terça-feira, 7 de abril de 2020

MOCORONGA VÍRUS - Parte 2 final





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Dalva não era propriamente uma mulher bonita, mas sabia ainda como conquistar um homem. Já havia passado dos cinquenta anos, contudo o corpo se mantinha em forma à base de muita ginastica. Quando a prima Maricota telefonou pedindo ajuda para sair do cativeiro ela não pensou duas vezes em libertá-la. E se o policial estivesse fazendo campana não teria problema algum. Ela poderia dar um jeitinho de fazer com que ele relaxasse na guarda.

Sem medo pulou as barricadas que o prefeito pusera na entrada da cidade e caminhou, resoluta, para o centro da cidade. Dalva conhecia Santa Luzia, já visitara a prima algumas vezes e sabia muito bem onde ficava a delegacia. Esgueirando-se pelas sombras, ela não custou muito a avistar um policial jovem e bonito frente ao prédio do lugar. Dalva se escondeu atrás de uma árvore para observá-lo melhor. O homem estava com sono e, com certeza, seus reflexos, mais lentos. Uma pena que Maricota estivesse naquela situação, pois seria um prazer conhecer mais de perto o belo agente da lei. Bem, isto teria que ficar para outro dia, para depois da pandemia do mocoronga vírus passar. Primeiro precisava tirar a prima e o amigo dela do confinamento e fugir dali antes que restasse presa também.

Foi depois de um bocejo prolongado que Josias percebeu que a árvore se mexia. Ele piscou algumas vezes até cair em si e ver que, na verdade, uma mulher de cabelo oxigenado, de calça justa e tênis cor-de-rosa se escondia atrás de uma árvore. Ele suspirou. O que mais faltava acontecer em Santa Luzia naquela noite? Ele pegou a espingarda e apontou para a figura caminhando firme na sua direção.

— Levante as mãos!

Josias falou em tom baixo e firme. Não era sua intenção acordar a cidade inteira naquela longa madrugada que não terminava nunca.

A mulher saiu detrás da árvore com um sorriso estampado no rosto e se movendo como se fosse uma serpente. Em um primeiro momento, Josias pensou que Dalva fosse um travesti. Realmente, aquela noite estava bem esquisita.

— Não atire, meu amor. Não sou uma assassina.

Josias nunca havia visto a mulher na sua vida. Sim, era uma mulher. Mas o que ela fazia circulando por Santa Luzia em alta madrugada?

— De onde você é?

— Estou de passagem – respondeu ela se aproximando devagar.

— Passagem? De que jeito? As entradas da cidade estão bloqueadas.

Dalva parou frente a ele guardando uma certa distância. A espingarda ainda estava apontada para ela sem muita convicção agora.

— Sou uma fada – Dalva fez uma pose graciosa. — Posso qualquer coisa.

— Meu Deus – murmurou Josias. Não sabia dizer se a mulher estava bêbada ou era maluca. — De onde você saiu?

— Já disse, sou uma fada. E vim aqui alegrar sua noite solitária.

Josias baixou a espingarda. Sim, a mulher era doida.

— Olha, só para esclarecer. Não estou triste e tampouco me sentindo sozinho. Volte para onde você veio. Ou vou ter que lhe prender.

— Uau, que loucura! Eu adoraria ser algemada por você.
Dalva sorriu com todos seus dentes branquinhos. Senão fosse a prima presa, ela bem que gostaria de ficar de assunto com o bonito.

— Senhora – Josias apontou para a direção da entrada da cidade. — Não sei como entrou, mas recomendo que se ponha daqui para fora.

— Já que é assim irei embora mesmo – Dalva sacudiu os ombros fingindo-se conformada. — Um dia voltarei para conversarmos mais de perto. Eu sei que é por causa do mocoronga vírus que você não quer falar comigo.

Dalva atirou um beijinho para ele e se virou para ir embora. Deu três passos e desabou no chão.

— Ai!

Josias soltou outro suspiro. Era demais. A mulher massageava o pé que, supostamente, estava torcido. Seu rosto era uma expressão de dor. Josias não podia deixá-la ali.

— Vou ajudar você.

Ele se aproximou de Dalva e se agachou ao lado dela. Esperava, de todo o coração, que a criatura não estivesse contaminada pelo mocoronga.

— Tudo bem. Se apoie em mim – ele ofereceu o braço. — Vou levar você até a delegacia.

Amparada por Josias, Dalva foi pulando num pé só, gemendo de dor, mas adorando o contato físico entre os dois. O homem abriu a porta pesada da delegacia, acendeu a luz e indicou uma cadeira para Dalva.

— Você pode sentar ali mesmo.

— Oh, muito obrigada – ela o encarou com seu sorriso radiante. — Você é tão gentil.

— Não faço mais que minha obrigação.

Foi tão rápido que Josias não teve tempo de se defender. Dalva acertou a cabeça do policial com um cassetete e usou de tanta força que o homem desabou no chão. Chocada com sua própria atitude, ela o observou por alguns segundos. Sabia que quando ele voltasse a si estaria muito encrencada. Afobada, revistou seu bolso até encontrar uma chave que supôs ser a do galpão onde a prima estava. Dalva saiu pelos fundos da delegacia e não demorou muito a encontrar o local onde Maricota e Vanderlei estavam.

— Mari! Mari, sou eu! Você está aí?

Maricota deu um pulo ao ouvir a voz da prima.

— Dalva! Sim, estamos aqui!

Com as mãos trêmulas, Dalva conseguiu abrir a porta. Maricota surgiu branca e aliviada abraçando a prima. Mas não havia tempo para demonstrações de afeto.

— Eu acertei uma cacetada no policial – Dalva pegou a mão da prima puxando-a para fora do galpão. — Se ele acordar estou mais ferrada que vocês dois juntos!

Maricota olhou para Vanderlei que vinha logo atrás dela.

— Não podemos perder tempo, Vanderlei!

Os três saíram da delegacia em silêncio nervoso, caminhando fininho. Josias continuava no chão, gemendo e parecendo prestes a acordar. Assim que ganharam a rua Vanderlei anunciou:

— Vocês vão para um lado e eu vou para outro. Até qualquer dia, Maricota.

Dalva deu um puxão na prima enquanto Vanderlei desaparecia aos pinotes pelas ruas desertas de Santa Luzia.

— Vem, Mari! O policial já vai acordar!

De mãos dadas, as duas primas atravessaram a praça correndo, tensas e rindo de nervosas. Tinham a impressão que a qualquer momento o delegado e os outros policiais iriam brotar do nada para levarem as duas para o xilindró.

— Atchim!

Dalva soltou a mão de Maricota para espirrar.

— Nossa, estou em péssima forma – gemeu Maricota apoiando as duas mãos nos joelhos, arfante.

Foram mais dois espirros na sequência enquanto Maricota aproveitava para recuperar o fôlego. Dalva explicou, fungando:

— O pólen das flores me causa alergia.

Outra vez, mais descansadas, elas se puseram a correr rumo às barricadas. Dalva deixou mais alguns espirros no ar de Santa Luzia ao mesmo tempo que a prima escalava os obstáculos que o prefeito mandara colocar no portal de entrada da cidade. Só ficou aliviada quando se viu dentro do carro da prima.

— Tão cedo eu não volto para cá – suspirou ela meio entristecida.

— Muito menos eu – Dalva acionou a partida do motor. — Pobre do bonitão. Eu gostaria tanto de conhecê-lo melhor...

O carro partiu em disparada. Santa Luzia ficou para trás jogada a sua própria sorte.

O mais forte sobreviveria.

Ou não.

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