticado, muito diferente do seu mundinho simples. Ela percorreu um pequeno trajeto até uma porta envidraçada. Uma mulher estava atrás de uma mesa grande com muitos papéis, computador e agenda. Ela estava ao telefone quando Lucinda empurrou a porta devagar. Com passos miúdos, a jovem se postou frente à mesa e aguardou, tensa, que a secretária particular de Henrique Malta pudesse lhe atender. Talvez ela já soubesse que uma moça esquisita queria falar com o todo poderoso.

— Bom dia. Você veio aqui falar com o Doutor Henrique.

Não era uma pergunta. Lucinda se sentiu intimidada, embora a mulher não estivesse sendo grosseira ou mal educada.

— Sim senhora.
— Qual o assunto? Você não marcou hora.

Lucinda confessou:

— Foi tudo muito repentino. E eu não sabia que deveria agendar.
— Bem, mas sobre qual é o assunto? Emprego?
— Não. Eu… é particular.

A secretária suspirou.

— Moça… Seu nome qual é?
— Lucinda – a voz saiu rouca.
— Doutor Henrique é muito ocupado. Às vezes as pessoas o procuram para tratar de assuntos que poderiam muito bem ser resolvidos por mim.
— É sobre Álvaro Malta – despejou Lucinda antes que a coragem acabasse. — E também sobre a morte de Julieta, a empregada da mansão.

A fisionomia da mulher se alterou completamente.

— Um instante, por gentileza.

A mulher se levantou e entrou no Gabinete. Menos de um minuto depois ela retornou.

— Senhora Lucinda, por gentileza.

Lucinda chegou a levar um susto. Já não tinha esperança alguma que pudesse ser recebida por Henrique Malta. A secretária a aguardava segurando a porta do Gabinete para que Lucinda passasse. Tímida e preocupada com o que iria enfrentar, a jovem entrou na grande sala clara e de móveis sóbrios. Ao fundo, um homem moreno e muito parecido fisionomicamente com Álvaro a encarava com alguma curiosidade.

Imediatamente, depois de se deparar com tanta sofisticação, Lucinda se arrependeu de não ter colocado uma roupa melhor. Receou, além de tudo, parecer simples demais ante a riqueza do lugar e do homem sentado a sua frente.

— Bom dia – cumprimentou ele. A voz era firme e demonstrava não ter muito tempo a perder. Mesmo assim Henrique Malta parecia interessado no que ela tinha a dizer. — Sente-se, por favor.

Lucinda sentou agarrando-se a bolsa. Não sabia por onde começar. Deveria ter ensaiado alguma coisa antes.

— Bom dia – a voz dela saiu fraquinha. Péssimo para quem tinha tanta coisa importante.

Ele se inclinou para frente e encarou Lucinda.

— Minha secretária me disse que você quer falar comigo sobre meu irmão e sobre a moça chamada Julieta que trabalha, ou melhor, trabalhava na mansão.
— Isto mesmo – Lucinda respirou fundo. — Eu… eu acho que ela foi morta.
— Como? – Henrique arqueou uma das sobrancelhas.
— Eu estive na mansão ontem.

Ela não podia parar para pensar. Se isto acontecesse, daria meia volta e sairia correndo dali.

— Você esteve na mansão? – Henrique mostrou seu estranhamento. — Quem você conhece por lá?
— Na verdade, ninguém. Mas eu fui levada à força por João.

Henrique passou a se interessar mais pela história de Lucinda. Desde que o irmão morrera, só havia retornado uma vez na mansão para uma visita de condolências à cunhada. Nunca haviam se dado bem. Henrique considerara um erro aquele casamento e Álvaro lhe confidenciara dias antes de morrer que estava vivendo momentos difíceis com Marília.

