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Dalva não era propriamente uma
mulher bonita, mas sabia ainda como conquistar um homem. Já havia passado dos
cinquenta anos, contudo o corpo se mantinha em forma à base de muita ginastica.
Quando a prima Maricota telefonou pedindo ajuda para sair do cativeiro ela não
pensou duas vezes em libertá-la. E se o policial estivesse fazendo campana não
teria problema algum. Ela poderia dar um jeitinho de fazer com que ele
relaxasse na guarda.
Sem medo pulou as barricadas que o
prefeito pusera na entrada da cidade e caminhou, resoluta, para o centro da
cidade. Dalva conhecia Santa Luzia, já visitara a prima algumas vezes e sabia
muito bem onde ficava a delegacia. Esgueirando-se pelas sombras, ela não custou
muito a avistar um policial jovem e bonito frente ao prédio do lugar. Dalva se
escondeu atrás de uma árvore para observá-lo melhor. O homem estava com sono e,
com certeza, seus reflexos, mais lentos. Uma pena que Maricota estivesse
naquela situação, pois seria um prazer conhecer mais de perto o belo agente da
lei. Bem, isto teria que ficar para outro dia, para depois da pandemia do
mocoronga vírus passar. Primeiro precisava tirar a prima e o amigo dela do
confinamento e fugir dali antes que restasse presa também.
Foi depois de um bocejo prolongado
que Josias percebeu que a árvore se mexia. Ele piscou algumas vezes até cair em
si e ver que, na verdade, uma mulher de cabelo oxigenado, de calça justa e tênis
cor-de-rosa se escondia atrás de uma árvore. Ele suspirou. O que mais faltava
acontecer em Santa Luzia naquela noite? Ele pegou a espingarda e apontou para a
figura caminhando firme na sua direção.
— Levante as mãos!
Josias falou em tom baixo e firme.
Não era sua intenção acordar a cidade inteira naquela longa madrugada que não
terminava nunca.
A mulher saiu detrás da árvore com
um sorriso estampado no rosto e se movendo como se fosse uma serpente. Em um
primeiro momento, Josias pensou que Dalva fosse um travesti. Realmente, aquela
noite estava bem esquisita.
— Não atire, meu amor. Não sou uma
assassina.
Josias nunca havia visto a mulher na
sua vida. Sim, era uma mulher. Mas o que ela fazia circulando por Santa Luzia
em alta madrugada?
— De onde você é?
— Estou de passagem – respondeu ela
se aproximando devagar.
— Passagem? De que jeito? As
entradas da cidade estão bloqueadas.
Dalva parou frente a ele guardando
uma certa distância. A espingarda ainda estava apontada para ela sem muita convicção
agora.
— Sou uma fada – Dalva fez uma pose
graciosa. — Posso qualquer coisa.
— Meu Deus – murmurou Josias. Não
sabia dizer se a mulher estava bêbada ou era maluca. — De onde você saiu?
— Já disse, sou uma fada. E vim aqui
alegrar sua noite solitária.
Josias baixou a espingarda. Sim, a
mulher era doida.
— Olha, só para esclarecer. Não
estou triste e tampouco me sentindo sozinho. Volte para onde você veio. Ou vou
ter que lhe prender.
— Uau, que loucura! Eu adoraria ser
algemada por você.
Dalva sorriu com todos seus dentes
branquinhos. Senão fosse a prima presa, ela bem que gostaria de ficar de
assunto com o bonito.
— Senhora – Josias apontou para a
direção da entrada da cidade. — Não sei como entrou, mas recomendo que se ponha
daqui para fora.
—
Já que é assim irei embora mesmo – Dalva sacudiu os ombros fingindo-se
conformada. — Um dia voltarei para conversarmos mais de perto. Eu sei que é por
causa do mocoronga vírus que você não quer falar comigo.
Dalva atirou um beijinho para ele e
se virou para ir embora. Deu três passos e desabou no chão.
