Eu
escutei o latido de um cachorrinho do outro lado do muro. Aquilo estava cada
vez mais frequente agora. Desde que aquela família estranha se mudou para a
casa ao lado da minha, coisas bizarras começaram a acontecer. Cantorias
sinistras depois da meia noite, uma criança pequena chorando quase sem pausas e
o latido insistente do tal cachorrinho. Parecia um filhote e pelo jeito que
gania, dava a impressão de estar sofrendo.
Minha mãe me proibira com todas as letras de chegar perto do
muro que separava as duas casas. Mas naquela noite não suportei a angústia. Eu
estava sozinha em casa e algo muito errado estava ocorrendo do outro lado do
muro.
Peguei
uma escada e sem pensar muito (para não desistir), encostei-a na parede e subi
degrau por degrau. Quando minha cabeça ultrapassou a altura do muro consegui
visualizar o que havia no pátio do vizinho. Meu coração batia tanto que tive a
impressão que teria um ataque cardíaco.
A
princípio, apesar da luz fraca, parecia tudo normal. No fundo, próximo da
porta, um cachorrinho preto me olhava, assustado. Amarrado pelo pescoço por uma
corda grosseira, o animal parecia acuado e triste. E talvez, machucado. Eu não
podia deixar aquilo permanecer. Me armando da pouca coragem que tinha, passei a
perna sobre o muro e no segundo seguinte já estava dentro do outro pátio. Não
fiz nenhum barulho enquanto me aproximava do cão. Ele recuou um pouco, mas logo
percebeu que eu não iria machucá-lo.
O nó estava forte. Praguejei, respirei fundo para me
acalmar e tentei de novo. Uma sombra atrás de mim, no muro, fez com que minhas
pernas ficassem mais bambas do que já estavam. Me voltei, tensa, e deparei-me
com um gato preto. Seus olhos amarelos e ferozes me disseram que eu não era
para estar naquele lugar. Contudo, eu não tinha como sair. O gato bloqueava
minha passagem. Parecia estar esperando que eu subisse no muro para me atacar.
O cachorrinho ganiu de novo e quando tentei soltar o nó mais uma
vez, a porta da casa se abriu. Olhei para cima sem acreditar na minha má sorte.
A porta lentamente foi abrindo e pensei que era melhor para mim fugir. Levantei
tão rápido que, em pânico, tropecei nos meus próprios pés e caí no chão em um
baque surdo. O gato saltou do muro e parou ao meu lado, espreitando-me. A porta
agora estava aberta totalmente e a escuridão não permitia que eu visse quem
estava ali. Um vulto, um véu, algo se movia através da brisa leve que soprava.
Não dava para saber se era homem ou mulher, jovem ou velho. Eu precisava fazer
alguma coisa. Talvez fugir fosse pior.
— Boa noite – murmurei.
Não houve resposta. A luz acendeu e num primeiro momento ela me
cegou. Não havia ainda me habituado com a claridade quando escutei uma voz
aveludada e simpática:
— Olá. Quem é você?
Uma moça bonita, de branco e longos cabelos negros, me fitava
com olhos brilhantes. Meu medo se dissipou no mesmo instante. Ela não parecia
nem um pouco ameaçadora. Levantei esfregando as mãos nas minhas calças jeans.
— Sou a Luciana, a vizinha da casa ao lado. Eu... fiquei
preocupada com os latidos do cachorrinho.
A moça sorriu parecendo compreender a situação
perfeitamente.
— Ah, ela é muito sensível. Late por tudo. Muito prazer em
conhecê-la. Você não quer entrar? Venha tomar um chazinho comigo e minha
família.
Uau, eu não esperava receber aquele convite. Tudo parecia normal
ali e, de repente, me vi ansiosa para saber quem eram meus novos vizinhos.
Teria muitas novidades para contar quando meus pais retornassem.
— Eu adoraria.
Ela fez um gesto para que eu me aproximasse e chegou para o lado
a fim de que eu entrasse na casa. Me vi numa cozinha antiga e com facas
afiadíssimas expostas sobre uma mesa grande. Senti um arrepio. Mais para o
canto, no chão, um saco preto e imenso parecia estar cheio.
Cheio de quê?
A porta que dava para o pátio se fechou com um barulho sinistro.
Nada fazia mais sentido. Olhei para trás. A moça simpática sorria para mim com
uma corda na mão.
Uau! Isso daria uma história em quadrinhos e tanto! O melhor desse tipo de conto é que pode realmente acontecer, não há (parece) monstros sobrenaturais em nossa vida chata, mas gente ruim é o que não falta. Adorei. E agora estou retomando meu lado leitor, estarei sempre aqui (pelo menos essa é a ideia). Beijos. (Celso MFaria aqui; esse Mikael Liann também sou eu.)
ResponderExcluirUhu! Que honra te ver aqui de novo! Volte sempre, meu amigo!
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