sábado, 18 de fevereiro de 2017

O HOMEM DO JARDIM (Capítulo 3)






O quarto de Francesca ficava ao lado do de Dona Laura. A decoração era praticamente igual. Móveis pesados e de bom gosto, mas tudo bem aconchegante. O jantar foi no quarto da velha senhora. Algumas vezes, como naquela noite, ela optara por ficar mais resguardada. Magda já havia ligado para avisar que teria um jantar político e chegaria mais tarde.

— Nossos horários não são muito compatíveis – comentou Dona Laura comendo uma sopa cremosa e cheirosa. Minha filha tem uma vida muito agitada. Eu até já me acostumei.
— Agora estou aqui para fazer companhia para a senhora.
— Estou muito contente com sua presença – sorriu Dona Laura. — Só espero que você não fique aborrecida em cuidar de uma velha.
— Estou gostando de tudo, Dona Laura. De verdade – assegurou Francesca, lembrando-se do homem bonito no jardim. Bonito e misterioso.

Depois de assistirem um programa na TV, Dona Laura decidiu se recolher. Francesca a acomodou na cama e foi para seu próprio quarto. A janela dava para o jardim imenso. Curiosa, ela se aproximou da janela, afastando a cortina pesada. Não dava para ver muita coisa. Lá fora era escuro e o silêncio reinava. Quem seria ele? Poderia ser um empregado ou alguém de fora que estava realizando serviços na casa. Francesca esperava, sinceramente, vê-lo outra vez. Por enquanto, precisava conter sua curiosidade. Não conhecia nenhum outro empregado ainda para poder indagar quem seria, sem parecer uma intrometida.

*

Dona Laura gostava de acordar cedo. Por volta das sete horas ambas já estavam em pé. A primeira refeição ela gostava de tomar na sala e, de braços dados com Francesca, Dona Laura caminhou devagar pelo corredor até o elevador da casa. 

— Temos uma cozinheira que faz uns bolos deliciosos para mim – piscou ela para Francesca. — É a responsável pelos meus quilinhos a mais.

As duas entraram no elevador e Dona Laura suspirou. Foi um suspiro longo e profundo que assustou a jovem.

— A senhora está se sentindo bem?
— Sim, estou bem – deu um tapinha no braço de Francesca. — Estava lembrando do sonho que tive hoje – fez uma pausa e completou. — Com o Gregório.
— Foi um sonho bom?
— Ah, foi. Dificilmente eu tenho sonho ruins com meu marido. Sonhei que ele havia retornado para casa, como sempre. Às vezes penso que ele está preparando a minha ida para o outro lado.
— Não se impressione muito com estes sonhos, Dona Laura.
— Não, eu não me impressiono muito. Mas eu gosto de sonhar com ele. Nestes sonhos eu estou sempre jovem!

O elevador parou e ambas se encaminharam para a sala, onde uma das empregadas já havia distribuído os quitutes. Francesca chegou a suspirar ao ver a variedade de pães e bolos.

— Tudo isto é para nós?
— Magda recebe algumas pessoas de manhã aqui, para o café. Mas tenho a impressão que sobra comida, sabe? Magda é um pouco perdulária.

Magda apareceu mais tarde e realmente disse que algumas pessoas iriam aparecer pouco depois. Quando chegaram, Dona Laura ficou distraída conversando com os amigos da filha e Francesca aproveitou para ajudar Sofia, uma das empregadas, a levar a louça usada para a cozinha. Além de querer se integrar mais com as outras pessoas, Francesca queria saber quem era o tal homem misterioso do jardim.

— Francesca, muito obrigada. Pode deixar as coisas sobre a pia. Eu já irei lavar.

Ela fez o que Sofia pediu, mas não voltou para a sala. Pelas risadas que escutava, sabia que Dona Laura estava se divertindo com alguns dos convidados da filha.

— São muitos empregados nesta casa? Estou impressionada com o tamanho.

Sofia começou a lavar a louça enquanto explicava.

— Sim, somos um número razoável. Jardineiros temos dois.  Na cozinha somos três e temos duas arrumadeiras. Com você somos oito empregados para dar conta de tudo. Já pensou se a família fosse grande? Estaríamos perdidos!
Francesca riu ao mesmo tempo em que pegava um pano de prato para secar a louça já limpa.

— Acho que ontem vi um dos jardineiros.
— Provavelmente. Eles ficam circulando pelos jardins o dia inteiro. Eles já são meio velhos, sabe? Mas fazem o serviço muito bem.

Velhos? Francesca ficou em silêncio. O homem que tinha visto no dia anterior parecia ser jovem.

— Bem, então não foi nenhum deles que vi. Esta pessoa parecia mais nova, tipo uns trinta anos.
Sofia a olhou sem entender.
— Ué, que estranho. Não temos empregados homens tão jovens assim.

Francesca engoliu em seco.

— Talvez fosse alguém de fora fazendo reparos na casa.
— Não, não veio ninguém diferente aqui ontem. Dona Magda tem muitos amigos e eles adoram passear pelo jardim. Mas ontem ela passou o dia inteiro fora.
— Mesmo? – Francesca não tinha o que dizer.
— Acho que você viu coisas – Sofia riu.
Rindo também, mas um pouco intrigada, Francesca disse:
— Devo estar ficando doida. É muita coisa nova para minha cabeça!
— Se é! Aproveite um dia que Dona Laura tirar uma soneca à tarde e faça uma expedição por aí. Vai ser bem interessante, acredite.


Minutos depois Francesca retornou à sala, tentando controlar seu nervosismo. E se o homem bonito fosse um invasor, um bandido? A casa era resguardada, além de possuir um bom sistema de segurança. Não era qualquer pessoa que podia entrar lá. Sentando ao lado de Dona Laura, ela tentou se acalmar. Mais cedo ou mais tarde o homem iria aparecer de novo. E se ela tivesse mais sorte, tentaria falar com ele.

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