O dia
passou calmamente. Francesca se distraiu com Dona Laura em leituras, bordados e
até um animado jogo de cartas. A tão esperada saída para os jardins teve que
ser adiada depois que uma chuvarada caiu na cidade no final da tarde. Francesca
não conseguiu disfarçar sua decepção, mesmo achando que encontrar novamente o
homem misterioso seria difícil.
— Estas
tempestades caem com frequência esta época – disse Dona Laura ao ver Francesca
um pouco inquieta. Eram oito horas da noite e ambas aguardavam que Sofia
trouxesse o jantar. — Geralmente o outro dia amanhece com um belo sol.
— A senhora
deve estar sentindo falta do seu passeio no jardim, não é?
— Ora, um
pouco. Antes de você chegar eu não tinha ninguém para me levar lá fora. Então
estou acostumada a passar sem ele.
— Podemos
tomar café no jardim amanhã. O que a senhora acha?
Dona Laura
bateu palmas, animada.
— Acho uma
excelente ideia! Já vou avisar Sofia para arrumar uma mesa amanhã logo cedo.
Isto é, caso não esteja desabando um toró.
Sofia
apareceu pouco depois trazendo os pratos do jantar. Mais tarde, enquanto
saboreava uma taça de arroz de leite, Francesca comentou:
— Preciso
me controlar para não perder a linha. Este doce está bom demais!
— Sofia é a
nossa doceira. Ela tem uma mão maravilhosa para estes quitutes. É impressão
minha ou parou de chover?
De tão
absorta saboreando a sobremesa, Francesca não havia se dado conta que a chuva
tinha parado. Ela colocou a taça sobre a mesa e foi até a janela.
— Sim,
parou mesmo de chover, Dona Laura! – a moça olhou para o céu. A lua teimava em
aparecer entre as nuvens pesadas. — Talvez nosso desjejum ao ar livre esteja
garantido!
— Não vejo
a hora! Você teve uma excelente ideia!
Dona Laura
falou alguma coisa mais, contudo Francesca não estava prestando atenção. Ele
estava lá, parado perto de um arbusto, quase sem se mexer. Não, não era uma
pessoa. Espere, era alguém sim! Um vento mais forte soprou, balançando os
galhos de uma árvore e Francesca chegou a dar um pulo para trás. Era ou não uma
pessoa? De repente, os faróis do carro de Magda iluminaram o caminho e o
jardim, obrigando Francesca a ajustar os olhos. Não havia ninguém, somente sua
imaginação agindo.
— O que
houve, Francesca? – perguntou Dona Laura, achando o silêncio da moça um tanto
estranho.
— Nada. É
que... acho que Dona Magda está chegando.
Será que…
ela também teria visto alguma coisa?
Menos de
cinco minutos depois Magda entrou na sala com aparência cansada e com os
cabelos em desalinho. Deu um rápido beijo na mãe e cumprimentou Francesca com
um aceno.
— Você não
vai jantar, minha filha? Sua aparência não é das melhores – perguntou Dona
Laura.
— Não
preciso de comida, quero é um banho. Como se não bastasse todas as complicações
desta cidade, eu peguei uma tempestade pelo caminho.
Francesca
teve vontade de perguntar se ela não havia visto ninguém do lado de fora, mas
não teve coragem para tanto.
— Vou pedir
para Sofia levar um prato de sopa para você – retrucou Dona Laura,
carinhosamente. — Você precisa se alimentar.
— Sim, sim,
mãe – Magda já estava subindo as escadas, sem muita vontade de conversar. — Até
amanhã!
Magda
desapareceu escadas acima e os olhos de Dona Laura pousaram nos de Francesca.
— Ela é
assim, sabe? Desde pequena parece que tem bicho carpinteiro espalhado pelo
corpo.
— Dona
Magda tem uma vida muito corrida.
A senhora
fez um sinal como se fosse melhor deixar aquele assunto de lado.
— Problema
é dela. Vamos subir? Talvez eu tenha tempo ainda de assistir a novela.
*
Francesca
estava no jardim passeando sozinha. Era uma manhã de sol com nenhuma nuvem no
céu. Tudo era silêncio. Ela escutou alguém vindo atrás de si, mas continuou
caminhando. Sabia quem era. Não precisava apressar ou diminuir o passo.
Ela foi até
uma árvore e ali ficou encostada. A pessoa que a seguia se aproximou e a
envolveu por trás em um doce abraço. Francesca respirou fundo. O perfume das
flores parecia emanar dos cabelos dele. Ela se virou e encarou os olhos do seu
amante. Os cabelos escuros dele balançavam com a brisa suave.
— Eu sempre
soube que encontraria você aqui...
O homem
moreno aproximou seu rosto do dela e lhe segurou os cabelos vermelhos dela.
Francesca ansiava por aquele beijo mais que tudo na sua vida. Os lábios estavam
muito perto de se encontrarem quando um trovão ensurdecedor despertou
Francesca.
De repente,
a moça se viu sentada na cama, com os olhos arregalados, tentando saber onde
estava. Depois de poucos segundos lembrou da sua nova morada e saltou da cama
para ver como estava Dona Laura. A chuva batia forte na janela. Eram somente
duas horas da manhã.
Dona Laura
dormia quieta e serena. O som da tempestade e o trovão não haviam afetado seu
sono. Aliviada, Francesca retornou para seu quarto e sentou na cama. O lindo
sonho a deixara abalada.
Quem era
aquele homem que a visitara no sonho? Ela tinha a impressão que era o mesmo que
aparecia no jardim. As sensações que assaltavam seu corpo a deixaram tensa e
excitada. Nem mesmo com o ex-noivo sentira algo parecido. Sem querer admitir,
Francesca voltou para cama e deitou-se, encantada. Talvez aquela mansão
possuísse algum tipo de feitiço. Fazia dois dias que tinha chegado e sua vida
já havia dado uma reviravolta. O único problema é que a jovem não sabia mais
discernir o que era real e o que era fantasia da sua cabeça.
*
Como Dona
Laura havia dito, o sol brilhava no dia seguinte. A mesa já estava posta quando
ambas desceram para o café da manhã. Quando sentaram, Francesca percebeu que
havia algo escondido na mão da Dona Laura.
— Tenho uma
coisa para mostrar a você.
Francesca
olhou para a senhora, curiosa.
— O que é?
Estou com brotoejas!
Dona Laura
estendeu-lhe uma foto antiga.
— Veja.
Adivinhe quem é.
Francesca
segurou a foto e a olhou em seguida. E quase soltou um grito.
Nenhum comentário:
Postar um comentário