Dona Laura a olhou sem entender o
motivo do susto e, lentamente, pegou a foto de volta. Comentou, tentando fazer
graça:
— Sempre achei Gregório um homem
bonito.
O homem da foto, com seus cabelos
negros e olhar forte, era igual ao homem com quem Francesca sonhara e, por sua
vez, lembrava a aparição do jardim. Envergonhada, tentou se explicar:
— Oh, me desculpe, Dona Laura. Eu…
— Não se preocupe, minha jovem. Só
achei estranho o seu susto.
Francesca pegou um copo de suco de
laranja e o tomou quase de um gole só.
— Preciso contar uma coisa para
senhora.
— Nossa, você está muito séria. O que
está havendo?
— Esta noite eu tive um sonho –
Francesca tomou mais um gole, fez uma pausa, respirou fundo e prosseguiu. — Com
o homem da foto.
Dona Laura colocou as mãos na boca,
surpresa.
—Gregório?
A jovem ficou mais envergonhada ainda
devido o teor do sonho
— Tenho, sim – Francesca pegou a foto
outra vez para analisar melhor. — Era ele, Dona Laura. Eu juro, nunca vi
nenhuma foto deste homem na minha vida!
— Ah, ele não gostava de tirar fotos
e naquela época não era muito comum – Dona Laura suspirou. — E aí? Ele disse
alguma coisa?
— Como?
— O que ele disse para você no sonho?
“Gregório tentou me beijar”.
— Nada. Só lembro de estarmos em um
jardim. Só isto.
Francesca rezou para não ficar
vermelha.
— Querida! Ele está tentando se
comunicar!
— Ai, meu Deus! E agora? – Francesca
sentiu as mãos tremerem.
Dona Laura se aproximou dela como se
fosse contar um segredo:
— Escute o que ele tem a dizer. Deve
ser importante.
Sofia trouxe uma cestinha com pães e
Dona Laura se viu distraída enquanto a mente de Francesca fervilhava. Então
estava vendo pessoas mortas? O homem do jardim estava… morto? Oh, isto era
terrível!
— Francesca, você está bem?
— Sim – ela pegou um pedaço de pão e
mastigou, nervosa. — Dona Laura, será que seu marido está morto?
Uma sombra passou ante os olhos dela.
— Talvez sim. Bem, se ele estivesse
vivo todos estes anos já teria vindo me procurar.
— Mas por que ele procurou por mim?
— Não sei, minha filha. Vai ver que é
por isto que você veio parar aqui, em um lugar tão longe da sua casa.
Francesca estava impressionada com
aqueles acontecimentos. Enquanto saboreava o desjejum, olhava de soslaio para o
jardim procurando por ele, Gregório. Bem, pelo menos agora o homem tinha um
nome. Percebendo seu desassossego, Dona Laura comentou:
— Vejo que você ficou nervosa, Francesca.
— Tenho outra coisa para revelar...
Eu também já vi seu esposo no jardim.
*
Francesca estava no banho quando
Magda chegou da prefeitura, à noite. Antes que subisse as escadas apressadas
como sempre, Dona Laura a chamou:
— Magda, posso falar com você um
instante?
A mulher tentou disfarçar o quanto
aquela interrupção lhe aborrecia. Tinha centenas de coisas para fazer!
— Claro, mamãe – ela consultou o
relógio caro que trazia no pulso. — Tenho uns dez minutinhos.
Magda reparou que a mãe estava
animada.
— Sabe com quem Francesca sonhou
hoje?
Ela não tinha o menor interesse em
saber.
— Não faço a menor ideia.
— Com seu pai.
Magda empalideceu e resolveu sentar no
confortável sofá.
— O quê?
— Hoje pela manhã mostrei a foto do
Gregório para ela. Francesca tomou um susto enorme! E me contou que tinha
sonhado com ele. Incrível, não?
— Você tem certeza que…
— Claro! – Dona Laura se empolgou
ainda mais.
— Mãe, Francesca certamente viu
alguma foto do papai em algum lugar desta casa e ficou com a imagem no
subconsciente. Você não para de falar nele. Ela só poderia ter sonhado!
— Onde tem foto do seu pai nesta
casa? São poucas e eu guardo dentro de um baú. Com certeza Francesca nunca viu
nenhum retrato dele – Dona Laura fez uma pausa. — Acho que ele está tentando se
comunicar.
— Isto não existe, mãe!
— Como você sabe? Talvez Gregório
queira me dizer onde esteve este tempo todo!
Magda se levantou, claramente
exasperada com aquele assunto.
— Você sabe o quanto sou cética com
estas coisas. Francesca deve estar brincando com você. Aliás, esta é uma
brincadeira muito sem graça.
— Não sabia que este assunto lhe
deixaria tão nervosa.
— Tenho mil coisas para me preocupar!
De repente você vem falar de gente morta há um tempão! Isto me tira do sério!
— Mas é do seu pai que estamos
falando!
— Ele morreu, mãe! – Magda fez um
gesto como se aquele assunto devesse ser encerrado para sempre. — Vamos
deixá-lo onde está.
Sem ação, Dona Laura observou Magda
desaparecer escada acima. Não fazia ideia que aquele assunto a irritaria tanto.
*
Dona Laura estava dormindo a sono
solto. Francesca, no quarto ao lado, já se preparava para fazer o mesmo quando
escutou uma batida leve na porta. A princípio, pensou que fosse impressão sua.
Mas quando os toques ficaram mais fortes, Francesca sentiu os pelinhos do braço
se arrepiar. Ela levou um tempo até sair da cama; precisava firmar as pernas. O
silêncio predominava e mal se ouviam seus passos sobre o tapete peludo. Tudo o
que escutava naquele momento era o coração ricocheteando dentro do peito. Aproximou-se
da porta, tensa, e os dedos tocaram a maçaneta fria. Provavelmente não havia
ninguém do outro lado e tudo era fruto da sua imaginação. Abriu a porta devagar.
Era melhor acabar com tudo de uma vez para poder ir dormir logo.
Magda a encarava com a fisionomia
séria e os cabelos presos para trás. Francesca chegou a recuar. Será que havia
feito alguma coisa errada?
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