— João, o capanga da minha cunhada. Por que ele fez isto?
— Fui vista duas vezes orando na sepultura do seu irmão, Doutor Henrique. Eu estava no velório e me surpreendi com a juventude dele. Fiquei impressionada, chocada. E voltei algumas vezes no túmulo do senhor Álvaro. João contou para Dona Marília e acho que ela não gostou.
— Ele tratou mal você?
— Sim – Lucinda ainda se sentia envergonhada. — Ele me colocou dentro de um carro ontem à tarde e fui levada até a mansão. Lá Dona Marília me acusou de ser amante do falecido.

Lucinda esperou que Henrique falasse alguma coisa, mas ele permaneceu calado. Ela respirou fundo e prosseguiu:

— Óbvio que eu neguei. Só conheci o senhor Álvaro dentro de um caixão. Quando nossa conversa acabou, ela mandou Julieta me levar até os portões. Foi quando Julieta me fez algumas revelações.
— Que revelações? – Henrique estava muito sério.
— Ela acusou Dona Marília de ter envenenado o marido. Na véspera da morte Julieta deu falta de um frasco de veneno. No outro dia seu Álvaro caiu morto. Nenhum dos empregados acreditou. Todos desconfiam que Dona Marília esteja de caso com o cavalariço.

A fisionomia de Henrique pouco se alterou. Lucinda esperava uma reação diferente. Algum tipo de reação pelo menos.

— Percebi que alguém estava nos observando pela janela do primeiro andar da mansão enquanto ela me contava tudo no jardim. Ela me pediu ajuda. Disse para que eu viesse até aqui contar tudo para o senhor. Foi o que eu fiz.

Henrique ficou em silêncio como se estivesse analisando tudo o que Lucinda dissera. Sentindo-se desconfortável, ela emendou:

— O senhor Álvaro tem aparecido para mim também. O espírito, eu quero dizer. Ele pede ajuda, está muito angustiado.

Ela esperou que Henrique Malta fizesse troça dela por revelar aquilo. Imagine, o fantasma do irmão vagando por aí e conversando com desconhecidos. Porém, ele ficou calado, ensimesmado nos seus pensamentos. Depois de algum tempo onde Lucinda não sabia se ia embora ou continuava sentada, finalmente escutou a voz dele.

— Obrigado por me contar isto tudo, Lucinda. Agora volte para casa. Fique um tempo sem sair. É bom que você não seja vista. Se puder, faça uma viagem.

Lucinda ficou assustada. Como assim? Viagem? Então estava correndo perigo? Ela levantou e estendeu a mão gelada para Henrique.

— Obrigada por me ouvir, Doutor Henrique.

Ela deu meia volta e saiu. Despediu-se da secretária, ansiosa por sair de lá e ir para casa. Lembrou da pedra que estilhaçara a vidraça da sala. Os moradores da mansão não estavam de brincadeira. Preocupada, Lucinda procurou um táxi para levá-la de volta. Caminhou um trecho da avenida olhando para os lados a procura de um. Se quisesse podia voltar à pé. Seria uma caminhada de uma hora, mais ou menos, o suficiente para espairecer. Mas sabendo o perigo que a rondava, não podia se dar a este luxo.

Depois de cinco minutos Lucinda achou melhor procurar uma parada de ônibus. Talvez tivesse mais sorte, quando passava algum táxi este já vinha ocupado. Sabia que na rua detrás, não tão movimentada, havia um ponto. Desejou não ficar tanto esperando um ônibus e que mais pessoas estivessem na parada com ela. Se sentia ansiosa para chegar em casa e começou a providenciar uma boa desculpa para não sair por alguns dias. Nunca imaginou que na sua cidade tão calma e de pessoas tão pacíficas, pudesse realmente correr risco de vida.


Lucinda se posicionou na parada de ônibus. Ela estava deserta àquela hora. Aquilo deixou a moça apreensiva. A rua era calma, com simpáticas casinhas. Um ou outro cachorro passeava por ali. Por onde olhasse, não havia vivalma por perto. O coração de Lucinda acelerou. Quando passou a considerar a hipótese de sair dali o quanto antes, um carro negro parou bem a sua frente.

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