O quarto de Francesca ficava ao
lado do de Dona Laura. A decoração era praticamente igual. Móveis pesados e de
bom gosto, mas tudo bem aconchegante. O jantar foi no quarto da velha senhora.
Algumas vezes, como naquela noite, ela optara por ficar mais resguardada. Magda
já havia ligado para avisar que teria um jantar político e chegaria mais tarde.
— Nossos horários não são muito
compatíveis –
comentou Dona Laura comendo uma sopa cremosa e cheirosa. Minha filha tem uma
vida muito agitada. Eu até já me acostumei.
— Agora
estou aqui para fazer companhia para a senhora.
— Estou
muito contente com sua presença – sorriu Dona Laura. — Só espero que você não
fique aborrecida em cuidar de uma velha.
— Estou
gostando de tudo, Dona Laura. De verdade – assegurou Francesca, lembrando-se do
homem bonito no jardim. Bonito e misterioso.
Depois de
assistirem um programa na TV, Dona Laura decidiu se recolher. Francesca a
acomodou na cama e foi para seu próprio quarto. A janela dava para o jardim imenso.
Curiosa, ela se aproximou da janela, afastando a cortina pesada. Não dava para
ver muita coisa. Lá fora era escuro e o silêncio reinava. Quem seria ele? Poderia
ser um empregado ou alguém de fora que estava realizando serviços na casa.
Francesca esperava, sinceramente, vê-lo outra vez. Por enquanto, precisava conter
sua curiosidade. Não conhecia nenhum outro empregado ainda para poder indagar
quem seria, sem parecer uma intrometida.
*
Dona Laura
gostava de acordar cedo. Por volta das sete horas ambas já estavam em pé. A
primeira refeição ela gostava de tomar na sala e, de braços dados com Francesca,
Dona Laura caminhou devagar pelo corredor até o elevador da casa.
As duas
entraram no elevador e Dona Laura suspirou. Foi um suspiro longo e profundo que
assustou a jovem.
— A
senhora está se sentindo bem?
— Sim,
estou bem – deu um tapinha no braço de Francesca. — Estava lembrando do sonho
que tive hoje – fez uma pausa e completou. — Com o Gregório.
— Foi um
sonho bom?
— Ah, foi.
Dificilmente eu tenho sonho ruins com meu marido. Sonhei que ele havia
retornado para casa, como sempre. Às vezes penso que ele está preparando a
minha ida para o outro lado.
— Não se
impressione muito com estes sonhos, Dona Laura.
— Não, eu
não me impressiono muito. Mas eu gosto de sonhar com ele. Nestes sonhos eu
estou sempre jovem!
O elevador
parou e ambas se encaminharam para a sala, onde uma das empregadas já havia
distribuído os quitutes. Francesca chegou a suspirar ao ver a variedade de pães
e bolos.
— Tudo
isto é para nós?
— Magda
recebe algumas pessoas de manhã aqui, para o café. Mas tenho a impressão que
sobra comida, sabe? Magda é um pouco perdulária.
Magda
apareceu mais tarde e realmente disse que algumas pessoas iriam aparecer pouco
depois. Quando chegaram, Dona Laura ficou distraída conversando com os amigos
da filha e Francesca aproveitou para ajudar Sofia, uma das empregadas, a levar a
louça usada para a cozinha. Além de querer se integrar mais com as outras
pessoas, Francesca queria saber quem era o tal homem misterioso do jardim.
—
Francesca, muito obrigada. Pode deixar as coisas sobre a pia. Eu já irei lavar.
Ela fez o
que Sofia pediu, mas não voltou para a sala. Pelas risadas que escutava, sabia
que Dona Laura estava se divertindo com alguns dos convidados da filha.
— São
muitos empregados nesta casa? Estou impressionada com o tamanho.
Sofia
começou a lavar a louça enquanto explicava.
— Sim,
somos um número razoável. Jardineiros temos dois. Na cozinha somos três e temos duas
arrumadeiras. Com você somos oito empregados para dar conta de tudo. Já pensou
se a família fosse grande? Estaríamos perdidos!
Francesca
riu ao mesmo tempo em que pegava um pano de prato para secar a louça já limpa.
— Acho que
ontem vi um dos jardineiros.
—
Provavelmente. Eles ficam circulando pelos jardins o dia inteiro. Eles já são
meio velhos, sabe? Mas fazem o serviço muito bem.
Velhos?
Francesca ficou em silêncio. O homem que tinha visto no dia anterior parecia
ser jovem.
— Bem, então
não foi nenhum deles que vi. Esta pessoa parecia mais nova, tipo uns trinta
anos.
Sofia a
olhou sem entender.
— Ué, que
estranho. Não temos empregados homens tão jovens assim.
Francesca
engoliu em seco.
— Talvez
fosse alguém de fora fazendo reparos na casa.
— Não, não
veio ninguém diferente aqui ontem. Dona Magda tem muitos amigos e eles adoram
passear pelo jardim. Mas ontem ela passou o dia inteiro fora.
— Mesmo? –
Francesca não tinha o que dizer.
— Acho que
você viu coisas – Sofia riu.
Rindo
também, mas um pouco intrigada, Francesca disse:
— Devo estar
ficando doida. É muita coisa nova para minha cabeça!
— Se é!
Aproveite um dia que Dona Laura tirar uma soneca à tarde e faça uma expedição
por aí. Vai ser bem interessante, acredite.
Minutos depois
Francesca retornou à sala, tentando controlar seu nervosismo. E se o homem
bonito fosse um invasor, um bandido? A casa era resguardada, além de possuir um
bom sistema de segurança. Não era qualquer pessoa que podia entrar lá. Sentando
ao lado de Dona Laura, ela tentou se acalmar. Mais cedo ou mais tarde o homem
iria aparecer de novo. E se ela tivesse mais sorte, tentaria falar com ele.
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