— Ai!
Josias soltou outro suspiro. Era
demais. A mulher massageava o pé que, supostamente, estava torcido. Seu rosto
era uma expressão de dor. Josias não podia deixá-la ali.
— Vou ajudar você.
Ele se aproximou de Dalva e se
agachou ao lado dela. Esperava, de todo o coração, que a criatura não estivesse
contaminada pelo mocoronga.
— Tudo bem. Se apoie em mim – ele
ofereceu o braço. — Vou levar você até a delegacia.
Amparada por Josias, Dalva foi
pulando num pé só, gemendo de dor, mas adorando o contato físico entre os dois.
O homem abriu a porta pesada da delegacia, acendeu a luz e indicou uma cadeira
para Dalva.
— Você pode sentar ali mesmo.
— Oh, muito obrigada – ela o encarou
com seu sorriso radiante. — Você é tão gentil.
— Não faço mais que minha obrigação.
Foi tão rápido que Josias não teve
tempo de se defender. Dalva acertou a cabeça do policial com um cassetete e
usou de tanta força que o homem desabou no chão. Chocada com sua própria atitude,
ela o observou por alguns segundos. Sabia que quando ele voltasse a si estaria
muito encrencada. Afobada, revistou seu bolso até encontrar uma chave que supôs
ser a do galpão onde a prima estava. Dalva saiu pelos fundos da delegacia e não
demorou muito a encontrar o local onde Maricota e Vanderlei estavam.
— Mari! Mari, sou eu! Você está aí?
Maricota deu um pulo ao ouvir a voz
da prima.
— Dalva! Sim, estamos aqui!
Com as mãos trêmulas, Dalva
conseguiu abrir a porta. Maricota surgiu branca e aliviada abraçando a prima.
Mas não havia tempo para demonstrações de afeto.
— Eu acertei uma cacetada no
policial – Dalva pegou a mão da prima puxando-a para fora do galpão. — Se ele
acordar estou mais ferrada que vocês dois juntos!
Maricota olhou para Vanderlei que
vinha logo atrás dela.
— Não podemos perder tempo,
Vanderlei!
Os três saíram da delegacia em
silêncio nervoso, caminhando fininho. Josias continuava no chão, gemendo e
parecendo prestes a acordar. Assim que ganharam a rua Vanderlei anunciou:
— Vocês vão para um lado e eu vou
para outro. Até qualquer dia, Maricota.
Dalva deu um puxão na prima enquanto
Vanderlei desaparecia aos pinotes pelas ruas desertas de Santa Luzia.
— Vem, Mari! O policial já vai
acordar!
De mãos dadas, as duas primas
atravessaram a praça correndo, tensas e rindo de nervosas. Tinham a impressão
que a qualquer momento o delegado e os outros policiais iriam brotar do nada
para levarem as duas para o xilindró.
— Atchim!
Dalva soltou a mão de Maricota para
espirrar.
— Nossa, estou em péssima forma –
gemeu Maricota apoiando as duas mãos nos joelhos, arfante.
Foram mais dois espirros na
sequência enquanto Maricota aproveitava para recuperar o fôlego. Dalva
explicou, fungando:
— O pólen das flores me causa
alergia.
Outra vez, mais descansadas, elas se
puseram a correr rumo às barricadas. Dalva deixou mais alguns espirros no ar de
Santa Luzia ao mesmo tempo que a prima escalava os obstáculos que o prefeito
mandara colocar no portal de entrada da cidade. Só ficou aliviada quando se viu
dentro do carro da prima.
— Tão cedo eu não volto para cá –
suspirou ela meio entristecida.
— Muito menos eu – Dalva acionou a
partida do motor. — Pobre do bonitão. Eu gostaria tanto de conhecê-lo melhor...
O carro partiu em disparada. Santa
Luzia ficou para trás jogada a sua própria sorte.
O mais forte sobreviveria.
Ou não.
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